Capítulo 2

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Mariana

"Nos seus olhos quero descobrir
Uma razão para viver
E as feridas dessa vida
Eu quero esquecer..."
Segredos - Frejat

Enfim estava na minha terra natal. Adorava o Rio de Janeiro, era o único lugar que chamava de lar, mesmo não passando mais tanto tempo aqui desde que me formei na faculdade, há dois anos atrás.

Tenho problemas com rotina e sou apaixonada pela liberdade. Escolhi ser fotógrafa pois queria conhecer o mundo. Hoje trabalho em uma ótima revista, a Click, uma publicação de variedades que tem um projeto muito legal envolvendo o turismo. Trabalho viajando por lugares turísticos, de mochileira, e tirando fotos desses lugares. A ideia é apresentar esses pontos turísticos não só por fotos, mas como turista também.

Sim, é o emprego dos sonhos para uma garota de vinte e quatro anos com sede de conhecer o mundo. Estou conhecendo o mundo, tenho a oportunidade de fotografar cada detalhe, e ainda ganho para isso. Me arriscaria a dizer que estou na melhor fase da minha vida. Não acredito que eu possa querer algo mais nesse momento. Sempre tem um período de intervalo entre as viagens. É nesse intervalo que fujo para meu pequeno apartamento no Rio de Janeiro, onde faço questão de ter moradia fixa.

Cheguei hoje pela manhã e, depois de passar a tarde dormindo, resolvi sair para tomar um sorvete para refrescar, pois, mesmo estando na primavera, o clima aqui é de verão. Confesso, sou viciada em doces, e qualquer coisa é uma desculpa para desfrutar de um.

Assim que cheguei, percebi que tinha uma sorveteria nova a algumas ruas daqui. Peguei uma roupa fresca nas malas, que ainda estavam por arrumar, joguei uma água rápida no corpo e desci. Fui caminhando até a sorveteria e pedi meu amado sorvete de blue ice em um super cascão.

Estava saindo, alegre e contente, quando meu celular vibrou, era uma mensagem de um quase pretendente que eu não lembrava bem o nome. Olhei a mensagem e ia bloquear o celular (claro, pois nunca se responde uma mensagem de imediato, a menos que você queira parecer desesperada), quando um babaca infeliz esbarrou em mim, derrubou meu celular e me sujou com o meu sorvete.

Fiquei com muita raiva, bati o pé, resmunguei um "B-A-B-A-C-A" bem soletrado e, quando enfim levantei minha cabeça, ele estava me encarando e sorrindo.

Exatamente. Sorrindo. Ele quase me mata de susto, derruba meu celular, desperdiça meu sorvete e ainda fica sorrindo (será que para mim ou de mim?). Tive vontade de pular no pescoço dele e estapeá-lo, e foi então que eu encontrei seus olhos. Algo naquele olhar me chamou a atenção, e eu aposto que estava com a maior cara de besta do mundo, com a cara e a blusa todas sujas de sorvete e olhando com cara de cachorro pidão que caiu da mudança para aquele cara estranho.

Então ele tomou a primeira atitude sensata da noite. Ele teve a decência de abaixar para pegar o meu celular. Reparei pelo canto do olho que ele digitava algo no meu telefone. Céus, como ele era abusado! Minha primeira vontade foi de puxar o telefone das suas mãos, mas a curiosidade me venceu e eu fingi que me limpava enquanto esperava ele terminar.

Assim que terminou, ele me olhou e deu um meio sorriso, desses que um cara dá quando tem certeza que a mulher gostou do que ele fez. Seus olhos encontram os meus, e seu sorriso aumentou um pouco.

Não sei o motivo, mas senti uma necessidade enorme de sair dali, meu rosto esquentou, sabia que havia ficado vermelha. Parecia que, se eu continuasse parada ali, fixa naquele olhar, algo ia acontecer.

Seu sorriso não parava e aquilo começou a me irritar. Puxei meu telefone da sua mão com toda grosseria que pude e sai arrastando os pés.

Infantil, eu sei. Mas não conseguia controlar minhas atitudes nem conter aquele nervosismo crescendo em mim. Ainda dei uma rápida olhada para trás e percebi que você continuava me olhando.

Primeiro, pensei que você podia ser algum tipo de tarado, maníaco, perseguidor, mas depois de olhar meu telefone e perceber que você tinha gravado seu número com o nome de "babaca da sorveteria", eu relaxei e sorri comigo mesma. Acho que alguém que queira perseguir ou fazer algo de ruim com alguém não ia deixar o número do telefone como prova.

Apertei o passo e cheguei ao meu apartamento. Saí jogando tudo pelo sofá e me enfiei debaixo do chuveiro, afinal, graças ao babaca, estava toda lambuzada de sorvete.

Coloquei uma das minhas seleções musicais para tocar, e, logo, música alta, animada e dançante encheu meu apartamento, bem ao estilo Mariana de ser. Assim que estava saindo do banheiro, uma melodia mais lenta começou a tocar.

Estranhei, pois não costuma ouvir músicas assim. Nada contra o amor, só não quero um encontro com ele agora e colocar tudo que tenho e toda minha liberdade a perder.

Então a música encheu a sala. Era Segredos, do Frejat. Eu gostava muito da música, acho que mais pelo clipe do que pela letra. Mas dessa vez me concentrei na canção.

Sabe lá Deus porquê, a música me fez pensar: sim, em um fundo muito fundo do meu ser, eu queria um amor. Uma continuidade feliz, um amor que fosse bom para mim.

Mas também sabia que não estava pronta para isso. Nem sei se um dia estaria. Assumo que sou egoísta demais para abrir mão das minhas vontades por alguém.

Bem no refrão, a imagem do babaca e dos acontecimentos da noite vieram a minha mente como flashes. Um sorriso involuntário surgiu e, ainda mais rápido que surgiu, eu o expulsei. Peguei o telefone disposta a excluir o número do babaca, mas, no meio do caminho, desisti.

Joguei o aparelho no sofá e fui para o quarto. Me preparei para dormir e me joguei na cama, capotando em seguida.

Naquela noite, eu dormi profundamente bem. E tive um sonho bem estranho. Nele, os meus olhos encontravam-se com os de um certo babaca e ficavam presos ali. E no meu sonho, por mais que eu quisesse, eu não conseguia desviar.


Um encontro com o acaso (DEGUSTAÇÃO )Where stories live. Discover now