Capítulo 1 - A Conspiração

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O reino de Sieramaris era próspero e se parecia com um pedaço do paraíso encravado entre as montanhas da Província de Lisarb e o vasto oceano do Mar de Ocitnalta. Apesar da aparente humildade de sua geografia, era um polo de comércio poderoso e culturamente avançado, apesar das dificuldades da era medieval, como se a cidade inteira fosse de uma época muito posterior a atual. Seu exército era pequeno demais, mas com uma habilidade descomunal. Sieramaris já havia estado em guerra pelo seu território, mas sempre conseguiu se estabelecer, seja por acordos diplomáticos ou pela eficiência do seu exército, caso as negociações falhassem. Tudo vivia na mais perfeita paz, mas a própria autoconfiança do rei em suas capacidades diplomáticas e em seu exército se tornaram seu maior erro.

Com medo de que Sieramaris se tornasse um reino independente, o Conselho de Lisarb, uma junta composta pelos vinte reis de toda a província, decidiu reunir seus exércitos e atacar a cidade sem aviso prévio. A decisão foi colocada em votação. O rei de Sieramaris não fora convocado para a reunião. Tudo soava como uma conspiração do Conselho para a tomada de Sieramaris. O ataque havia sido aprovado por 18 votos contra 2. Ao saber do resultado do Conselho, os reinos vizinhos de Sieramaris declararam que respeitavam as decisões do Conselho e que estariam a disposição caso precisassem, mas seus exércitos não participariam do ataque a Sieramaris. A decisão fora compreendida pelo Conselho.

Secretamente, o rei de Augarac, um dos reinos que votaram contra o ataque, enviou um mensageiro até Sieramaris para alertá-lo, mas a mensagem chegara muito tarde. Os exércitos já haviam cercado a cidade e estavam prestes a atacar. Dentro dos portões do palácio suntuoso, o rei convoca os responsáveis pela prosperidade e fama do reino, seus quatro melhores conselheiros e homens do povo: Siev Notrewe, ferreiro e inventor. Kiwe Werdna, caçador indígena particular do rei. Arcturus Nahtanohr, alquimista e boticário. E por fim, Orion Roinur, guerreiro descendente dos bárbaros e dos lendários Vikings.

Os quatro entraram no átrio principal e pararam diante do rei, que estava encostado no trono, o olhar perdido no braço revestido de ouro e diamantes do assento real. Depois da reverência, Arcturus dá um passo a frente.

-Em que podemos servi-lo, Majestade?

-Por favor, meus amigos. Chamem-me apenas por Nisan.

Os quatro se espantam. Mesmo em sua humildade, o rei nunca pedira para alguém dirigir-se a ele de forma tão comum.

-Vou dizer o porquê os convoquei. Temo que meus dias de rei de Sieramaris estejam contados. Aliás, temo que os dias de Sieramaris também estejam.

Siev pede permissão para falar.

-Duvido que eles se atrevam. Sieramaris é rica demais, tanto em recursos naturais quanto em metais preciosos, fora que somos um dos pontos de comércio marítimo principais de Lisarb. Destruir a cidade seria burrice!

O rei Nisan se levanta calmamente do trono. Desce as escadarias com o olhar baixo e solene. Percorre a distância entre o fim da escadaria de carpete vermelho e Siev, com semblante sólido e resignado. Parecia talhado em mármore. Estende o rolo da mensagem para Siev contendo os detalhes da votação e dos motivos do ataque, volta as escadarias e ao contrário do que se esperaria, senta nos degraus com os braços apoiados nos joelhos, a coroa acariciada entre os dedos. Quem visse poderia dizer que aquela cena era uma piada: O rei, em vestes reais, sentado na escadaria do trono como um mendigo, com a coroa nas mãos. Tal cena era tão conflitante que deixava o rei consideravelmente mais humano.

-Um mensageiro veio esta manhã com esta mensagem. O Conselho de Lisarb alega que estou querendo ser um reino independente. Vão atacar hoje a noite. Tudo o que pude fazer para proteger a vida do meu povo, foi despachar todas as carruagens, carros, animais, tudo o que podia transportar as pessoas, tudo para a cidade e tirá-las daqui. Se ficassem seria uma carnificina que não suportaria ver.

-Mas e os soldados? Eles não dariam conta?- Orion estava indignado.

-De todas as esquadras, legiões e exércitos de cada um dos 18 reinos da Província de Lisarb que votaram a favor desse ataque desnecessário? Mil e setecentos homens contra metade do continente? Admita, Orion. Somos excelentes, mas não lendários. Mesmo se fôssemos lendários não teríamos feito muita diferença nos números, certo?

Orion avermelhou-se de raiva com as possibilidades, mas o rei estava certo. As chances de vencer a guerra eram ridiculamente irrisórias.

-Por outro lado, todos os mil e setecentos homens concordaram em morrer por Sieramaris e por mim. Por mais que eu os tenha ordenado que se retirassem da cidade junto com os aldeões, a resposta foi unânime: "Esta será a única ordem de nosso rei que teremos prazer em desobedecer. Ficaremos e lutaremos".- O rei dá uma risada contida e amargurada. -A lealdade deles é louvável. Ridícula e teimosa, mas louvável.

O capitão da guarda entra no átrio.

-Majestade, uma das carruagens está a sua espera.

-Todos saíram da cidade?

-Sim, exceto alguns camponeses que insistiram em ficar e lutar.

O rei abaixa os olhos. Ótimo! Mais sangue para ser derramado por minha causa...

-Certo. Vocês quatro entram na carruagem e saiam da cidade. Eu também ficarei e lutarei.

Os cinco se espantam com a decisão. O capitão e Orion protestam.

-Não, majestade! O senhor precisa ir, o seu povo precisa do senhor!- exclama Orion.

-E é exatamente por isso que estou mandando vocês para bem longe daqui. Quero que envie esta mensagem para meu irmão no reino de Lorenzi, Província de Aksala Adanac, além dos desertos de Ocíxem-Amakata e dos montes do Norte. Lá é um reino gelado e hostil, mas é um povo hospitaleiro e é o melhor que posso oferecer.

-Não podemos deixá-lo aqui, majestade! É suicídio!

-Não, meus amigos. É um sacrifício. Agora vão! Esta é a minha última ordem a vocês.

O capitão intervém.

-Mas majestade...

-Sem "mas", Átila! Se para vocês ainda sou o rei, e vocês querem se sacrificar por mim e por Sieramaris, mesmo sabendo que é uma luta perdida armada por reis sedentos de sangue e poder, então é meu dever ficar e lutar ao lado de vocês no campo de batalha. E estou dispensando-o desta guerra! Quero que vá atrás da caravana e conte tudo o viu e ouviu aqui. Diga a eles que seu rei morreu lutando por eles, literalmente! Agora vá! Saiam todos enquanto há tempo! Vão!!!

Mal viraram-se para a porta principal e uma chuva de concreto esmigalhado e retalhos em chamas irrompe do alto da imensa porta em uma

explosão, atirando todos contra o piso encarpetado, dois metros atrás de suas posições. A carruagem está destruída debaixo de um imenso novelo de cordas e pedras em chamas. Os cavalos fugiram em disparada pela rua principal, um deles com a crina pegando fogo. Embaixo do novelo ardente, um braço carbonizando no chão. O cocheiro está morto.


Crônicas Selvagens - Livro 1 - A Primavera de SieramarisWhere stories live. Discover now