V - Atavismo

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Uma vez, quando eu era pequena, perdi 30 minutos alinhando meus livros didáticos. Depois que fiquei satisfeita jurei ignorar desajustes com todas as minhas forças, com o objetivo de não acabar como a minha mãe. Isso vinha funcionando até que vi a mancha azul de tinta de caneta na bochecha de James.

Baixei o olhar durante todo o caminho do parque e agora focava absolutamente toda a minha concentração para cortar meu pedaço de pizza enquanto ele tagarelava sobre a iluminação exagerada do shopping.

- Não deixe que a pizza e vença, bailarina. - brincou ele.

- Como você é engraçado - ironizei, cometendo o erro enorme de olhar para seu rosto e encarar perplexa o seu nada natural blush azul.

Respirei fundo e soltei:

- tem uma mancha na sua bochecha me incomodando, já não aguento mais.

- Ah droga. - ele murmurou, tentando limpar.

- é de caneta, só vai sair com água. - eu esclareci o óbvio.

James se levantou apressadamente e sumiu de vista.

Como eu era... idiota. Além de grossa, estava sendo completamente mal educada com ele enquanto ele tentava ser legal. Quantas vezes eu poderia cometer o mesmo erro?

Beberiquei um pouco do meu chocolate quente enquanto Marcus sorria pra mim, aproximando-se da mesa.

- Atrasado. - murmurei, em tom de brincadeira.

- Desculpe, te vi do estacionamento e acabei tendo que te admirar.

Revirei os olhos, sem conter o sorriso.

Não conseguia deixar de reparar que seus olhos mudavam de cor conforme a iluminação, quando ele chegou, seus olhos reluziam um verde esmeralda e agora, tomando café expresso na minha frente e devorando muffins comigo estavam de um tom azul esverdeado que me lembrava como era o mar.

Enquanto sua postura, cor da pele e seus olhos exalavam-me tranquilidade, seu sorriso era um completo oposto, ele era triste, perdido, caótico... Como se todo um lado sombrio dele se escondesse por trás desse sorriso.

E como eu adorava aquilo.

Fazia com que eu sentisse que ele fosse mais igual a mim, alguém com medos, traumas, incertezas... Alguém que precisa de amparo.

Eu queria ampara-lo.

- Desculpe, eu tinha estourado uma caneta de manhã e achei que tivesse... Você está bem?

Pisquei algumas vezes, esforçando-me a ver o que estava realmente acontecendo. James estava em minha frente, com a mesma expressão preocupada/frustrada da noite anterior.

- Desculpe, eu...eu... - sussurrei, ainda confusa - eu acho que não é uma boa ideia estarmos juntos.

- O que? Por quê?

- Desculpe... só é melhor não.

Ele olhava-me como se eu fosse uma equação difícil demais para resolver.

- Você está sendo arisca de novo... como uma gata - sentenciou, mas eu não podia explicar, nem eu entendia direito. - Tudo bem, se eu estava sendo um porre era só dizer. Vou te levar pra casa.

- Não é isso, James. - Baixei a cabeça, culpada - eu estou tendo dias difíceis.

- Então senta - ele guiou-me de volta à cadeira - e me conta o que aconteceu, como eu quase não te conheço, não vou te julgar.

#Wattys2016 Em Meio Aos GirassóisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora