Prólogo

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Monterey - Califórnia
Dois meses atrás.

- Mãe, to saindo.
- Aonde a senhorita pensa que vai? - disse minha mãe, colocando a faca em cima do balcão e vindo em minha direção.
Minha mãe era cozinheira, eu diria que a melhor da nossa cidade. Aprendeu tudo o que sabe com meu avô, que era dono de um do melhores restaurantes da cidade de Monterey, é claro, isso na época dele. Hoje ela administra o que sobrou do restaurante, uma pequena lanchonete, no bairro simples que moramos, onde minha mãe serve as receitas tradicionais que aprendeu com seu pai.
- Mãe, já estou atrasada, eu te disse ontem que iria sair com o Jared hoje a noite. - disse tentando me desprender daquele olhar, que me dizia claramente estar aborrecida com algo.
- Você não me pediu opinião na sua roupa hoje, o que aconteceu? Minha noção de moda não é suficientemente boa para agradar o tão falado Jared? - sua boca esboçava um leve sorriso que dizia que estava se divertindo com a situação, mas o sorriso não chegava aos olhos. Alguma coisa a decepcionara, e não acredito que seja porque não a chamei para me ajudar a escolher a roupa que sairia hoje.
Tudo que eu faço todas as roupas que eu uso, eu peço opinião a ela. Não que ela seja uma expert em moda ou coisa do tipo, mas somos muito grudadas desde que eu era bem nova, e desde que meu pai sofreu um acidente misterioso e sem se despedir, nos deixou. Eu tinha apenas quatro anos, e minha irmã mais nova tinha acabado de completar dois anos. Foi um choque horrível receber a noticia de que nunca mais o veríamos. E desde então, minha mãe vem se empenhando ao máximo para ser mãe, pai e amiga de nos duas.
- A mãe, achei que a senhora não se sentiria a vontade em me ajudar a escolher uma roupa para sair com um garoto. - sorri. Ela colocou a mão sobre o peito, em uma interpretação de que eu a magoara com o comentário.
- Me sinto uma velha quando você diz essas coisas sabia? Eu posso muito bem ajudar as minhas duas filhas a escolherem roupas para irem a um encontro. - cruzou os braços sobre o peito, e me olhou com os olhos apertados, mas dava pra ver que sua boca formava um sorriso, que ela tentava, sem sucesso esconder.
- E eu acredito que você possa escolher, mas não estou muito afim de sair de casa com uma saia até os pés.
Ela fingiu um espanto e nos duas caímos na gargalhada.
- Sobre o que as duas estão rindo? Eu quero rir também. A não ser que seja de mim, ai serei obrigada a revelar meu lado sombrio e aprisionar vocês duas.
Minha irmã tinha quatorze anos, e ao contrario de mim, ela era idêntica ao nosso pai. Não me lembro muito dele, mas pelo o que vejo em fotos, posso confirmar que se ela cortasse o cabelo, ficaria igualzinha a ele. Ela tinha cabelos escuros e longos, cacheados, na altura da cintura, nariz empinado e um olho azul, da cor do céu em um dia de verão, o que se destacava muito em sua pele morena.
Já a semelhança entre eu e minha mãe era inquestionável. Talvez eu tenha puxado um pouco da pele morena de meu pai assim como minha irmã, mas os olhos cor de mel e o cabelo avermelhado vinham da minha mãe, sem duvidas.
- Kat, eu duvido você me fazer um favor? - disse enquanto a chamava com o dedo. Ela se aproximou e eu cheguei perto do seu ouvido para que pudesse falar sem que nossa mãe escutasse.
Enquanto isso, nossa mãe tentava, sem sucesso ouvir nossa conversa. Quando percebeu que não conseguiria ouvir, tentou nos atrapalhar, esbarrando e nos empurrando.
- Mãe, eu te conto, vem aqui. - Kat falou enquanto a puxava para o meio da sala. Quando as duas estavam longe o bastante, ela segurou minha mãe em um abraço de urso e se jogou com ela no chão. - Vai Kris, corre, não vou conseguir segura-la por muito tempo.
Mamãe tentava se soltar, mas caiu em uma crise de risos, perdeu as forças e desistiu.
- Beijos mãe, não voltarei tarde, qualquer coisa me liga, Eu te amo. - sai correndo pela porta da frente e só parei quando cheguei à padaria da esquina, onde eu tinha marcado de me encontrar com Jared.
Não demorou mais de cindo minutos e ele apareceu com seu Volkswagen vermelho e encostou próximo a calçada pra que eu pudesse entrar. Mas so fui perceber que ele não estava sozinho, quando fui tentar abrir a porta do passageiro e dei de cara com ela. Stella Willians, perfeitamente loira, o cabelo, a maquiagem, tudo tão impecável, tão perfeito que deixava claro o quanto era artificial.
