A folga permitida às Misses Bertam no dia seguinte, a fim de que pudessem mais à vontade travar conhecimento e entreter a jovem prima, produziu pouco efeito. Elas não podiam deixar de olhar com pouco caso para a prima ao descobrirem que ela só possuía duas faixas e que nunca havia aprendido francês; e quando perceberam a pouca admiração que demonstrou pelo dueto que elas tão bem executavam ao piano, contentaram-se em presenteá-la generosamente com alguns de seus brinquedos menos preciosos e se desinteressaram da pequena completamente, entregando-se ao seu divertimento favorito no momento, que consistia no fabrico de flores artificiais ou em colecionar papéis dourados. 

  Fanny, quer estivesse perto ou longe dos primos, tanto na sala de aulas quanto na sala de visitas ou no parque, sentia-se igualmente desamparada, encontrando motivos para receio em cada pessoa ou lugar. Sentia-se desanimada diante do silêncio de Lady Bertram, receosa do olhar grave de Sir Thomas e completamente vencida com as admoestações de Mrs. Norris. Seus primos mais velhos mortificavam-na pela sua superioridade em altura e confundiam-na chamando atenção para sua timidez; Miss Lee admirava-se de sua ignorância e as criadas riam-se de suas roupas; e quando a todas essas tristezas se juntava a lembrança de seus irmãos entre os quais ela sempre fora a mais importante, tanto como companheira de brinquedos como no papel de mestra e enfermeira, o desespero em que mergulhava seu pequeno coração era enorme.

  A magnificência da casa a atordoava mas não a consolava. As salas eram grandes demais para que nelas se sentisse tranqüila; tinha a impressão de que qualquer coisa que segurasse havia de quebrar-se em suas mãos e vivia num constante terror de tudo, freqüentemente escondendo-se em seu quarto para chorar; e a menina que, segundo comentavam na sala de visitas, parecia estar tão agradecida à sua boa fortuna, terminava as tristezas de cada dia chorando até adormecer. Dessa forma passou-se uma semana sem que pelo seu modo passivo ninguém suspeitasse do seu desgosto, até que uma manhã oprimo Edmund, o mais jovem dos dois filhos, encontrou-a chorando sentada na escada do sobrado.

  — Minha querida priminha, disse ele com toda a doçura de uma excelente criatura, que foi que houve? — E sentando-se ao lado dela procurou por todos os meios dominar-lhe o embaraço de ter sido assim surpreendida e persuadi-la a falar abertamente .

   — Estava doente? Ou alguém tinha zangado com ela? Ou tinha brigado com Maria e Julia?Estava atrapalhada com algum problema de suas lições que ele poderia explicar? Ou desejava,finalmente, alguma coisa que ele poderia talvez conseguir ou fazer? — Durante muito tempo não conseguiu outra resposta além de um — Não — não — de modo algum — não, obrigada; porém ele insistiu; e mal começou a se referir à família dela os soluços aumentaram, mostrando onde se achava o ponto sensível. Tentou consolá-la.  

  — Você está triste por ter deixado a sua mamãe, não é, minha pequenina? Disse o rapaz. Isto mostra que você é uma boa menina; mas deve lembrar-se de que está no meio de parentes e amigos,que gostam muito de você e que desejam fazê-la feliz. Vamos passear no parque, conversar sobre seus irmãos.   

  Prosseguindo no assunto ele viu que, embora muito quisesse aos irmãos havia um entre todos para quem seus pensamentos mais revertiam. Era de William que ela mais falava e a quem mais desejava ver. William, um ano mais velho do que ela, era seu companheiro e amigo mais constante; seu defensor perante a mãe (de quem era o predileto) em todas as contingências. — William não queria que eu viesse; ele disse que iria sentir muito a minha falta. 


  — Mas William vai escrever a você com certeza.— Sim, ele me prometeu que escreveria mas disse que eu deveria escrever primeiro.

 — E quando é que você vai escrever?Ela inclinou a cabeça e respondeu hesitante: — Não sei; não tenho papel.

 —Se essa é toda a sua dificuldade, posso arranjar papel e tudo o mais, e você pode escrever sua carta quando quiser. Quer mesmo escrever a William? 

Mansfield Park - Jane AustenOnde as histórias ganham vida. Descobre agora