proporcionava uma porção de idéias e, pelas poucas sílabas que deixou escapar, nenhuma foi dirigida à srta. Dashwood, para quem olhava com a firme determinação de não gostar dela de qualquer maneira. Foi impossível para Elinor evitar de sentir-se infeliz diante dessa atitude. Poucos meses antes, essa atitude iria feri-la profundamente, porém já não estava no poder da sra. Ferrars magoála mais do que já fora magoada e a diferença de suas maneiras para com a srta. Steele, uma diferença que parecia ser feita de propósito para humilhá-la, apenas a divertia. Não podia deixar de sorrir ao ver a gentileza de ambas, mãe e filha, para com a única pessoa ali, uma vez que insistiam em agradar especialmente a Lucy - entre todas as demais que teriam o maior empenho em mortificar-se, se soubessem o que Elinor sabia. Ao contrário de Lucy, ela não tinha poderes para derrotá-las, todavia era o alvo preferido de mãe e filha. Mas enquanto sorria diante da gentileza tão mal-empregada, não podia deixar de pensar na loucura que aquilo significava, nem deixar de reparar na estudada atenção com que as srtas. Steele cortejavam a sra. Ferrars e a sra. John Dashwood. Então, via-se impossibilitada de evitar de desprezá-las, por mais que quisesse. Lucy exultava por ver-se cercada de tantas atenções e a srta. Steele mais velha precisava apenas que lhe perguntassem pelo dr. Davis para sentir-se perfeitamente feliz. O jantar era dos grandes, os criados numerosos e tudo evidenciava a inclinação da anfitriã para se exibir e a habilidade do anfitrião para apoiar seu exibicionismo. Apesar das reformas e adições feitas na propriedade Norland e apesar de seu proprietário ter-se visto obrigado a gastar algumas mil libras para colocá-la em ordem, não havia indício algum daquela indigência que ele tentara alegar para a irmã; não havia demonstração de pobreza de qualquer espécie, a não ser em se tratando de temas para conversas, ponto esse em que a deficiência do casal era considerável. John Dashwood não tinha muito a dizer que merecesse ser ouvido e sua esposa, menos ainda. Contudo, não existia uma desgraça particular nisso, uma vez que era esse o caso da maioria dos convidados; quase todos deixavam de ser agradáveis por apresentar uma dessas desqualificações: falta de razão, natural ou adquirida, falta de elegância, falta de espírito ou falta de caráter. Quando as damas se reuniram na sala de estar, depois de terminado o jantar, essas pobrezas de personalidade tornaram-se particularmente evidentes, pois até então os cavalheiros haviam mantido a conversa viva com algumas variedades de temas: política, anexação de terras e amestramento de cavalos... Mas esses assuntos tinham sido esgotados e até que o café fosse servido, o único ponto de conversa abordado pelas damas baseou-se na comparação das alturas de Harry Dashwood e de Williams, o filho mais velho de lady Middleton, pois os meninos tinham quase a mesma idade. Se os pequenos se encontrassem presentes, o caso seria resolvido com facilidade comparando-se os dois. Mas apenas Harry estava na casa e então houve conjeturas de todos os lados e cada senhora tinha o direito de considerar que sua opinião era a correta e de ficar repetindo o que achava quantas vezes quisesse. Eram estes os partidos: As duas mães, apesar de cada qual se achar absolutamente convencida de que seu filho era o mais alto dos dois, bem-educadamente afirmavam que o mais alto era o filho da outra.