- Ah querida, você não pensou que iria no banco da frente pensou? Acreditou mesmo que ele iria passar primeiro na sua casa? - vendo minha cara de espanto, um sorriso abriu em seu rosto deixando claro que ela percebera a ultima coisa que gostaria que ela soubesse. - não acredito, então você não só pensou que ele passaria aqui primeiro, pensou também que seria a única a ir com ele?. - ela se virou para ele e colocou a mão em seu rosto em um gesto sensual que me deu vontade de vomitar.
Eu conheci Jared durante os jogos da escola no final do ano passado, e desde então passamos muito tempo juntos, trocamos mensagens pelo celular o dia inteiro, ele me ligava pra dar boa noite e também passava o horário do almoço comigo todos os dias. Se eu achei que tinha algo a mais entre nós? Sim. Mas pelo visto me enganei, nada passou de amizade para Jared, e agora estava claro o porque. Imaginei se Stella gostaria de ser informada sobre essas mensagens e ligações. Se fosse ao contrario, ela faria questão de jogar na minha cara, mas não sou igual a ela, não usaria isso para devolver a humilhação que me fez passar. Encontraria outro jeito. Não deixaria ela perceber que me abalou. Não dessa vez.
- É, desculpe interromper o momento romance - esperei que ela se virasse novamente para meu lado, para poder continuar. - mas acho que você entendeu errado, não esperava que fosse a única, só não imaginei que ele gostaria de ser visto com você no banco da frente. Mas me enganei é claro. - olhei para Jared e ele me olhava com uma cara de espanto. - Jared querido, por favor, destrave as portas de traz para que eu possa entrar, tem gente me esperando na festa, e não pretendo perder a melhor parte.
Jared parecia formular uma frase, chegou a abrir a boca para falar, mas algo o fez parar, ele apenas concordou com a cabeça e destravou as portas.
Durante o caminho, fiquei pensando o que aconteceu com ele, porque estava tão quieto? Porque não me defendeu ou pelo menos falou algo para encerrar a visível falta de sutileza entre eu e Stella? O que será que ela tem contra ele? Eu já tinha escutado boatos de que ela usava a influencia dos pais para descobrir os podres das pessoas e depois usar contra elas, será que era isso? Será que Stella Willians tinha descoberto algo sobre Jared, tao grave, que ele teria tanto medo de revelar, a ponto de se fazer de brinquedinho dela? Cada vez que pensava mais no assunto, mais odiava Stella Willians.
Mandei uma mensagem para Jéssia, para poder conversar sobre o que acabou de acontecer, mas ela não respondeu, devia estar ocupada. Jéssia era minha melhor amiga desde que me entendo por gente. Ao contrario de mim, ela sempre foi super popular. Loira, dos olhos azuis, de família rica e com muita influencia na cidade, ela tinha tudo pra ser amiga dos mais populares da escola. Mas ela nunca abandonou nossa amizade de infância. Estudamos juntas desde o pré até o ano passado, quando nosso reitor decidiu do nada, que éramos más influencias uma para a outra e nos separou. Ele era macabro, então decidimos que era melhor não discutir.
O caminho até a cachoeira demoraria pelo menos trinta minutos, mas um pouco depois da metade do caminho, alguma coisa aconteceu. Jared perdeu o controle do carro e batemos em outro carro que vinha de frente. Tudo que vi foi dois faróis, e depois disso, as únicas coisas que me lembro, é de acordar no meio dos destroços e vislumbrar duas sombras a minha frente, lutando entre si. Era visivelmente dois homens, um com asas enormes em suas costas, asas que seriam grandes demais até para o maior pássaro do mundo. E o outro, tinha chifres que imaginei ter pelo menos 50cm de altura. Só consigo me lembrar deles tendo uma conversa.
- Ela não pode ir com você Brad, sinto em lhe dizer, mas o sangue dela está destinado a mim. Quando ela completar a idade, ela vira comigo. - um gritou para o outro.
- O pai dela fez uma escolha, mas isso não diz o que será o destino dela, ela ainda tem o sangue dela correndo nas veias. Ela também pode escolher seu próprio destino e você não poderá interferir na escolha dela até que tenha 17 anos completo, então volte para o seu mundo e me deixe cuidar disso.
- É justamente pela escolha do pai dela, que ela esta destinada a vir comigo, fique fora do meu caminho.
E isso é tudo que me lembro depois isso, acordei em um hospital, dois meses depois.

Dois Mundos - A GuardiãWhere stories live. Discover now