Capítulo 9

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  Capítulo Nove  

Na manhã seguinte, Anne recordou-se com satisfação da sua promessa de ir visitar a Sra.Smith; isso significaria que estaria ausente de casa à hora em que era mais provável que o Sr. Elliotaparecesse; o seu principal objetivo era evitá-lo.Ela sentia bastante boa vontade para com ele. Apesar do dano que as suas atenções tinhamcausado, devia-lhe gratidão e estima, talvez mesmo compaixão. Ela não conseguia deixar depensar nas extraordinárias circunstâncias em que se tinham conhecido; no direito que ele pareciater de a interessar, tanto pela situação de ambos como pelos próprios sentimentos dele e pela boaimpressão que ela logo de início despertara nele.Era tudo muito extraordinário. Lisonjeiro mas doloroso. Havia muito a lamentar. Nem valiaa pena pensar no que ela poderia sentir se não existisse um comandante Wentworth. E quer aconclusão da atual incerteza fosse favorável ou desfavorável, o seu amor seria dele para sempre.Ela acreditava que a sua união não a afastaria mais dos outros homens do que uma separaçãodefinitiva.Nunca devem ter atravessado as ruas de Bath reflexões mais belas sobre o amor agitado e afidelidade eterna do que aquelas a que Anne se entregou ao ir de Camden Place para WestgateBuildings. Eram quase suficientes para purificarem e perfumarem o ar ao longo de todo o trajeto.Estava certa de ser bem recebida; e a amiga pareceu-lhe particularmente grata por ter vindo.Parecia que não a esperava, embora o encontro estivesse marcado.Ela pediu imediatamente um relato do concerto; e as recordações que Anne tinha deste eramsuficientemente felizes para lhe animarem o rosto e para que ela tivesse prazer em falar nele. Tudoo que ela podia contar, fê-lo com prazer; mas o tudo era pouco para quem lá estivera, einsuficiente para uma inquiridora como a Sra. Smith, que, através da curta narração de umalavadeira e de um empregado, já tinha ouvido muito mais sobre o êxito geral e sobre o queacontecera ao serão do que Anne conseguia relatar. A Sra. Smith conhecia de nome toda a genteimportante ou notória em Bath.- Os pequenos Durand estiveram lá, suponho- disse ela. – Com as bocas abertas paraapanharem a música, como pardais que ainda não deixaram o ninho, a serem alimentados. Elesnunca perdem um concerto.- Sim. Não os vi pessoalmente, mas ouvi o Sr. Elliot dizer que estavam na sala.- Os Ibbotson estavam lá? E as duas novas beldades, com o oficial irlandês alto que se dizque vai casar uma delas?- Não sei... acho que não estavam.- A velha Lady Mary Maclean? Não preciso de perguntar por ela. Ela nunca falta, eu sei;deve tê-la visto. Ela devia encontrar-se no seu círculo, pois, se estava ao pé de Lady Dalrymple,estava nos lugares de honra; em redor da orquestra, claro.- Não, isso era o que eu receava. Ter-me-ia sido muito desagradável sob todos os aspectos.Mas, felizmente, Lady Dalrymple prefere sempre ficar longe; e nós estávamos num lugarexcelente... pelo menos para ouvir. Não devo dizer para ver, porque parece que vi muito pouco.95- Oh!, viu o suficiente para se divertir... compreendo isso perfeitamente bem. Existe umaespécie de prazer privado até mesmo numa multidão, e esse a menina teve. Vocês já eram umgrupo grande, não precisavam de mais nada.- Mas eu devia ter olhado mais em redor - disse Anne, consciente, enquanto falava, de quenão deixara de olhar em redor; o objetivo é que fora limitado.- Não, não, a menina tinha uma ocupação melhor. Não precisa de me dizer que passou umagradável serão. Vejo-o nos seus olhos. Vejo perfeitamente como é que as horas passaram... queteve sempre algo agradável para ouvir. Nos intervalos do concerto, foi conversa.Anne sorriu e perguntou:- Vê isso nos meus olhos?- Vejo, sim. O seu rosto diz-me claramente que na noite passada esteve junto da pessoa queconsidera a mais simpática do mundo, a pessoa que atualmente lhe interessa mais do que todo omundo junto.O rubor espalhou-se pelo rosto de Anne. Não conseguiu dizer nada.- E, sendo assim - prosseguiu a Sra. Smith, após uma pequena pausa-, espero que acrediteque aprecio muito a sua gentileza em vir visitar-me esta manhã. É realmente muito amável da suaparte vir visitar-me quando tem coisas mais agradáveis para fazer.Anne não ouviu nada disto. Ainda se sentia espantada e confusa com a perspicácia da amiga,e não conseguia imaginar como qualquer notícia sobre o comandante Wentworth poderia terchegado até ela. Após um breve silêncio, disse:- Diga-me, por favor - disse a Sra. Smith -, o Sr. Elliot sabe que nos conhecemos? Ele sabe queestou em Bath?- O Sr. Elliot? - repetiu Anne, erguendo os olhos, surpreendida. Uma reflexão momentâneafê-la ver o erro em que incorrera. Percebeu-o imediatamente e, recuperando a coragem com umasensação de segurança, acrescentou pouco depois, mais calmamente: - Conhece o Sr. Elliot?