fazer qualquer coisa que possa ser agradável a esse alguém. Aos poucos Marianne fora levada ao hábito de sair todos os dias, mas lhe era indiferente sair ou não. Arrumava-se calada e mecanicamente para os acontecimentos noturnos, sem ne nhuma esperança de se divertir e muitas vezes sem saber, até o último instante, para onde iriam levá-la. Tornara-se tão indiferente ao que vestia e à própria aparência a ponto de não ter a menor consideração para com as roupas. Tanto assim que, quando a srta. Steele subia para chamá-la, aprontava-se em cinco minutos. Nada escapava à minuciosa observação e curiosidade geral dela; essa moça via tudo e perguntava tudo. Não descansava até saber o preço das coisas que Marianne estava usando; seria capaz de calcular o número de vestidos que ela possuía muito mais acertadamente do que a própria dona e havia uma boa possibilidade de ela estar sabendo, antes que saíssem, quanto Marianne gastava por semana, quanto recebia por ano e quanto gastava por ano apenas consigo mesma. A impertinência dessa intromissão na maioria das vezes era concluída com um elogio que, apesar da doçura, era considerado por Marianne a maior impertinência de todas. Isto porque depois de examinar com a maior atenção o vestido que ela estava usando, depois de ter avaliado seu custo, a cor dos sapatos e o penteado, era certo que a srta. Steele dissesse que ela estava "muitíssimo elegante e que se atrevia até a afirmar que iria fazer muitas e grandes conquistas". Depois de um tal encorajamento, nessa noite, as moças encaminharam-se para a carruagem do sr. John Dashwood, na qual se acomodaram, prontas para irem embora, cinco minutos depois que o cocheiro chegara; essa pontualidade não muito agradável para Fanny, que as precedera na casa de sua conhecida e esperava que houvesse um atraso que se tornaria um grande inconveniente para ela e para seu cocheiro. Os acontecimentos da noite não foram importantes. Essa festa, como todas as outras noitadas musicais, reunia muitas pessoas que gostavam de fazer grandes performances, porém a maior parte delas não fazia, de modo algum, nada que pudesse ser de fato denominado performance. Os músicos eram, geralmente em sua própria opinião e na opinião de seus amigos mais chegados, os maiores artistas amadores da Inglaterra. Como Elinor não era musicista e não pretendia ser, não tinha o menor escrúpulo em desviar os olhos do grande piano, em geral acompanhado por uma harpa e um violoncelo, a fim de procurar na sala algum objeto ou pessoa agradável que merecesse sua atenção. Em um desses olhares notou, em meio a um grupo de cavalheiros, aquele que dera uma verdadeira lição de estojos para palitos de dentes na loja Gray. Viu que ele a olhou e que em seguida falou familiarmente com seu irmão; decidiu perguntar a John o nome do cavalheiro, quando ambos foram na direção dela e o sr. Dashwood apresentou-lhe o sr. Robert Ferrars. O jovem cavalheiro cumprimentou-a com natural civilidade e fez uma reverência com a cabeça que lhe disse muito mais do que as palavras pronunciadas e que indicou ser ele exatamente o grande peralta que Lucy descrevera. Teria sido muito bom para ela se sua consideração por Edward dependesse menos do seu próprio mérito do que do mérito de seus parentes! È. Aquela reverência feita pela irmão dele daria o golpe final no pouco bom humor que a mãe e a irmã de ambos poderiam por acaso vir a ter. Mas enquanto pensava nas diferenças entre os dois jovens