As duas avós, não com menos imparcialidade, porém com maior sinceridade, apoiavam cada qual o próprio descendente. ; Lucy, que se demonstrava ansiosa por agradar tanto um lado quanto o outro, garantia que os dois meninos eram muito altos para a idade e não conseguia conceber que existisse qualquer diferença de altura entre eles. A srta. Steele, com grande habilidade, atribuía maior altura ora a um, ora a outro. Elinor, que já dera opinião a favor de Williams, fato que havia ofendido mais ainda as sras. Fanny e Ferrars, não via necessidade de reforçar seu ponto de vista com comentários adicionais. Marianne, quando indagada pelas mães, ofendeuas profundamente ao declarar que não tinha opinião alguma a respeito porque jamais pensara nesse assunto. Antes de mudar-se de Norland, Elinor havia pintado dois lindos quadros para a cunhada que, depois de terem sido emoldurados, ali se encontravam ornamentando a sala de estar. Quando os cavalheiros foram juntar-se às damas, o coronel Brandon reparou nas pinturas e apontou-as para o dono da casa, expressando sua admiração. John Dashwood, então, prestou atenção nas telas e esclareceu: - Esses quadros foram pintados por minha irmã mais velha e atrevo-me a dizer que o senhor, como um cavalheiro de bom gosto, os aprecia muito. Não sei se teve oportunidade de ver outros trabalhos dela, mas há um reconhecimento geral de que pinta muitíssimo bem. O coronel, depois de esclarecer que não era em absoluto um conhecedor dessa arte, elogiou os quadros com ardor e declarou que pagaria qualquer quantia pelos quadros pintados pela srta. Dashwood. É claro que a curiosidade dos demais excitou-se diante de tanto entusiasmo e houve uma inspeção geral, as pinturas sendo passadas de mão em mão. A sra. Ferrars, sem saber que se tratava de trabalhos de Elinor, insistiu particularmente em vê-los; depois que os quadros receberam a aprovação de lady Middleton, Fanny foi mostrá-los à mãe, informando-a ao mesmo tempo que lhe haviam sido presenteados pela srta. Dashwood. - Hum - resmungou a sra. Ferrars. - Muito bonitos. - E sem olhá-los, devolveu-os à filha. Nesse momento, pela primeira vez talvez Fanny houvesse notado que sua mãe estava sendo muito rude, pois corou um pouco e disse imediatamente: - São muito bonitos, não é, mamãe? - Daí, talvez temendo ter sido bem-educada demais, encorajadora demais, acrescentou: - Não acha que há algo do estilo de pintura da srta. Morton nestes quadros? Ela sim pinta maravilhosamente! É lindíssima a última paisagem que pintou! Marianne não pôde suportar isso. Já se encontrava bastante aborrecida com a sra. Ferrars e o exagerado elogio feito à outra moça à custa de Elinor, se bem que ela não tivesse a menor noção de por que aquilo tudo estava acontecendo, levou-a a dizer com calor: - Essa admiração da senhora é muito particular! Quem é a srta. Morton para nós? Quem a conhece, quem se importa com ela? E, assim dizendo, tirou os quadros das mãos da cunhada, a fim de admirá-los como eles mereciam. A sra. Ferrars pareceu ficar muito zangada e erguendo-se mais majestosamente do que nunca, informou, com ácida superioridade: - A srta. Morton é filha de lorde Morton. Fanny também demonstrava-se irada e seu marido ainda estava paralisado com o choque

causado pela audácia de sua irmã. Elinor sentia-se mais angustiada pela defesa calorosa de Marianne do que pelo fato que a provocara; mas os olhos do coronel Brandon, que se mantinham fixos em Marianne, declaravam que ele notara apenas o que havia de amoroso na atitude dela e vira apenas seu afetuoso coração que não tolerava que espezinhassem sua irmã, um mínimo que fosse. A revolta de Marianne não parou por aí. A fria insolência das atitudes gerais da sra. Ferrars para com sua irmã parecia-lhe vaticinar para Elinor as dificuldades e tristezas que haviam feito seu coração sofrer horrivelmente. Levada por um impulso de afetuosa sensibilidade, aproximouse da poltrona em que ela estava acomodada, passou um braço por seus ombros e, encostando afetuosamente o rosto no dela, falou em voz baixa, porém firme: - Querida, querida Elinor, não ligue para eles. Não deixe que a façam infeliz! Não conseguiu dizer mais nada; a segurança abandonou-a e, escondendo o rosto no ombro de Elinor, rompeu em lágrimas. A atenção de todos concentrava-se nelas e a maior parte das pessoas sentia-se aflita. O coronel Brandon ergueu-se e encaminhou-se para as jovens, sem pensar no que fazia. Com a inteligente exclamação "Pobre querida!", a sra. Jennings apressou-se a ir socorrê-la com seus sais. Sir John ficou tão desesperadamente zangado com quem provocara aquele choque nervoso que de imediato trocou sua poltrona por outra perto de Lucy Steele e fez-lhe, com voz sussurrada, um breve resumo da cena revoltante. Contudo, em poucos minutos Marianne se refez o suficiente para conter o choro e foi sentarse em seu lugar, apesar de a tristeza em seu semblante continuar a refletir o mal que o acontecido lhe provocara durante o restante da noite. - Pobre Marianne! - disse seu irmão ao coronel Brandon, em voz baixa, assim que conseguiu atrair a atenção dele. - Ela não tem a mesma saúde boa que a irmã... É muito nervosa. Não tem a constituição de Elinor... é impossível não se notar que existe algo de errado com uma moça que teve uma grande beleza e de repente perde toda a atração pessoal. Talvez o senhor não saiba, porém Marianne era incrivelmente bonita há alguns meses... quase tão linda quanto Elinor... Agora, veja ao que ela se reduziu!  


Razão e sensibilidade- Jane AustenWhere stories live. Discover now