- Conheci-o bastante bem - respondeu a Sra. Smith, num tom grave -, mas há muito tempo.Há muito tempo que não nos vemos.- Eu não sabia nada disso. Nunca me falou sobre isso antes. Se eu soubesse, teria tido oprazer de lhe falar em si.- Para confessar a verdade - disse a Sra. Smith, assumindo o eu ar habitualmente alegre -,esse é exatamente um prazer que quero que tenha. Quero que fale sobre mim ao Sr. Elliot. Queroque se interesse por mim junto dele. Ele pode prestar-me um serviço essencial; e, se tiver abondade, minha querida Menina Elliot, de tomar isso a seu cargo, certamente que ele o fará.- Terei muito prazer; espero que não duvide de que estou disposta a ser-lhe útil no que forpreciso - respondeu Anne-, mas desconfio de que me considera como tendo mais direitos sobre oSr. Elliot... um maior direito de o influenciar do que é, realmente, o caso. Tenho a certeza de que,de algum modo, adquiriu essa noção. Deve considerar-me apenas como uma familiar do Sr. Elliot.Se, à luz desta situação, houver alguma coisa que julgue que, como prima, eu lhe possa pedir,suplico-lhe que não hesite em fazer uso dos meus préstimos.A Sra. Smith lançou-lhe um olhar penetrante e depois disse, com um sorriso:- Estou a ver que fui um pouco prematura, peço-lhe desculpa. Eu devia ter aguardado acomunicação oficial. Mas agora, minha querida Menina Elliot, como velha amiga, dê-me algumaindicação de quando poderei falar. Na próxima semana? Certamente que na próxima semana serme-ápermitido pensar que está tudo resolvido e poderei fazer os meus planos egoístas sob aproteção da boa sorte do Sr. Elliot.96- Não - respondeu Anne -, não na próxima semana, nem na seguinte ou na outra. Garanto-lheque nada do que está a pensar vai ficar resolvido em qualquer semana. Eu não me vou casar como Sr. Elliot. Gostaria de saber por que é que pensa que vou?A Sra. Smith voltou a olhá-la, fitou-a atentamente, abanou a cabeça e exclamou:- Quem me dera compreendê-la! Quem me dera saber onde quer chegar! Calculo que nãotenha intenção de ser cruel, quando chegar o momento certo. Até essa altura, sabe bem, nós,mulheres, nunca tencionamos aceitar ninguém. É uma coisa habitual entre nós rejeitar todos oshomens... até eles se declararem. Por que é que a menina havia de ser cruel? Deixe-me argumentara favor do meu... não lhe posso chamar amigo atual... mas do meu antigo amigo. Onde iráencontrar melhor partido? Onde espera conhecer um homem mais cavalheiro, mais amável?Deixe-me recomendar o Sr. Elliot. Tenho a certeza de que só ouve o coronel Wallis falar bem dele;e quem poderá conhecê-lo melhor do que o coronel Wallis?- Minha querida Sra. Smith, a mulher do Sr. Elliot morreu há pouco mais de seis meses. Elenão deveria andar a cortejar ninguém.- Oh!, se essas forem as suas únicas objeções - exclamou a Sra. Smith, gracejando-, o Sr. Elliotestá salvo, e não me preocuparei mais com ele. Não se esqueça de mim quando se casar, é tudo.Faça-lhe saber que sou sua amiga, e então ele considerará pequeno o incômodo necessário para meajudar, como é muito natural que aconteça agora, com tantos negócios e compromissos... muitonatural, talvez. Noventa e nove por cento das pessoas fariam o mesmo. Claro que ele não pode ternoção de como o assunto é importante para mim. Bem, minha querida Menina Elliot, desejo-lhemuitas felicidades. O Sr. Elliot é bastante inteligente para compreender o seu valor. A sua paz nãoirá naufragar como a minha. Está em segurança, tanto em assuntos mundanos com relação ao seucaráter. Ele não se deixará desencaminhar, não será levado à ruína pelos outros.- Não - disse Anne -, posso bem acreditar tudo isso do meu primo. Ele parece ter umtemperamento calmo e firme, nada influenciável por impressões perigosas. Respeito-o muito. Peloque tenho observado, não tenho motivo para pensar de outro modo. Mas não o conheço há muitotempo; e ele não é homem que se conheça intimamente em tão pouco tempo. Será que estamaneira de falar dele, Sra. Smith, a convence de que ele não significa nada para mim? Certamenteque o faço com muita calma. E dou-lha a minha palavra de que ele não representa nada para mim.Se alguma vez me pedir em casamento... o que duvido que ele tenha pensado fazer... eu nãoaceitarei, garanto-lhe que não aceitarei. Garanto-lhe que o Sr. Elliot não tem qualquerresponsabilidade no prazer que o concerto me proporcionou ontem à noite... não o Sr. Elliot; não éo Sr. Elliot que... Ela fez uma pausa e corou, arrependida de ter dito tanto; mas dizer menos teriasido insuficiente.A Sra. Smith não acreditaria tão facilmente na falta de êxito do Sr. Elliot se não existisse outrapessoa. Deste modo, ficou imediatamente convencida e fingiu não se aperceber de mais nada; eAnne, ansiosa por desviar a atenção, quis saber por que é que a Sra. Smith imaginara que ela se iacasar com o Sr. Elliot, onde é que ela fora buscar essa idéia, a quem a podia ter ouvido.