— Ela irá nos encontrar em qualquer lugar que formos — falo. — Não há como fugir. Pense melhor, Tomás. O seu ódio está pensando por você. Tente se acalmar.

Ele suspira. Sua cabeça se abaixa e seus olhos ficam fora da minha vista. Pelo seu pulso, consigo sentir ele se acalmando.

— Claire está certa, Tomás — fala Harry. — Se continuarmos agora, podemos ficar mais exaustos do que já estamos. Além dos feridos que ainda estão se recuperando. Ontem foi um dia difícil para todos.

Seus olhos se abaixam e ele concorda com a cabeça.

— Tudo bem... vamos descansar um pouco.

Sorrio para ele e coloco a mão em seu ombro. Então, vou em direção aos outros.

— Está tudo acontecendo tão rápido... — fala Dylan.

— As coisas não parecem nada boas para nós. — Digo. — Temos que continuar fortes ou isso vai acabar conosco. O que aconteceu depois que eu apaguei?

— Eu fiquei com você em cima do ônibus até amanhecer — fala Harry. — A chuva foi passando aos poucos e quando acabou, Tomás guiou os que sobreviveram pra cá...

Suspiro. Os que sobreviveram. Isso dói.

Eu deveria ter evoluído depois de tantas coisas, mas parece que estou decaindo aos poucos. São pedaços que restam de mim, mas preciso me manter forte. Preciso deixar esses pedaços colados até tudo isso acabar.

— Chegaremos na estação hoje. Teríamos chegado ontem se não fosse pela tempestade. — Fala Demi.

Cruzo os braços. Parece que faz mil anos que dividíamos o apartamento.

— Espero que os trens ainda funcionem — fala Niall.

— É claro que eles funcionam! — fala Demi. — Eles são automáticos, não precisam de motorista para serem guiados. Além disso, a energia é transmitida pelos trilhos. Eles andam sozinhos.

— O problema é se eles não estiverem nos trilhos. — Fala Ari.

Ela tem razão. Não pensamos nisso. Tudo está tão destruído... por que os trens não estariam?

Analisando Ari, ela não parece nada com que eu conheci alguns dias atrás. Olheiras gigantes, olhos inchados, roupas rasgadas... ela parece destruída. Parece ser a mais destruída de nós. Me lembro de que ela e Justin eram uma dupla engraçada e sorridente. Mas sem Justin, Ari é um corpo sem alma. É como se ela fosse um zumbi.

Não posso deixar de lembrar quando estávamos naquele campo e Ari ficou sob os efeitos da Planta 23.

Ah... Ari... o que eu fiz com você?

— Esperamos que estejam — fala Harry. — Mas, se não estiverem, Tomás deve ter um plano B.

Olho para Tomás. Ele está sentado no chão, abraçando seus joelhos. Ele não parece ter um plano B. Consigo ver daqui seu nível alto de preocupação.

Quando olho para frente novamente, levo um susto. Nenhum dos meus amigos está aqui. Mas sim ela. A de olhos vermelhos.

Ela sorri.

Levo outro susto quando sinto uma mão no meu ombro. Com um impulso, eu desvio e dou passos rápidos para trás. Olho para o lado e vejo meus amigos novamente. A de olhos vermelhos sumiu.

— Você está bem, Claire? — pergunta Harry. Foi ele quem encostou no meu ombro. — Ficou pálida do nada...

Respiro fundo.

— Eu estou bem... — digo.

Não quero preocupa-lo. Já estamos todos muito preocupados com tudo isso.

Ele tosse e coloca a mão na boca. Disse que estava ficando doente. Depois dessa chuva, deve ter piorado.

— Está se sentindo bem? — pergunto.

Ele olha para mim depois de suas tosses.

— Podemos conversar? — ele fala. — Em particular.

Afirmo com a cabeça. Estranho um pouco.

Nós nos afastamos um pouco dos outros. Vamos para perto da parede, onde há uma janela com diversos furos e rachados. Piso em alguns cacos pequenos.

Será que algum dia São Paulo voltará a ser como era antes?

— O que aconteceu? — pergunto.

Ele suspira.

— Sinto falta de treinar com você... se lembra de quando treinávamos juntos? — ele força um sorriso.

Não sei por que, mas essa conversa está me assustando um pouco.

— É claro que eu lembro. Você era péssimo no arco. — Falo.

— Eu sinto falta daquilo... — ele poderia dizer de uma forma um pouco mais animada, para eu não ficar tão assusta quanto estou agora.

— Onde está querendo chegar? — falo.

— Eu... eu... — ele começa a tossir novamente.

Sua mão vai para sua boca. Tosse três vezes fortemente e quando tira sua mão da boca, vejo sangue nela.

Meu coçarão dispara. Seguro sua mão.

— Harry... seja lá o que tiver para dizer... diga agora.

Seus olhos se enchem de lágrimas.

— Eu estou com medo, Claire — ele diz. — Não sei o que está acontecendo comigo.

Olho para seus olhos. Então, para sua mão ensanguentada. Ele está tossindo sangue. Harry está tossindo sangue.

Isso com certeza não é um bom sinal.

Escolhida || Livro 2 da Trilogia SinistraWhere stories live. Discover now