{Terça} - De Filósofos a Pintores

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David respondeu erguendo os ombros sem saber a resposta.

- Você acha que vai conseguir evitar? - eu perguntei tomando um gole de chá.

- Evitar? - seu olhar confuso me fez sorrir.

- Não acabar sendo uma versão do seu irmão.

- Você acha que eu estou nesse caminho? - vejo como ele reage numa dívida ainda maior, como se não soubesse ao certo.

- Eu acho que todos estamos. Tudo que eu tenho tentado evitar é me tornar uma versão do meus pais e algumas vezes parece inevitável.

- Eu tento. Quando eu era menor tinha essa admiração pelo quanto ele era descolado e popular, mas, no fim das contas, eu não quero ser como ele. Eu não quero ser essa pessoa que agrada a todos menos a si mesmo.

Tenho certeza de que nesse ponto, eu já tinha um sorriso bobo no rosto. Ele era mais como eu do que eu imaginava.

- Então, o que você está escrevendo? - ele ergue o queixo apontado para o lápis que ainda girava em minha mão.

Olho para meu caderno já tendo esquecido o que fazia.

- Eu escrevi sobre você - digo quase como um pensamento alto.

Passo as páginas procurando pelo conto que escrevi sobre os ele no café. Entrego a ele o caderno e fico esperando por sua reação. Eu não sei ao certo porque mostrei a ele o conto. Acho que meu subconsciente tinha algo a dizer.

- Você tentou ir atrás de mim? - ele perguntou com seu sorriso metido - O que você fantasiou que acontecesse nessa sua comédia romântica que você não está?

- Eu não fantasiei nada, é só uma estória - tenho certeza que soei mais defensiva do que pretendia.

- Uma estória onde eu sou um incrível cara misterioso que você claramente deseja - o convencimento em sua voz era tanto que quase me irritava.

Dois toques soaram na porta cortando a conversa. Dois empregados entraram carregando uma pesada caixa de madeira onde claramente havia uma pintura e não precisei sequer ler o bilhete para descobrir a quem pertencia. "Para minha crítica que me tirou da minha inércia artística".

David e eu começamos a abrir a caixa perfeitamente selada. Tudo estava tão bem fechado que demoramos alguns minutos.

- Quem te mandou o presente? - David perguntou puxando o último prego.

- Um amigo, Craig Lavoie, ele é um pintor.

- Craig Lovoie? Minha mãe é obcecada por ele. Eu acho que temos umas três pinturas dele em casa - ele começava a puxar a pintura para fora revelando os desenhos.

Era o café. Havia uma Aurora pensativa reclinada sobre o balcão escrevendo. Um pequeno Jai balançando seus pés com as meias da sorte. Grace e seu amigo engomadinho estavam em um dos cantos enquanto Sam e Rob conversavam no outro.

Eu havia amado. Não sabia como faria para agradecer a ele pelo presente tão incrível.

- É uma boa pintura, mas eu teria colocado cores mais fortes.

- Você é um pintor agora? - ainda estava com o som de sua voz convencida por isso ao pude evitar o sarcasmo.

- Mais ou menos, eu fiz algumas aulas de arte na faculdade - dessa vez ele soou tão despretensioso que já tive dúvidas se ele era a mesma pessoa.

Olhei para David um tanto surpresa.

- Aurora - minha tia batia na porta entreaberta.

Ela entrou olhando para o quadro exposto o analisando por alguns instantes, mas não comentou sobre ele.

- Eu tenho minha última reunião hoje na empresa. Eu volto ainda hoje pela madrugada. Por favor, eu sei que agora esta casa é sua, mas... Não destrua nada, demandou muito esforço para manter intacto tudo que seus pais deixaram enquanto você brincava de plebeia.

- Porque todo mundo fica dizendo isso? Não foi uma brincadeira, uma grande piada para que pudéssemos rir depois. Era minha vida.

- É... Continue acreditando nisso - ela disse saindo sem olhar para mim.

Cobri meu rosto grunhindo de raiva. Ela não estava certa, mas eu havia voltado afinal e minha tia sentia que havia ganhado.

- Eu não vou deixar ela ganhar - disse para mim mesma.

- Como você pretende fazer isso?

- Eu vou pensar em alguma coisa...

Cup of TeaWhere stories live. Discover now