- Por favor, diga-me como é que isso lhe veio à cabeça.- A primeira vez que me veio à idéia - respondeu a Sra. Smith - foi quando soube quepassavam tanto tempo juntos, e achei que era a coisa mais natural do mundo que os seus parentese amigos o desejassem; e pode estar certa de que todos os seus conhecidos são da mesma opinião.Mas só ouvi falar nisso há dois dias.- E o assunto foi mesmo falado?- Reparou na mulher que lhe abriu a porta quando me veio visitar ontem?- Não. Não era a Sra. Speed, como de costume, ou a criada? Não reparei bem.97- Era a minha amiga, a Sra. Rooke... a enfermeira Rooke, que, a propósito, tinha grandecuriosidade em vê-la e ficou encantada por poder abrir-lhe a porta. Ela chegou de MalboroughBuildings no domingo, e foi ela quem me disse que a menina se ia casar com o Sr. Elliot. Ela ouviradizê-lo à própria Sra. Wallis, que não parecia ser uma má fonte de informação. Fez-me companhiadurante uma hora na segunda-feira à noite e contou-me a história toda.- A história toda - repetiu Anne, rindo-se. - Ela não pode ter contado uma história muitolonga, penso eu, sobre um pequeno parágrafo de uma notícia sem qualquer fundamento.A Sra. Smith ficou calada.- Mas - prosseguiu Anne -, embora não seja verdade que eu exerça qualquer poder sobre o Sr.Elliot, sentir-me-ei extremamente feliz em lhe poder ser útil de qualquer maneira ao meu alcance.Quer que lhe diga que está em Bath? Quer que lhe leve alguma mensagem?- Não, não, obrigada. Não, de modo algum. No entusiasmo do momento e sob umaimpressão falsa, eu podia, talvez, tentar interessá-la por certas circunstâncias. Mas agora não,obrigada, não quero incomodá-la com nada.- Creio que disse ter conhecido o Sr. Elliot há muitos anos!?- Conheci.- Não antes de ele se casar, suponho?- Sim; ele não era casado quando o conheci.- E conheciam-se muito bem?- Intimamente.- Sim? Então, por favor, conte-me como ele era nessa altura. Tenho grande curiosidade emsaber como era o Sr. Elliot quando novo. Era como está agora?- Eu não vejo o Sr. Elliot há três anos - foi a resposta da Sra. Smith, pronunciada num tom tãograve que foi impossível continuar a falar no assunto; e Anne sentiu que não tinha conseguidonada a não ser uma maior curiosidade. Ficaram ambas em silêncio; a Sra. Smith ficou pensativa.Por fim, disse:- Desculpe, minha querida Menina Elliot - exclamou, no seu habitual tom de cordialidade -,peço-lhe desculpa pelas respostas lacónicas que lhe tenho dado, mas não sei bem o que devo fazer.Tenho estado a hesitar e a refletir sobre isso. HÁ muitas coisas a tomar em consideração. Detestoser importuna, provocar más impressões, causar problemas. Até mesmo a superfície macia de umlaço familiar deve ser preservada, ainda que não exista nada de duradouro por debaixo. Noentanto,já decidi; penso que tenho razão. Acho que devo informá-la sobre o verdadeiro caráter doSr. Elliot.Embora acredite plenamente que, atualmente, não tenha a menor intenção de o aceitar,nunca se sabe o que poderá acontecer. Os seus sentimentos em relação a ele podem, em qualqueraltura, alterar-se. Assim, ouça a verdade agora, enquanto não tem preconceitos.O Sr. Elliot é um homem sem coração nem consciência, um ser calculista e frio que só pensaem si próprio e que, para seu interesse e comodidade, seria capaz de qualquer crueldade outraição que possam ser levadas a cabo sem arriscar o seu bom nome. Ele não tem qualquerconsideração pelos outros. É capaz de negligenciar e abandonar, sem a menor hesitação, aquelesde cuja ruína foi a causa principal. É incapaz do mínimo sentimento de justiça e compaixão. Oh!,possui um coração de pedra, oco e negro.O ar admirado de Anne, a sua exclamação de espanto fê-la fazer uma pausa e, num tom maiscalmo, acrescentou:- As minhas expressões espantam-na. Tem de desculpar uma mulher ofendida e zangada.Mas vou tentar conter-me. Não o vou insultar. Vou só tentar dizer-lhe o que descobri sobre ele. Osfatos falarão por si. Ele foi amigo íntimo do meu querido marido, que confiava e gostava dele; a 98amizade existia desde antes do nosso casamento. Eu vi que eles eram amigos muito íntimos; eutambém gostava muito do Sr. Elliot e tinha uma ótima opinião sobre ele. Aos dezenove anos,sabe?, não se pensa muito a sério, mas o Sr. Elliot pareceu-me ser tão bom como os outros, e muitomais simpático do que a maior parte dos outros, e nós estávamos quase sempre juntos. Vivíamosprincipalmente na cidade, com muito luxo. Nessa altura, era ele quem se achava em circunstânciasinferiores, era ele o pobre; tinha uns aposentos em Temple, e isso era o máximo que podia fazerpara manter a sua aparência de cavalheiro. Ele podia instalar-se em nossa casa sempre quequisesse, era sempre bem-vindo, era como um irmão. O meu pobre Charles, o melhor e maisgeneroso homem do mundo, era capaz de dividir com ele o seu último vintém; e eu sei que tinhasempre a bolsa aberta para ele e que o ajudou muitas vezes.