Muito se debateu, em nossas terras natais, sobre a veracidade das histórias contadas à nós por nossos pais e avós. Navegadores, marinheiros ou pescadores, todos que se aventuravam ao mar retornavam com as mais incríveis e, geralmente, inacreditáveis histórias sobre o que há além da linha fim do oceano. Terras distantes em direção ao Oeste, protegidas e guardadas por monstros e criaturas mágicas colossais, voando aos céus ou mergulhando fundo no mar. O que nós trazemos hoje são afirmações, acreditem ou não, todas elas são reais.
Dois anos atrás, partimos em uma expedição privada, financiada por comerciantes que procuravam um caminho seguro para o Sul, no caminho, nossa companhia encontrou piratas, nativos e mercenários, sobrevivemos a todos mesmo que perdendo membros em cada infeliz encontro com a sorte. Ainda assim, aqui estamos nós, contando a vós o resultado de nossa viagem.
28 de Dezembro de 1499 D.B
"Ao Rei e àqueles que deixamos à nossa espera nas praias do Velho mundo [...]" - Rabisquei em ainda mais uma carta. - "Hoje marca 27 dias à deriva, em busca de um caminho para casa, perdidos no desconhecido do Oeste. A situação aqui é, para dizer o mínimo, menos que ideal. Boa parte de nossa tripulação já não está entre nós, os que sobraram dividem a pouca comida que nos resta (reconheça que temos o equivalente a dois, talvez três dias em suprimentos restante), e os ânimos dos marinheiros não são muito melhores levando em consideração as condições que nos encontramos. Boa parte já perdeu as esperanças em nossa expedição, e os gritos ensandecidos de Benito, um velho engraçadinho que ainda navega conosco, não inspira confiança em suas visões alucinadas de terra firme no horizonte. Ninguém mais acredita que veremos terra ainda em vida. Ainda assim, se houver alguma chance de encontrarmos uma saída, precisamos continuar com as velas ao vento. Espero algum dia ver o retorno aos nossos portos, e não que o fim desta expedição se veja junto aos corais e peixes do fundo do oceano."
O resultado dessa expedição foi desastroso. Neste momento, dois anos atrás, imaginei que estaria escrevendo uma carta para minha família de dentro de alguma mansão de luxo graças as grandes riquezas que nos foram prometidas por nossos contratantes, e não de uma mesa de madeira podre, iluminada pela luz do sol que nasce ao infinito do oceano através de uma janelinha abaixo do convés. Ao meu redor, redes vazias se espalham pela sala, um dia foram ocupadas por velhos integrantes da companhia, alguns nos deixaram voluntariamente, outros nos traíram. Boa parte cedeu à doenças como escorbuto ou a fome, ainda que a pólvora tenha sido a maior assassina em nossa viagem. Malditos sejam os piratas jacareenses. Selvagens e covardes.
Caminhar por este navio, agora quase sem vida, ressaltaria o desespero em qualquer um. Lembrando de noites mais alegres, onde nos afogávamos em álcool e celebrações de nossas vitórias e escapadas. Bom, nos afogariamos em bebidas se ainda houvesse sobrado algum barril.-TERRA A VISTA!- Gritou o Benito, de sua toca acima das velas. Alguns pobres tolos correm pelo corredor com a esperança de que, finalmente tenhamos encontrado chão firme, mas se desapontam ao chegar ao convés e ver o alucinado marinheiro apontar para as ondas. Já é a terceira vez na semana que ele faz isso, contando que ainda é terça. Ou Quarta. É difícil contar os dias após tanto tempo aqui.
Apesar da rotineira melancolia da morte quase certa e desesperança constante, alguns de nós seguem emitindo um brilho em seus olhares. Alguns chamam isso de "indomável espírito humano". Abaixo do ninho de papagaio, o capitão saiu de sua cabine luxuosa (se comparada ao resto do navio, que caia aos pedaços) e se preparava ao dia à vir. Como rotina, Italo desceu as escadas dando bom dia aos marinheiros que raramente respondiam e se dirige à sala do navegador, que já cedo de manhã se movia de um lado ao outro na sala com seus mapas em mãos, tentando fazer sentido das correntezas de ar e água que nos empurravam sem descanso para longe de nosso objetivo.
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Os Val'Paraíbas
AdventureAqueles que vão ao mar contam histórias sobre terras distantes, perdidas no tempo, e criaturas místicas e mágicas que as habitam. A fantasia comum conhecida como "história de pescador", mentiras descaradas. Mas... se te disséssemos que ao menos uma...