Capítulo 2: Quando as luas cobrem o sol

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― Na verdade não, não consigo. ― o garoto respondeu ainda rindo. ― Mas talvez eu possa tentar. ― e ele por fim se controlou, não sem um sorriso de lembrança ainda aparente. ― Vamos continuar andando! Cada minuto que você gastou conversando com ele é mais um minuto que nos aproximamos do eclipse.

― Não estava conversando com ele! É aquela criatura abominável que me persegue.

― Não é o que a flor na sua mão diz. ― treplicou ― Ninguém lhe disse que gelo serve para conservar as coisas?

― E o que você queria que eu fizesse, espertinho? ― a feiticeira deixou a indignação transparecer em um ar de deboche

― Isso. ― falou, tomando a planta da mão da garota e fazendo com que ela murchasse entre as suas. Ariane não conseguiu impedir a saída de uma risada sarcástica.

― Sabe muito bem que não tenho poderes de outono, Edric.

― Mas eu tenho, logo posso fazer esse tipo de coisa. ― sorriu.

A esse ponto já haviam chegado ao bosque. A rocha cinzenta e reclinada que podiam ver de longe era bem maior quando se estava perto, mas nada de que os impedisse de escalá-la para assistir à sobreposição do sol às luas naquela manhã.

― Pronto? ― a princesa perguntou, apalpando a calça até encontrar o pequeno frasco com a poção, quando já estavam sobre a rocha.

― Pronto!

Ariane destampou o pequeno recipiente, e um aroma marinho exalou de seu interior. Conhecia aquele cheiro dos tempos em que seu pai ainda era um homem vivo e infeliz. Suas memórias daquela época eram escassas, talvez por ser muito pequena a época, além de estranhas e distantes.

Bebeu um gole. Tinha um sabor azedo e salgado, mas tudo bem, tudo para assistir ao eclipse. Com uma careta passou o frasco para Edric, que assim como a primeira bebeu um gole do líquido.

Nada aconteceu no primeiro instante. Ariane já se perguntava o que exatamente deveria acontecer na sequência quando seus olhos começaram a se irritar, ardendo, coçando e lacrimejando quase um rio inteiro.

Era uma sensação estranha, como a que se sente quando se passa um tempo exagerado olhando diretamente para um fonte de luz mágica. A feiticeira piscou e esfregou os olhos durante algum tempo, e só então o desconforto pareceu cessar.

Com a barra da camiseta, secou as lágrimas que molhavam seu rosto, em seguida procurando por Edric, sentado ao seu lado. Mirou-o. Os olhos dele, que eram de um intenso azul marinho, haviam passado para uma tonalidade um pouco pálida de dourado.

Ele sorriu, e através de uma conversa sem palavras ela soube que os seus olhos, anteriormente negros com pequenas auréolas prateadas circunscrevendo a pupila, também se encontravam na mesma tonalidade que os dele.

E bem a tempo. Naquele mesmo momento, um movimento no céu os avisou de que o eclipse já estava para começar.

Era a primeira vez que via uma eclipse solar diretamente. Haviam outros todos os anos, mas eles não eram visíveis da capital. Além disso, o centésimo dia de inverno era o único dia em que as quatro luas podiam se juntar em frente ao sol. O único dia em todo o ano em que um deus podia invadir a estação de outro.

Uma a uma, as luas começaram a se interpor ao caminho da luz. Primeiro, a lua da primavera, a menor delas; depois a do inverno, então a do verão e, por último a do outono.

Antes que tudo ficasse escuro, o sol era como a lua ─ qualquer uma das luas ─, todavia brilhava mais em um tom avermelhado, e a cada lua que se juntava, menos luz vinda do sol os alcançava, e pouco a pouco e dia se tornou noite.

Uma História de Primavera [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now