- Essa deve ter sido a época da vida do Sr. Elliot – disse Anne - que sempre suscitou a minhacuriosidade. Deve ter sido a mesma altura em que o meu pai e a minha irmã o conheceram. Euprópria nunca o conheci, só ouvi falar dele, mas houve algo na sua conduta para com o meu pai ea minha irmã, e depois nas circunstâncias do seu casamento, que eu não consigo conciliar com opresente. Tudo parecia anunciar um homem diferente.- Eu sei tudo isso, eu sei tudo isso - exclamou a Sra. Smith. - Ele tinha sido apresentado a SirWalter e a sua irmã antes de eu o conhecer, mas ouvia-o falar constantemente deles. Sei que ele foiconvidado e encorajado, e sei também que preferiu não ir. Posso informá-la, talvez, sobre fatoscom que nem sequer sonha; e, quanto ao casamento dele, eu soube tudo a esse respeito, na altura.Sabia todos os prós e contras, era a amiga a quem ele confiava as suas esperanças e os seus planos,e, embora não conhecesse a sua mulher antes, pois a sua situação social inferior tornavaimpossível tal fato, soube tudo sobre a sua vida depois, ou, pelo menos até aos últimos dois anosda sua vida, e posso responder a todas as perguntas que desejar fazer sobre ela.- Não - disse Anne -, não tenho nenhuma pergunta em particular a fazer sobre ela. Sempresoube que não eram um casal feliz. Mas eu gostaria de conhecer o motivo por que, nessa altura,desprezou as relações com o meu pai. O meu pai estava disposto a recebê-lo muito generosamenteno seio da família. Por que é que o Sr. Elliot se esquivou?- O Sr. Elliot, nessa época, tinha apenas um objetivo em vista: fazer fortuna, e através de umprocesso mais rápido do que o exercício da advocacia. Estava decidido a fazê-lo por meio de umcasamento. Estava, pelo menos, decidido a não estragar as suas perspectivas com um casamentoimprudente; e eu sei que ele acreditava, claro que não sei se acertadamente ou não, que o seu pai eirmã, como todas as suas amabilidades e convites, tinham em mente um casamento do herdeirocom a jovem; e um casamento destes não correspondia de todo às suas idéias de riqueza eindependência. Foi por esse motivo que ele se esquivou, garanto-lhe. Ele contou-me a históriatoda. Não escondia nada de mim. Foi curioso que, tendo acabado de me separar de si em Bath, aprimeira pessoa que conheci quando casei tenha sido o seu primo; e que eu tenha continuado aouvir falar constantemente de seu pai e de sua irmã. Ele descrevia uma Menina Elliot, e eupensava muito afetuosamente noutra.- Talvez - exclamou Anne, assaltada por uma idéia súbita- tenha falado algumas vezes demim ao Sr. Elliot.– Certamente que o fiz, muito frequentemente. Eu costumava gabar a minha Anne Elliot egarantir que ela era muito diferente da... Conteve-se a tempo.- Isso explica algo que o Sr. Elliot disse ontem à noite, exclamou Anne. - Isso explica tudo.Fiquei a saber que ele já ouvira falar de mim. Eu não conseguia compreender como. Queimaginação desenfreada possuímos quando se trata de nós próprios! Como facilmente nosenganamos! Mas, desculpe; interrompi-a. O Sr. Elliot casou-se, então, apenas por dinheiro? Foi 99essa circunstância, provavelmente, que lhe abriu os olhos a respeito do seu caráter? Aqui, a Sra.Smith hesitou um pouco.- Oh! Essas coisas são demasiado vulgares. Quando se vive no mundo, é tão vulgar umhomem ou uma mulher casarem-se por dinheiro que isso não nos choca como deveria. Eu eramuito nova, associava-me apenas a jovens, e formávamos um grupo alegre, irresponsável, semquaisquer regras rígidas de conduta. Só pensávamos em nos divertir. Agora penso de um mododiferente; o tempo, a doença e a dor modificaram a minha maneira de pensar, mas, nessa época,confesso que não via nada de repreensível no que o Sr. Elliot estava a fazer. A obrigação de cadaum de nós era fazer o melhor que pudesse para si próprio. - Mas ela não era uma mulher muitoinferior?- Era, e eu levantei objeções, mas ele não me prestou atenção. Tudo o que ele queria eradinheiro, dinheiro. O pai dela era negociante de gado, o avô tinha sido carniceiro, mas isso nãotinha importância. Ela era uma mulher agradável, tivera uma educação decente, uns primostinham-na aperfeiçoado. Conhecera o Sr. Elliot por acaso e apaixonara-se por ele. Da parte do Sr.Elliot não houve quaisquer dificuldades ou escrúpulos a respeito do nascimento dela. A sua únicapreocupação antes de se comprometer foi certificar-se do montante real da sua fortuna. Podeacreditar que, seja qual for a estima que o Sr. Elliot tenha agora pela sua posição social, quando eleera jovem, esta não tinha qualquer valor para ele. A oportunidade de herdar o Solar de Kellynchera alguma coisa, mas a honra da família não tinha a menor importância para ele. Ouvi-o muitasvezes dizer que, se os títulos de baronete fossem vendáveis, qualquer pessoa poderia ter o seu porcinquenta libras, incluindo o brasão, as armas, o nome e a libré; mas não vou repetir sequermetade do que costumava ouvi-lo dizer sobre o assunto. Não seria justo. No entanto, precisa deter uma prova, por que o que é tudo isto a não ser afirmações? Mas terá uma prova.- Mas, minha querida Sra. Smith, eu não quero nada, exclamou Anne. - Até agora, não dissenada que contradissesse o que o Sr. Elliot parecia ser há alguns anos. Tudo isto, de fato, confirma oque costumávamos ouvir dizer. Tenho mais curiosidade em saber a razão por que ele está tãodiferente agora.- Mas faça-me a vontade; tenha a bondade de chamar Mary; não, tenho a certeza de que teráa bondade ainda maior de ir pessoalmente ao meu quarto buscar a caixa com embutidos que estána prateleira superior do armário.Anne, vendo que a amiga estava decidida, fez o que lhe foi pedido. Depois de ela trazer acaixa e de a colocar à sua frente, a Sra. Smith abriu-a, suspirando, e disse:- Está cheia de papéis pertencentes a ele e ao meu marido, uma pequena parte dos que tivede examinar quando o perdi. A carta de que estou à procura foi escrita pelo Sr. Elliot a ele antes donosso casamento e ficou guardada, sabe-se lá porquê.Mas ele era descuidado e pouco metódico com as suas coisas, como muitos outros homens; e,quando tive de examinar os seus papéis, encontrei-a no meio de outras ainda mais triviais, escritaspor diferentes pessoas espalhadas por aqui e ali, enquanto muitas cartas e memorandosimportantes tinham sido destruídos. Aqui está. Não a quis queimar porque, estando já muitopouco satisfeita com o Sr. Elliot, decidi guardar todos os documentos sobre a nossa intimidadeanterior. Tenho agora outro motivo de satisfação, pois posso mostrar-lha. Esta era a carta,endereçada a Charles Smith, Esq., Tunbridge Wells, e datada de Londres, Julho de 1803.Caro Smith,Recebi a sua carta. A sua bondade quase me oprime. Gostaria que a natureza tivesse feito coraçõescomo o seu em maior número, mas já vivi vinte e três anos no mundo e não encontrei outro igual. De 100momento, creia, não preciso dos seus préstimos, pois estou de novo abonado. Dê-me os parabéns: livrei-me deSir Walter e da menina. Eles voltaram para Kellynch e quase me fizeram prometer visitá-los este Verão, masa minha primeira visita a Kellynch será com um perito que me dirá como o hei-de leiloar maislucrativamente. O baronete, porém, poderá voltar a casar; é suficientemente tolo para isso. Se o fizer, entãodeixar-me-ão em paz, o que será uma boa compensação para aquilo que perco. Ele está pior do que no anopassado. Quem me dera ter um nome que não fosse Elliot. Estou farto dele. O nome Walter posso não usar,graças a Deus!E desejo que nunca mais volte a insultar-me com o meu W. do meio, pois tenciono, até ao fim da vida,ser apenas o seu William ElliotAnne não conseguiu ler a carta sem corar, e a Sra. Smith, ao ver a vermelhidão do seu rosto,disse:- Eu sei que a linguagem é extremamente desrespeitosa. Embora me tenha esquecido dostermos exatos, retenho uma impressão nítida do significado geral. Mas mostra-lhe o homem.Repare nas declarações que faz ao meu pobre marido. Poderiam ser mais explícitas?Anne não conseguiu refazer-se imediatamente do choque e do desgosto de ver tais palavrasaplicadas ao seu pai. Foi obrigada a recordar-se de que a leitura da carta constituía uma violaçãodas leis da honra, que ninguém deveria ser julgado ou conhecido por tais testemunhos, quenenhuma correspondência privada deveria ser lida por outros olhos, antes de recuperar a calmasuficiente para restituir a carta sobre a qual estivera a refletir, e dizer:- Obrigada. Isto constitui, sem dúvida, prova suficiente, prova de tudo o que me disse. Maspor que é que ele se aproximou de nós agora?- Também posso explicar isso - exclamou a Sra. Smith, sorrindo.- Pode, realmente?- Posso. Mostrei-lhe o Sr. Elliot, tal como ele era há doze anos, e vou mostrar-lho como ele éagora. Não posso apresentar uma prova escrita, mas posso oferecer-lhe um testemunho oral tãoautêntico como desejaria do que ele pretende agora e do que anda a fazer. Ele agora não está a serhipócrita. Quer, realmente, casar-se consigo. As suas atuais atenções para com a sua família sãomuito sinceras. Digo-lhe qual é a minha fonte segura: o amigo dele, o coronel Wallis.- O coronel Wallis! Conhece-o?