irmãos, Elinor não correu o menor risco de que a superficialidade e a presunção de um a fizesse desacreditar da modéstia e do valor do outro. Eles eram diferentes, como o próprio Robert lhe demonstrou no decorrer de quinze minutos de conversa. Ao falar do írmão, comentou sua extrema timidez, que Edward acreditava ser o grande empecilho para conquistar seu lugar na sociedade, ao passo que ele, Robert, atribuía essa falha cândida e generosamente muito menos a uma deficiência natural do que à infelicidade de uma educação particular. Ele próprio, admitiu com tranqüilidade, achava-se bem colocado no mundo, como qualquer outro homem, apesar de com certeza não ter nenhuma superioridade especial e material oferecida pela natureza, mas simplesmente tivera a vantagem de cursar uma escola pública. - Por minha alma - continuou ele -, acredito que seja assim e já o disse várias vezes para minha mãe, quando ela se aflige. "Minha querida madame", sempre digo a ela, "a senhora deve se acalmar. Agora o mal está feito, é irremediável e deve-se apenas ao seu modo de agir. Por que deixou-se persuadir, contra a sua própria vontade, por meu tio, sir Robert, a colocar Edward em uma instituição particular no momento mais crítico da vida dele? Se a senhora o tivesse matriculado na Westminster, como fez comigo, em vez de mandá-lo para a escola do sr. Pratt, tudo isto teria sido evitado". É por este prisma que eu sempre olhei esse fato e minha mãe já está perfeitamente convencida de seu erro. Elinor não podia opor-se a essa opinião porque, fosse qual fosse seu modo de pensar sobre as vantagens de uma escola pública, não conseguia pensar com um mínimo de satisfação em Edward morando com a família do sr. Fratt. - A senhorita reside em Devonshire, acredito - foi o comentário seguinte de Robert Ferrars -, num chalé próximo de Dawlish. Depois que ela explicou exatamente onde morava, o jovem cavalheiro demonstrou surpresa por saber que alguém era capaz de morar em Devonshire sem que sua casa se localizasse perto de Dawlish. Assim mesmo, expressou sua calorosa aprovação pelo tipo da moradia das Dashwood. - De minha parte - explicou Robert -, gosto demais de chalés. Sempre são muito confortáveis e muito elegantes, Garanto que se um dia eu tiver algum dinheiro disponível, para ser feliz comprarei um pedaço de terra e construirei um chalé para mim, a pouca distância de Londres, onde eu possa ir a qualquer momento e levar amigos. Aconselho a todos que pretendem construir que construam um chalé. Meu amigo, lorde Courtland, procurou-me outro dia a fim de me pedir um conselho e mostrou-me três plantas diferentes de Bonomi. Eu deveria dizer-lhe qual dos projetos de casa era o melhor. "Meu caro Courtland", disse eu jogando as três plantas na lareira, "não escolha nenhuma destas, mas sim construa um chalé". E, deste modo, acredito, terminou o problema dele. Há pessoas que imaginam não haver acomodações e espaço num chalé, ', mas é um grande erro. No mês passado, estive no chalé de meu amigo Elliot, perto de Dartford. Lady Elliot queria dar um baile. "Mas como poderia fazê-lo?", perguntou-me ela. "Meu caro Ferrars, diga-me como posso resolver esse problema. Não há uma só sala neste chalé em que caibam dez casais. E onde seria servido o jantar?" Eu vi, imediatamente, que não haveria dificuldade alguma, então respondi: "Minha cara lady Elliot, não se apoquente. A sala de jantar comporta dezoito casais com facilidade; podem-se colocar mesinhas de jogo na sala de estar; a

