Capítulo 6: Lorena

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Foi quando eu comecei falando sobre como detectar que o ar estava poluído, que notei o novato estreitando os olhos, focando num ponto acima da minha cabeça. Eu não quis levantar para ver, mas a curiosidade crescia à medida que mais pessoas olhavam e apontavam para cima. Será que uma nave tinha descido a Terra e queria levar um humano para testes e eu era o alvo? Pelo andar da carruagem nessa palestra, eu mesma me candidataria.

Então algo explodiu e senti o frio percorrendo o meu corpo gradativamente. Uma gosma que parecia geleia descia pelos meus cabelos e braços. Eu tinha ficado tão assustada, que não consegui me mover. O líquido grosso cheirando a amoras ia escorrendo pelo meu tórax, sem deixar nenhum pedaço de fora. Eu estava ficando azul. Só me movi quando o troço melequento caiu nos meus olhos e eu agi rápido, afastando da parte interna deles.

Meus sentidos me alertaram de várias coisas de uma única vez. Olhei ao redor e as pessoas estavam gargalhando histericamente na plateia. O novato me olhava totalmente sem ação, parecendo tão patético quanto eu ali em cima. Uma garota loira de tranças levantou e apontou para mim dizendo que eu parecia o recheio de um bolo, e nesse instante vários confetes e penas se prenderam aos meus braços. Olhei para cima e percebi as coisas que caiam, tentei desviar, mas era tarde demais, eu já estava lambuzada de geleia azul e coberta de papel picado e penas de galinha.

Não sabia se estava sentindo mais vergonha ou mais raiva.

Foi quando a ideia me ocorreu... O grupo de música. Só podia ser coisa deles. Foram as últimas pessoas que ofendi nessa droga de lugar.

Fechei a boca para não gritar de frustração comigo mesma. Bati o pé bom no assoalho para dissipar a raiva, e o outro pé não sustentou o meu peso e minha total falta de equilíbrio. Escorreguei no líquido gosmento, e cai estatelada no chão.

Minha cabeça zunia, mas percebi quando dois pares de pés correram na armação de ferro em cima de mim. Não pude reconhecer nenhum deles, mas tinha certeza de que eram homens.

Ouvi o novato colocando as pessoas risonhas para fora do ginásio. Outras vozes o ajudavam, dizendo que a brincadeira tinha acabado, mas eu só conseguia pensar que ela apenas estava começando.

Senti a unha machucar a palma de minha mão quando apertei forte. Eu costumava fazer tanto isso que era raro não achar minhas mãos marcadas por unhas.

— Lorena?

A voz do novato veio ansiosa. Ele estava com medo da minha reação, e com toda a razão do mundo. Mas por mais que eu queira culpar alguém por isso, não poderia ser ele. Vi os pés correndo no andar de cima, além de que ele tinha ficado tão perplexo quanto eu.

Ele me ajudou a sentar e me entregou uma toalha, que passei no rosto para limpar a visão. Os garotos nerds da turma de ecologia, que vestiam blusas com meu nome, estavam ali me olhando com preocupação e me senti culpada por ter tido vergonha deles.

— Você não vai começar a quebrar coisas nem virar carros agora, vai?

O novato me perguntou avaliando o grau da minha raiva, e por um momento eu não entendi o que ele queria dizer.

— Virar carros? Porque eu faria isso?

— Carrie, a estranha.

Um dos nerds de cabelo espetado falou se aproximando de mim, ajudando o novato a me levantar. Claro que me lembrava de Carrie. Tinha lido para fazer um trabalho sobre preconceito na escola para o jornal mês passado. E ali estava eu, sofrendo o mesmo tipo de agressão emocional, só que não tinha super poderes e nem desejava matar toda a cidade de Esperança. Bom, certamente queria matar a metade dela, mas não poderia ser com poderes telecinéticos.

— Sei. — Respondi me equilibrando nos dois e puxando minha muleta, que um terceiro menino me passava. — Alguém viu quem fez isso?

A maioria balançou a cabeça, mas o novato ficou calado e desviou o olhar. Ele sabia!

— Anda, Antenor, me diz o que você sabe!

— Já disse que meu nome é Anderson.

Continuei calada avaliando sua expressão desafiadora, mas não muito resistente. Por fim ele soltou um suspiro profundo e disse:

— Acho que vi Klaus e Samuel, do terceiro ano.

Eu sabia!

Aqueles dois patifes tinham me colocado numa situação completamente constrangedora na frente de cem pessoas da escola. E eu ainda suspeitava que a quantidade de pessoas inscritas de última hora na palestra tinha a ver com eles também.

— Samuel? Sério? — Perguntou o de cabelo espetado, e o novato assentiu. — Nunca o imaginei fazendo nada parecido. Talvez Adônis, mas não ele.

— Porque você diz isso? — Perguntei rapidamente, afastando mais gosma azul que caia nos meus olhos.

— A mãe dele é uma completa maluca por coisas certinhas demais, sabe?! — Comentou com um olhar vago. — Certa vez ela o fez devolver um lápis pequeno para a professora. Depois disso ele andava com cerca de dez lápis no estojo. Era ridículo!

— Lorena — O novato falou de modo culpado, o que me deixou em alerta. — Acho que Adônis está envolvido nas inscrições da palestra. Ouvi uma das meninas dizendo que ganharia um passeio de cavalo na fazenda do pai dele por ter aceitado vir aqui hoje.

Claro! A beldade italiana certamente usaria todo o seu charme para conquistar público. Por isso 80% das pessoas naquele ginásio eram mulheres, e todas elas com um grau de burrice estúpido demais para o tipo de palestra que eu daria.

Alguém veio com um pano para tirar o excesso de gosma de mim, e meio que me irritei com isso. Fui mancando até o outro lado do palco e me sentei numa cadeira de ferro fria. Ela entrava em contraste completo com meu sangue pulsante naquele momento.

Nunca imaginei que Klaus Hunter fosse se voltar contra ninguém. Era o garoto de ouro da cidade e todos os adoravam. Salvou um gato em apuros e uma velhinha cega. Tinha notas fantásticas e poderia passar no vestibular para a maioria das faculdades do país. Já Narcole era um rebelde sem causa irritante de tão convencido. Teria que ter seus poderes exterminados de uma vez por todas. Samuel eu não conhecia bem, mas vivia na sombra dos dois primeiros. Se eu conseguisse fazer Klaus e Adônis pagarem por aquilo, certamente Samuel viria no pacote.

Senti meu pescoço latejar com o coração em disparada. Olhei para os rostos apreensivos na minha frente e vi que poderia ter o meu próprio exército, se assim quisesse. Senti-me Aquiles por um momento, só que eu não tinha nenhum tendão para facilitar minha derrota. O único que existia foi embora num dia qualquer e não olhou para ver o que tinha deixado.

Levantei decidida. Os idiotas de plantão estavam querendo guerra? Era guerra que eles iriam ter! 

A Mais Bela MelodiaWhere stories live. Discover now