- Não. A informação não chegou até mim por uma via tão direta. Fez um desvio ou dois, masnada de importância. O riacho está tão puro como na sua origem; o pouco lixo que vai recolhendonas curvas desaparece facilmente. O Sr. Elliot fala sem reservas com o coronel Wallis sobre aopinião que faz de si. Eu imagino o coronel Wallis como sendo uma pessoa sensata, cautelosa eperspicaz, mas ele tem uma mulher bonita e muito tola, a quem conta coisas que não devia, erepete-lhe tudo o que ouve. Ela, na alegria transbordante da convalescença, repete tudo àenfermeira; e a enfermeira, que sabe que a conheço, conta-me tudo, naturalmente. Na segundafeiraà noite, a minha boa amiga, a Sra. Rooke, confidenciou-me assim os segredos dosMalborough Buildings. Por isso, quando me referia a toda essa história, eu não estava a romanceartanto quanto supôs.- Minha querida Sra. Smith, a sua fonte de informação não está completa. Isso não pode ser.O fato de o Sr. Elliot ter pretensões a meu respeito não explica os esforços que ele fez com vista auma reconciliação com o meu pai. Tudo isso se passou antes de eu vir para Bath. Quando cheguei,encontrei-os em termos extremamente amigáveis.- Eu sei que assim foi; sei isso perfeitamente, mas...- Na realidade, Sra. Smith, não devemos estar à espera de obter informações fidedignas poressa via. Não pode restar muita verdade em fatos ou opiniões que passam de boca em boca, sendomal interpretados pela tolice de alguns e pela ignorância de outros.101- Mas escute o que tenho para lhe dizer. Em breve poderá julgar o crédito que estasinformações merecem, ouvindo alguns pormenores que poderá confirmar ou contradizerimediatamente. Ninguém supunha que a menina fosse o seu primeiro objetivo. Ele tinha-a, defato, visto antes de chegar a Bath e tinha-a admirado, mas sem saber quem era. Pelo menos, é oque diz a minha informadora. Isto é verdade? Ele viu-a no Verão ou no Outono passado, alguresna costa ocidental, para usar as suas próprias palavras, sem saber quem era?- Sem dúvida. Até aí, é verdade. Em Lyme, eu estava por acaso em Lyme.- Bem - prosseguiu a Sra. Smith num tom triunfante -, reconheça à minha amiga o créditodevido pela confirmação do primeiro ponto. Então ele viu-a em Lyme e gostou tanto de si queficou extremamente satisfeito quando voltou a vê-la em Camden Place, como Menina Anne Elliot,e, a partir desse momento, não tenho qualquer dúvida, ele teve um motivo duplo para as suasvisitas. Mas havia outro, anterior, que passarei a explicar. Se houver alguma coisa na minhahistória que saiba ser falsa ou improvável, por favor interrompa-me. O meu relatório diz que aamiga da sua irmã, a senhora que está em vossa casa e sobre a qual já a ouvi falar, veio para Bathcom a Menina Elliot e Sir Walter há muito tempo, em Setembro, ou seja, quando eles vieram, e tempermanecido cá desde então; que ela é uma mulher bonita, insinuante e esperta, pobre e astuta eque, pela sua condição e modos, dá a impressão geral, entre os conhecidos de Sir Walter, de quetenciona ser Lady Elliot, constituindo grande surpresa o fato de a Menina Elliot estaraparentemente cega perante esse perigo.Aqui, a Sra. Smith fez uma pequena pausa; mas Anne não tinha nada a dizer, e elaprosseguiu:- Era assim que aqueles que conheciam a família viam o assunto, muito antes do seu regressopara junto dela; e o coronel Wallis observava o seu pai o suficiente para se aperceber disso,embora nessa altura ele não fosse visita de Camden Place; a sua estima pelo Sr. Elliot levava-o aobservar com interesse tudo o que ali se passava; e, quando o Sr. Elliot veio passar alguns dias aBath, como fez pouco antes do Natal, o coronel Wallis comunicou-lhe o aparente estado das coisase os rumores que começavam a surgir. Agora, deve compreender que o tempo operara umamudança muito sensível, na opinião do Sr. Elliot, quanto ao valor do título de baronete. Ele eraum homem completamente diferente em todas as questões de linhagem e parentesco. Uma vezque há muito possuía mais dinheiro do que poderia gastar, e não sendo avarento nem esbanjador,ele começara gradualmente a identificar a sua felicidade com o título de que é herdeiro. Eupensava que isso estava a começar a acontecer antes de as nossas relações terem cessado, masagora tenho a certeza. Ele não suporta a idéia de não vir a ser Sir William. Pode imaginar que asnotícias que o seu amigo lhe deu não fossem muito agradáveis, e pode imaginar o efeito que elasproduziram; a decisão de voltar para Bath o mais depressa possível, de se instalar aqui por algumtempo, com vista a renovar o antigo conhecimento e readquirir uma situação no seio da famíliaque lhe proporcionasse os meios de avaliar o grau do perigo e de enredar a dama, se necessário.Os dois amigos concordaram que era a única coisa a fazer, e o coronel Wallis propôs-seauxiliá-lo em tudo o que pudesse. Ele ia ser-lhes apresentado, a Sra. Wallis iria ser-lhesapresentada, e iriam todos ser apresentados. O Sr. Elliot regressou, pediu desculpas e foidesculpado, como sabe, e readmitido no seio da família; e, aí, o seu objetivo constante, o seu únicoobjetivo, (até a sua chegada acrescentar outro motivo), era observar Sir Elliot e a Sra. Clay. Ele nãoperdeu uma única oportunidade de estar com eles, atravessava-se-lhes no caminho e visitava-osconstantemente... mas não preciso de entrar em pormenores sobre o assunto. Pode imaginar o queum homem astucioso faria; e, com esta orientação, talvez se recorde do que o tem visto fazer.