Pouco Importa o Dia que Foi Escrito

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    Escrever é algo solitário: você e o papel... Não me esqueci do lápis apenas tentei ser mais breve, para que você entenda a falta de elementos estimulantes. Onde eu trabalho anualmente os funcionários passam por um acompanhamento médico e psicológico, apenas para ver se você não é um louco que vai colocar sal no suco dos turistas, como fez um guia uma vez. E numa dessas fui encaminhado para um psicólogo, ele ficou me fazendo perguntas e tudo o que eu respondia parecia extremamente preocupante e fora do normal, pois ele reagia de forma estranha. E acho que eu não consegui ser claro o bastante no diálogo pois ele me disse que eu deveria escrever frequentemente para organizar minhas ideias.
Na verdade eu já escrevia, e decidi que eu escreveria mais e talvez eu nunca ficasse louco algum dia. Me preocupo ocasionalmente em minha sanidade, e todos os dias tento me convencer que sou normal, pois é o que eu sou afinal. Não é mesmo?
E naquela consulta onde ele me disse para escrever, ele me perguntou como eu me imaginava daqui cinco anos. O que me fez pensar que sou um cara de 21 anos que mora com, os pais, tem um emprego legal, porém nenhum projeto a longo prazo. E de fato o psicologo ficou preocupado, o que eu achei estranho pois para mim aquele emprego era perfeito e eu não pensava muito em algo diferente de levar os turistas para conhecer a cidade, nem mesmo ser o gerente.
E relendo essas coisas percebi que tive a capacidade de chamar cinco anos de longo prazo. Esse é um dos motivos que eu gosto de escrever.
Estou tentando não falar sobre a festa de Mari. Não era exatamente uma festa até chegar Lucinha e fazer com o que um simples parabéns seja extravagante e fora dos padrões. Lucinha é a filha de um dono de hotel aqui na cidade, foi o pai dela quem nos trouxe de BH, ele é um velho amigo de meu pai. E ficamos hospedados lá no hotel por dois meses até conseguirmos os móveis e um lugar pra morar. Ana Lúcia, ou Lucinha como preferirem, tornou amiga da nossa família desde pequena, o pai dela ás vezes a deixava na nossa casa enquanto tinha uma reunião ou algo do tipo, pois a mãe desnaturada estava a maior parte do tempo viajando a lazer. Eu tento ser empático com Lucinha, ela se esforça muito para não se parecer com uma rica, mimada e esnobe, pense como é estar rodeado de gente que quer estar com ela apenas por que ela tem uma casa grande com piscina, por que ela é "famosa", porque a família e conceituada e blá blá blá.... E pelo menos na nossa família ela sabe que somos verdadeiros, que não queremos nada dela, e ela sempre está por aqui. Sempre mesmo, quero dizer. Ela morre de amores com minha mãe Dona Clara, as duas passam um tempo juntas costurando. De um lado da vida dela tem o pai, cara responsável, faz de tudo pela família, e quer que a filha seja independente, honesta e trabalhadora. Do outro lado, a mãe, extravagante, soberba, viaja pelo mundo gastando a fortuna do marido, aparecendo em eventos da alta sociedade, fazendo campanhas publicitárias, dando caras em revistas de fofoca e celebridades, causando polêmica para ser mais vista... Enfim... Parece que Ana Lúcia vive num grande desequilíbrio de referências. E o que ela mais tenta evitar é se parecer com a mãe. O que não conseguiu fazer na festa.
O resumo da história é que era pra ser só um bolinho entre os mais chegados, e Lucinha contratou carro de mensagem, fotógrafo, mandou decorar o pátio e teve até uma banda local cantando ao vivo. Sei que ela não estava tentando aparecer, até mesmo porque ela não ficou falando que era ela que tinha organizado, ela só queria agradar Mari, talvez seja essa a visão dela sobre amor. Talvez na casa dela ela tenha aprendido que quando você ama alguém você dá coisas a esta pessoa. E então ela reproduz o que vê. Apesar que não penso que o pai dela a tenha ensinado desta maneira.
Mari não achou o presente íntimo demais ou coisa parecida, era como se ela já esperasse por aquilo e isso me fez sentir mais próximo dela. Eu fiquei sem jeito de a abraçar após dizer os parabéns, ela riu, balançou a cabeça como que desaprovando e aproximou o corpo perto de mim. Senti minhas mãos tremerem e foi exatamente onde ela pegou, o que me deixou um pouco constrangido. Ela puxou de leve meu braço e eu com a outra mão fui em direção ao ombro e aquele pode se chamar de o abraço mais esquisito da história dos abraços. iVcٱ


Margaridas, Lírios & MarianaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora