Amanda

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Amanda, perdi pela viagem,

as forças a coragem,

A imagem do que eu sou...

Amanda de Souza Castro, não era nenhum nome romântico. Não era tão sonoro, nem tampouco extravagante, mas o homem sentado a sua frente, atrás de uma enorme mesa de carvalho que o tornava imponente, ditava-o de forma monótona e avassaladora. Era como se lesse as últimas notas do soneto de uma pobre órfã. E, de fato, e direito, era essa a situação da jovem.

Seus lábios estavam apertados, seus olhos pareciam vidrados em um ponto além da cabeça oval e isenta de cabelos que emoldurava o rosto do advogado de seu pai. O General Carlos de Souza Castro morrera em combate, numa terça-feira, aos 17 dias de novembro de 1868, em solo paraguaio, e há exato um mês Amanda sentia-se usurpada de todas as formas possíveis.

Sentada ao lado da tia, Dona Joana, Amanda parecia ouvir as palavras do carrasco. Há um ano estivera de luto pela morte da mãe, que se descobrira tísica logo após a partida do marido para a guerra, fazendo mãe e filha mudarem para os ares de Campos do Jordão. No início, o tratamento parecia surtir efeito, e até mesmo corada, Dona Judith parecia estar. Contudo, conforme a guerra fora se prorrogando por anos e a ausência de Carlos se perpetuando, a senhora pareceu ceder à doença, e aos doze dias de abril de 1967, seu sofrimento teve fim.

Amanda, ao contrário do que a tia desejava, não deixou a casa, manteve tudo no lugar com a ajuda de Soraya, a escrava que sempre cuidara da família, esperando pelo regresso do General. Todavia, com a morte do pai, seria difícil para a jovem refutar os desejos da tia, já que tinha apenas dezessete anos, e o testamento do pai somente legava-lhe o direito aos seus bens aos vinte e um anos, ou em face do casamento. A tia seria sua tutora, pois não lhe restava outra família e lhe tinha muito apreço. Amanda era afeiçoada à tia também, mas sua alma estava em pedaços, incapaz de elaborar qualquer futuro naquele momento. Tudo o que tinha de mais precioso havia sido arrebatado da forma mais cruel que conhecia, e lhe parecia que nada havia porque lutar.

Deixou-se ser arrastada por Dona Joana e Soraya do escritório do advogado, seus olhos apenas se liquefaziam por horas a fio. Viu as malas serem feitas, as passagens serem compradas e o vapor surgir a sua frente para levá-la a Bahia. Seus cabelos, de um tom dourado como os da mãe, fustigavam ao sol. O rosto era como uma pintura, lábios delicados, nariz aquilino e cílios claros emoldurando um par de olhos azuis. Não negava em nada a descendência portuguesa, era cheia nos lugares certos.

Escorregou seus pés sobre a prancha ao lado da tia, e por fim, respirou fundo, resignada com seu destino. Para onde iria? O que faria? Era inútil pensar, e ali ficou em pé, na sua cabine, deixando-se envolver pelo marulhar das ondas contra o costado do navio. Não lanchou ou almoçou, e somente quando a luz da lua derramou-se pela noite escura foi que se sentiu com forças para sair de seu retiro.

Àquela hora, o convés estava vazio, restavam uns poucos marujos, aqui e ali, averiguando a embarcação. Envolta num xale, com o vestido preto e largo arrastando pelas tábuas oleadas, Amanda parecia uma miragem. Recostou-se na amurada e admirou a espuma acariciando o costado do navio. Respirou fundo e voltou-se para estrelas. O mundo para ela estava assim, preenchido de sons e cores imperceptíveis à luz, apenas na escuridão de seu coração, os tocava.

— Jamais pensei que as histórias de pescadores possuíam algum traço de verdade...

Era uma voz forte, porém uma frase distante e sem qualquer sentido momentâneo. Amanda se voltou na direção da voz e observou o homem parado as suas costas. Sua pele curtida do mar, os cabelos castanhos e revoltos, a camisa aberta, revelando parte do dorso recoberta de pelos esparsos, e um par de olhos verdes cristalinos.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 15, 2015 ⏰

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