- Sim - disse Anne -, não está a contar-me nada que não esteja de acordo com o que eu sei oupossa imaginar. Há sempre qualquer coisa de ofensivo nos pormenores da astúcia. As manobras 102do egoísmo e da duplicidade são sempre revoltantes, mas não ouvi nada que realmente mesurpreenda. Sei que aqueles que ficariam chocados com esta descrição do Sr. Elliot teriamdificuldade em acreditar; mas eu nunca me senti satisfeita. Sempre julguei que devia existir outromotivo para a sua conduta, para além do que ele aparentava. Gostaria de conhecer a sua opiniãoatual sobre as probabilidades de o acontecimento que ele teme ocorrer, se considera que o perigoestá a diminuir ou não.- Está a diminuir, segundo creio - respondeu a Sra. Smith. Ele pensa que a Sra. Clay temmedo dele, que ela se apercebeu de que ele conhece as suas intenções e não se atreve a agirconforme faria na sua ausência. Mas, uma vez que ele terá de se ausentar uma vez por outra, nãosei como é que alguma vez se sentirá seguro enquanto ela mantiver a sua atual influência. A Sra.Wallis teve uma idéia divertida, segundo me disse a enfermeira, que é incluir no contrato nupcial,quando a menina e o Sr. Elliot se casarem, uma cláusula segundo a qual o seu pai não se poderácasar com a Sra. Clay. Um plano digno da inteligência da Sra. Wallis, mas a minha sensataenfermeira Rooke viu logo como era absurdo.-Mas certamente, minha senhora- , disse ela, isso não o impediria de se casar com qualqueroutra pessoa.- E, na verdade, eu não penso que a enfermeira, no seu íntimo, seja muito contra um segundocasamento de Sir Walter. Sabe?, consta que ela gosta de favorecer casamentos, e quem poderádizer se ela não se imagina a tratar da futura Lady Elliot, através da recomendação da Sra. Wallis?- Fico muito satisfeita em saber tudo isto - disse Anne, após um momento de reflexão. -Nalguns aspectos, ser-me-á mais penoso estar perto dele, mas saberei melhor como agir. A minhalinha de conduta será mais direta. O Sr. Elliot é obviamente um homem mundano, calculista eartificial que nunca teve outros princípios a guiá-lo a não ser o egoísmo.Mas a conversa sobre o Sr. Elliot ainda não tinha chegado ao fim. A Sra. Smith desviara-se dasua primeira diretriz, e Anne tinha-se esquecido, no interesse das suas preocupações familiares, doque fora, a princípio, insinuado contra ele; mas a sua atenção foi agora chamada para a explicaçãodessas primeiras insinuações, e ela escutou uma narração, a qual, se não justificava plenamente oextraordinário azedume da Sra. Smith, demonstrava como ele se mostrara insensível no seucomportamento para com ela, manifestando muita falta de justiça e compaixão.Ela ficou a saber que a intimidade entre eles tinha prosseguido após o casamento do Sr.Elliot, tinham continuado a andar juntos como antes, e o Sr. Elliot tinha induzido o amigo aefetuar despesas muito para além das suas posses. A Sra. Smith não queria atribuir quaisquerculpas a si própria e teve o cuidado de não responsabilizar o marido, mas Anne percebeu que osseus rendimentos nunca tinham estado de acordo com o seu estilo de vida e que, desde o início,houvera muita extravagância geral e conjunta.Pela descrição da mulher, Anne concluiu que o Sr. Smith tinha sido um homem afetuoso, detemperamento dócil, hábitos descuidados e fraca inteligência, muito mais simpático do que o seuamigo e muito diferente dele, deixando-se levar por ele e sendo, provavelmente, desprezado porele. O Sr. Elliot. Que o casamento elevara a grande riqueza, pretendia satisfazer todos os prazerese vaidades possíveis que não o comprometessem, pois, apesar da vida que levava, tornara-se umhomem prudente. Começando a ver-se rico, tal como o seu amigo deveria descobrir que estavapobre, não pareceu sentir a mínima preocupação pela situação financeira do amigo, mas, pelocontrário, sugerira e encorajara despesas que só poderiam terminar em ruína. E assim, os Smithficaram realmente arruinados.O marido morrera mesmo a tempo de lhe ser poupado o conhecimento total da situação. Elesjá tinham experimentado embaraços suficientes para porém à prova a amizade dos seus amigos epara demonstrar que era preferível não testar a do Sr. Elliot; mas foi só depois da sua morte que o 103estado