PARTE I - Capítulo 8 - A fuga

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Tinha então catorze anos e já havia se tornado moça, com o corpo em transformação. Se assustara muito de vez em quando, quando olhares cobiçosos de um certo homem conhecido do pai a cercavam. Já deveria ter seus 40 anos, de expressão obsessiva. Tinha, como sempre, um medo inexplicável dos homens próximos do rei.

Mas logo descobriu uma nova figura naquele território, na qual poderia se alegrar. Soube que Carmela tinha suas paixões e dessa vez, em uma festa, pôde ver quem era. Claus – um homem ardiloso e hostil, genro de Walkíria – trouxera uns parentes, dentre eles um rapaz, que muito se discutira sobre um possível noivado com Carmela. Mas a atenção da jovem se voltava ao seu irmão mais novo, Martín. Aliás, ele era motivo de atenção a todas as jovens da mesma idade. Quinze anos, cabelos castanhos, olhos extremamente azuis. Era sério, quieto, e ignorava completamente todas, inclusive Adélia, que também se deslumbrara com aquele garoto. Mas apesar de ter gostado dele por meses, percebia que quando ele aparecia nos eventos do castelo, se deixava influenciar pelos comentários dos primos e primas que tentavam convencer de quanto Carmela era especial e outras pessoas, ridículas. Martin era mais um jovem a desprezá-la, e ao se dar conta disso não pôde se submeter a tal situação.

Desistira de mais um amor, que durou cinco meses e era na verdade uma grande ilusão, tal como da vez anterior. Ela acreditava que poderia ser diferente por ele ser conhecido, estar próximo, e portanto ser muito mais acessível e possível. Mas esquecera do fato de que precisava antes, ser correspondida.

Ela se entregou então mais e mais aos seus livros preferidos e aos seus pensamentos. Ela agora repudiava por completo tudo relacionado àquele lugar.

Naquela época já havia voltado os outros dois filhos de Liliana, Ingrid e Sabino. Ingrid era loura e muito parecida com a mãe, era séria e parecia estar ligada mais a si mesma. Tinha 19 anos e acabara de sair do internato. Ela era a preocupação mais urgente de sua mãe.

Deveria estar prometida no máximo até em dois meses,. No entanto os planos de Ingrid eram outros. Estudar e se formar, como o irmão, Sabino, que já estava noivo. Posteriormente, Carmela seria mesmo noiva do irmão de Martín, esse que iria estudar em Madri.

Enquanto isso, Álvaro tentava suas primeiras abordagens com Adélia. Numa escadaria, no segundo piso, ela olhava a chuva pela janela.

- Como vai, menina?

Num susto, ela se virou para o inquisidor, sem o ter percebido antes.

- Estou bem ... por quê?

Ele riu, e lhe confessou.

- Eu quero saber como está minha dama. Tão sozinha, a noto entristecida há muito tempo... Mas isso há de terminar. Estou tratando assuntos com seu pai e você é um deles.

Ela pensou em dizer algo, mas aquelas palavras lhe causaram choque tamanho que só conseguiu foi correr e sair dali. Entrou em seu quarto, desesperada a pensar o que aquele homem severo quis dizer com aquilo. Ele falou dela para seu pai, sem ao menos conhecê-la!

Será que se tratava de casamento?? Aqueles olhos sempre obcecados tinham, sim, uma razão. E ela temia. Temia mais e mais ao pensar que poderia se juntar a um homem que lhe aparentava grosseiro e temeroso; como poderia viver com alguém que de certa forma sempre a assustara? Ela jamais conseguiria aceitar isso. E o desespero a fez tomar certas providências que jamais lhe couberam antes. Ela teria coragem se fosse preciso pra dizer não, não e não!

Logo depois ela refugiou-se em sua biblioteca. Lá se meteu nos livros que falavam da cidade e nos vilarejos que rondavam o Alcázar. Aliás, haviam textos sobre os costumes, o povo, a vida hispânica, de forma geral. Dos alfaiantes, das quitandas, dos poços, das lavadeiras, dos bosques. No livro tudo erabom e belo que Adélia podia desejar. Algo ainda mais atraente que tudo: a liberdade.

Adélia queria conhecer outro tipo de gente; gente como um garoto que viu atrás do portão conversando com Lázaro, um dos guardiões que cercava as muralhas do castelo. Num fim de tarde, ela caminhou tanto pelos campos do castelo que quase chegou na saída. Viu aquele rosto de anjo atrás do portão e aquelas roupas modestas, como as dos serviçais.

O garoto parecia serelepe,os cabelos revoltos e um forte brilho no olhar.

Adélia questionava sempre, a governanta Dolores, a ajudante Ileana, Ana Quirina, a cozinheira Gertrudes, todos. Começou a fazer planos. Ao longo de três meses, planos esses que começaram a aterrorizar todos aqueles empregados.

O quanto ela estava decidida, estava também nervosa e agitada. Buscou a ajuda deles e insistia fervorosamente:

Por favor Ileana! Convença a dona Gertrudes a me emprestar suas roupas. Elas são largas o suficiente para me cobrir, e os cestos eu poderei levar e sair livremente daqui, sem os guardas me reconhecerem, somente por algumas horas!

- É um absurdo o que me pedes, Adélia.Eu não posso fazer isso, aqui ninguém pode.

Por favor, por todo o carinho que você tem por mim – ela chorava – eu nunca tive nada daqui, nem pedi. É a única coisa que almejo, algumas horas apenas. Ninguém há de descobrir e se acontecer, eu assumirei toda a responsabilidade; vocês não pagarão por nada; mal se darão conta da minha ausência, não se importam comigo!

- Vamos! - suplicava. - seu Oswaldo pode me ajudar, ele tem a liberação dos guardas, que assim nunca terão motivo para desconfiar!

Ela tinha todos os argumentos planejados. A época era de primavera, os jardins estavam floridos, muitos serviçais saíam do castelo à vontade. Oswaldo era um deles, encarregado do fornecimento de alimentos para dentro do castelo.

Ileana cada vez mais se mostrava arredia e persuadida, assim como depois Gertrudes, que no entanto demonstrava-se muito mais temerosa.

Adélia conseguira o feito. Já obtera as roupas e mais dificilmente um cesto. Oswaldo, um senhor medroso, tentou agir normalmente, embora angustiado. Era uma quarta-feira, sete horas. Ele a esperava na saída.  


AdéliaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora