Uma Família de Vigaristas

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Ninguém se livra dos vizinhos. Na casa de cômodos, vivia, ao lado de Marius,


uma família de quatro pessoas: pai, mãe e duas filhas crescidas, a quem ele nunca vira.


Havia também um garoto de onze a doze anos, que não morava com os pais. Mas nas


ruas de Paris. Era um menino alegre, que gostava de sentir-se livre:


Gavroche. A mãe e o pai não pareciam se importar com o menino. Quando este ia


visitar a família, só encontrava a miséria e nenhum sorriso. Aconteceu que, sabendo que a


família ia ser despejada, Marius pagou os aluguéis atrasados, pedindo ao locador para não


comentar de onde viera a ajuda.


Em um dia de inverno, quando Marius subia a rua, passaram correndo por ele


duas mocinhas, vestidas com farrapos. Falavam em voz baixa.


- A polícia quase me pega! - dizia a mais alta.


Pouco depois, achou um envelope grande caído no chão.


- Coitadas! Perderam o envelope - pensou Marius.


Mais tarde, no quarto, resolveu abri-lo na esperança de encontrar alguma


indicação do endereço das mocinhas para devolvê-lo. Dentro, havia quatro envelopes


menores com os nomes dos destinatários. Todos abertos. Eram cartas pedindo ajuda


financeira com os mais variados pretextos. A letra era sempre a mesma. A assinatura,


diferente. Com certeza, a mesma pessoa escrevera as cartas usando nomes variados.


Marius desistiu de encontrar o dono. Deixou o envelope no canto.


Na manhã seguinte, estava estudando quando bateram à porta. Era uma jovem


magra, de aparência maltratada. Voz rouca.


- Que deseja?


- Vim trazer-lhe uma carta.


Marius abriu e leu uma carta redigida com vários erros de ortografia:


"Honrado vizinho, Soube de sua bondade, pagando o trimestre que eu devia ao


senhorio. O Senhor o abençoe! Minha filha lhe dirá que estamos sem pão há dois dias.


São quatro pessoas, e minha esposa está doente. Julgo que, com seu generoso coração,


não me negará um pequeno donativo.


Com consideração, Jondrette"


A letra era igual à das cartas que encontrara na rua. Enquanto Marius refletia, a moça passeou pelo quarto sem cerimônia. Folheou os livros. Viu um sobre Waterloo.


- Meu pai também esteve nessa batalha - disse ela. Eu sei ler e escrever.


Duvida?


Para provar, escreveu em uma folha de papel:


"Aí vem a polícia!"


Marius pegou o envelope que encontrara no dia anterior. Devolveu-o à moça. Ela


riu.


- Que coincidência. Procuramos por toda a parte. Logo o senhor foi achá-lo!


Examinou as cartas.

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