deplorável dos seus negócios foi totalmente conhecido. Com uma confiança na estima doSr. Elliot mais honrosa para os seus sentimentos do que para a sua inteligência, o Sr. Smithnomeara-o seu executor testamentário; mas o Sr. Elliot não aceitou, e as dificuldades e problemasque esta recusa lançou sobre ela, para além do inevitável sofrimento causado pela viuvez, tinhamsido de tal ordem que não podiam ser relatados sem uma enorme angústia, nem escutados sem acorrespondente indignação.Anne leu algumas cartas dele desta época, respostas a um pedido urgente da Sra. Smith, etodas elas transmitiam a mesma resolução firme de não se envolver em problemas infrutíferos, e,sob uma delicadeza fria, transparecia a mesma dura indiferença a todos os males que a mesmapudesse fazer recair sobre ela. Era um caso terrível de ingratidão e desumanidade, e Anne sentiuque, nalguns momentos, nenhum crime flagrante poderia ter sido pior.Teve muito para escutar; todos os pormenores de cenas tristes do passado, todas as minúciasde desgraças sucessivas a que conversas anteriores tinham meramente aludido foram agoracontadas com uma complacência natural. Anne compreendia perfeitamente o intenso alívio daamiga e sentiu ainda mais admiração pela compostura do estado de espírito habitual da amiga.Havia uma circunstância na história dos seus agravos que era particularmente irritante. Elatinha razão para acreditar que uma propriedade que o marido possuía nas Indias Ocidentais, quehá muitos anos estava sob uma espécie de hipoteca como pagamento dos seus próprios encargos,poderia ser resgatada se fossem tomadas as medidas apropriadas; e esta propriedade, embora nãofosse grande, seria suficiente para a tornar relativamente rica. Mas não havia ninguém para tratardo assunto. O Sr. Elliot recusara-se a fazer qualquer coisa, e ela própria não podia fazer nada, porcausa da incapacidade, quer de se mover devido ao seu estado de fraqueza física quer de contrataroutra pessoa devido à falta de dinheiro. Ela não possuía familiares que a ajudassem sequer com osseus conselhos, e não tinha dinheiro para pagar assistência jurídica.Isto veio agravar cruelmente a sua situação financeira.Saber que podia estar em melhores circunstâncias, recear que a demora pudesse enfraqueceros seus direitos quando bastava um pequeno esforço, feito como devia ser, tudo isso era difícil desuportar!Fora neste ponto que ela tivera a esperança de conseguir os bons ofícios de Anne junto do Sr.Elliot. Anteriormente, perante a perspectiva do seu casamento, ela receara perder a amiga; masquando lhe asseguraram que ele não fizera qualquer tentativa nesse sentido, uma vez que nemsequer sabia que ela estava em Bath, veio-lhe imediatamente à idéia que algo poderia ser feito aseu favor graças à influência da mulher que ele amava; ela preparara-se imediatamente parainteressar os sentimentos de Anne pelo assunto, tanto quanto lhe permitia o cuidado necessáriopara não afetar o caráter do Sr. Elliot; o desmentido de Anne do suposto noivado alterara tudo; e,embora isso tenha afastado dela a nova esperança de conseguir alcançar o objetivo que maioransiedade lhe causava, deixava-lhe, pelo menos, a consolação de conseguir contar a história à suamaneira.Depois de ter escutado a descrição minuciosa do caráter do Sr. Elliot, Anne não conseguiudeixar de expressar alguma surpresa pelo fato de a Sra. Smith ter falado tão favoravelmente deleno início da sua conversa. Ela parecera recomendá-lo e elogiá-lo.- Minha querida - foi a resposta da Sra. Smith -, não havia nada a fazer. Eu considerei o vossocasamento como certo, embora ele não tivesse ainda feito o pedido oficial e, se ele fosse o seumarido, eu não podia ter dito a verdade sobre ele. O meu coração sangrava por si enquanto eufalava de felicidade.Mas, no entanto, ele é sensato, é amável, e, com uma mulher como Anne, não era umasituação absolutamente desesperada. Ele foi muito cruel para a primeira mulher. Foram muito 104infelizes. Mas ela era demasiado ignorante e irrefletida para lhe merecer respeito, e ele nunca atinha amado. Eu tinha esperança de que, com Anne, as coisas fossem diferentes.Anne reconheceu, no seu íntimo, que houvera a possibilidade de a convencerem a casar comele, e estremeceu ao pensar na infelicidade que se seguiria. Era possível que Lady Russell a tivesseconvencido! E, partindo dessa suposição, qual das duas seria mais infeliz quando, tarde de mais, otempo tudo revelasse? Era muito desejável que Lady Russell não continuasse enganada; e uma dasúltimas resoluções deste importante encontro, que durou a maior parte da manhã, foi que Annetinha toda a liberdade de comunicar à amiga tudo o que estava relacionado com a Sra. Smith e queenvolvesse a conduta dele.  


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