Das cinzas renascer

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Não faz questão de olhar para trás.

Não importa o quanto a floresta pareça sombria e assustadora a noite. Encararia mil florestas escuras, com suas sombras apavorantes, antes de voltar para lá. Tem mais medo do que há naquela casa do que qualquer coisa que a floresta possa presenteá-la. Pelo menos é o que diz a si mesma enquanto adentra na grossa mata, um passo de cada vez.

Tinha amarrado a barra do seu vestido na altura das canelas, as mangas arregaçadas nos cotovelos, tem um lenço segurando o seu cabelo bem lá no alto e traz consigo somente um pequeno embrulho com as suas coisas. Não traz muita coisa, não tinha muita coisa, só uma troca de vestido, agasalho para o frio e um pão dormido com pedaços de queijo e uvas.

Até nisso não podia exagerar. Não podia pegar algo mais do que isso para comer sem que levantasse suspeitas. Não que sua madrasta e "irmãs" fossem sentir sua falta, talvez só para cozinhar e arrumar a casa, mas quanto mais demorasse para elas saberem que fugiu, melhor seria.

É de madrugada e a floresta, apesar de grande e aberta, parece sufoca-la. Olha várias vezes para os lados, como se a qualquer momento fosse ver olhos grandes e amarelos prontos para devora-la. Se fosse de manhã, andaria tranquilamente pelas raízes e matos, mas agora tropeça de minuto a minuto.

Depois do que parecem ser horas andando, seu pé tropeça em algo pela milésima vez e dessa vez realmente o sente. Seu pé começa a latejar descontroladamente e não consegue pisar no chão. Para não se desequilibrar, tenta se apoiar na primeira coisa que consegue achar. Se apoia no que parece ser um tronco de árvore. No que está tentando inutilmente ver o estado do seu pé, sente algo quente e escorregadio passar pela sua mão. Tira rapidamente a mão da árvore e no susto, se desequilibra e cai para frente.

Está mais desorientada do que achava porque quando cai para frente, descobre que está perto de uma pequena caída e rola por ela até parar deitada em cima de folhas. Se antes só seu pé estava doendo, agora é todo o seu corpo. Suas costelas principalmente, dificultando sua respiração e que se mova direito.

Consegue se ajeitar de modo que fica sentada com as costas encostadas na parede de terra pela qual tinha rolado. É só quando a dor nas suas costelas parece passar que se lembra da sua pequena, mas preciosa, trouxa de roupas. Sem enxergar muito bem a sua volta, passa as mãos pelas folhas e chão de terra na tentativa de acha-la, rezando para que não tenha ficado lá em cima quando caiu.

Quando a acha, solta o ar que estava prendendo, mesmo que isso ainda machucasse um pouco. Com tudo parecendo estar ok de novo, começa a pensar aonde está.

Tinha feito de manhã, em sua cabeça, mais ou menos a rota que iria seguir a noite. Quando começou com a sua aventura, achava que estava a seguindo corretamente... Mas parou de achar isso há uns dez tropeços atrás. Sentada, provavelmente suja e com um pé machucado, está mais perdida do que antes.

O que tem que  fazer agora é esperar o dia clarear, checar o estado do seu pé e continuar a caminhada, independentemente de onde esteja.

Se parar para analisar melhor suas escolhas, pensa enquanto pega o pão velho da sua trouxa e o parte em um pedaço, vai se dar conta que errou na falta de planejamento. Devia ter marcado o caminho que iria tomar, feito alguma coisa para guia-la de noite melhor do que a sua cabeça, mas não queria deixar pistas do seu caminho.

Não que sua madrasta fosse se dar o trabalho de ir procura-la, mas talvez o fizesse só pelo prazer de vê-la de volta sendo trazida pelos cabelos, suja e com fome.

Seus pensamentos a desanimam e o barulho que a floresta faz em intervalos de tempo a assustam, deixando-a nervosa.

Termina de comer o pedaço de pão, tomando cuidado para deixar o bastante para os próximos dias. Sua barriga ainda ronca de fome, mas não sabe quando vai encontrar comida quando o que trouxe terminar. Terá sorte de achar uma aldeia e uma casa que possa acolhe-la por uma noite.

Codinome CinderelaOnde histórias criam vida. Descubra agora