biblioteca poderá ser usada para servir o chá e outras bebidas". Lady Elliot ficou deliciada com a idéia. Medimos a sala de jantar e descobrimos que abrigava exatamente dezoito casais, então foi tudo organizado de acordo com o meu plano. Portanto, como a senhorita vê, se soubermos como fazer, pode-se ter num chalé o mesmo conforto que se tem numa espaçosa vivenda. Elinor concordou com isso tudo, pois achava que o jovem cavalheiro não mereçia a honra de uma oposição racional. Como John Dashwood não sentia mais apego à música do que sua irmã mais velha, também sua mente encontrava-se livre para fixar-se em outras coisas. Durante a noitada uma idéia tomou-o de assalto e ele tratou de comunicá-la à esposa, para aprovação dela, enquanto se dirigiam de volta à casa. Considerando o engano da sra. Dennison ao supor que as irmãs eram hóspedes deles, viera-lhe à mente a conveniência de realmente convidá-las para ficarem na Harley-street enquanto os compromissos da sra. Jennings a obrigassem a permanecer tanto tempo fora de casa. Os gastos não seriam nada e a inconveniência, menor ainda, e estaria assim dando maior atenção à promessa que havia feito ao pai, o que a delicadeza de sua consciência indicava que era necessário. Fanny ficou perplexa com a proposta. - Não sei de que modo poderíamos fazer isso - retrucou a seguir - sem fazer uma afronta a lady Middleton, pois suas irmãs passam todos os dias com ela, caso contrário eu teria a maior alegria em recebê-las. Você sabe que estou disposta a dar as minhas cunhadas o máximo de atenção possível, como demonstrei levando-as à festa de hoje. Mas são visitas de lady Middleton, como poderei pedir que a deixem? O marido, mesmo com sua grande humildade, não percebeu a força da objeção. - Elas já passaram quase uma semana na Conduit-street, portanto lady Middleton não pode se ofender se concederem o mesmo número de dias para parentes tão próximos. Depois de uma pausa de alguns segundos, Fanny voltou a falar com renovado vigor: - Meu amor, eu gostaria de convidá-las, de todo meu coração, porém não está em meu poder fazê-lo. Acabo de me comprometer comigo mesma em convidar as srtas. Steele a passar alguns dias conosco. Elas são ótimas moças, muito bem-educadas e creio que lhes devemos essa atenção, uma vez que o tio delas fez tanto por Edward. Convidaremos suas irmãs algum outro ano, mas as srtas. Steele podem não vir de novo à capital. Tenho certeza de que irá gostar delas; sem dúvida, você já gosta delas, acredito, tanto quanto minha mãe gosta. E ambas são tão atenciosas com Harry! O sr. Dashwood acabou por se deixar convencer. Percebeu a necessidade de convidarem as srtas. Steele em pouquíssimo tempo e sua consciência acalmou-se com a resolução de que convidariam as irmãs em outro ano. No entanto, passou-lhe pela cabeça a leve suspeita de que em outro ano o convite seria inútil, uma vez que Elinor viajaria para Londres como esposa do coronel Brandon e Marianne seria hóspede deles. Regozijando-se por ter escapado e orgulhosa da esperteza com que o fizera, na manhã seguinte Fanny escreveu para Lucy requisitando a presença dela e da irmã na Harley-street assim que lady Middleton houvesse por bem dispensá-las. Isso foi o bastante para tornar Lucy verdadeira e razoavelmente feliz. Parecia que a sra. Dashwood estava trabalhando por ela, alimentando-lhe as esperanças e promovendo seus desejos! Uma oportunidade de estar com

Edward e sua família era, acima de todas as coisas deste mundo, o que mais a interessava e o convite, uma gratificante e boa promessa para seus sentimentos! Estava recebendo uma vantagem que deveria ter cuidado para não demonstrar com agradecimentos exagerados, nem deveria aproveitar muito às pressas. E a visita a lady Middleton, que até então não tinha nenhum limite definido, de súbito passou a ser encarada como se desde o começo estivesse destinada a encerrarse dali a dois dias. Quando o bilhete foi mostrado para Elinor, dez minutos depois de sua chegada, ela teve pela primeira vez a impressão de que havia alguma possibilidade das expectativas de Lucy se realizarem. Essa demonstração de apreço incomum por parte de Fanny, e que acontecia em tão pouco tempo de conhecimento, parecia declarar tanta boa vontade em relação a Lucy, despertava em Elinor algo mais do que simples escárnio contra si mesma; despertava a certeza de que sua cunhada poderia proporcionar, em seu tempo e sua hora, tudo que Lucy queria. A adulação da jovem srta. Steele suavizara o orgulho de lady Middleton e dera-lhe entrada no coração da sra. John Dashwood. Esses resultados provavelmente abririam caminho para possibilidades maiores. As irmãs Steele mudaram-se para a Harley-street e tudo que Elinor ficava sabendo sobre a influência de Lucy por lá reforçava suas suposições. Sir John, que as visitava mais do que antes, contava as atenções que as moças dedicavam à família Dashwood e as classificava de impressionantes. A sra. Fanny Dashwood jamais em sua vida se mostrara amável com nenhuma outra moça como fazia com elas. Havia dado a cada uma das irmãs uma cestinha de costura feita por algum imigrante, chamava Lucy pelo nome de batismo e não sabia de que maneira poderia separar-se delas.

FIM DO VOLUME II 


Razão e sensibilidade- Jane AustenWhere stories live. Discover now