Parte 02

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Os dias foram se passando sem que eu esbarrasse com Daniel novamente. Bom, era verdade que eu não tinha arredado o pé de casa e dos meus livros desde que nos vimos no beiral de sua porta, mas mesmo assim. Ele não teve cartas extraviadas para me entregar, por exemplo. Às vezes eu via sua silhueta pela janela dos Marques, mas preferia não ficar encarando. Lidar com garotos inexistentes era muito mais fácil e, por isso, continuei com a cara enfiada nos meus livros.

Já perto do final da semana, Marina, minha melhor amiga, começou a me mandar um monte de mensagens. Ela tinha passado as férias na casa da tia, em outro Estado e agora queria me atualizar de todas as fofocas. Ela já tinha me contado um monte de coisa enquanto ainda estava por lá, mas agora estava repetindo tudo, com mais detalhes e áudios de oito minutos. Eram tantos nomes de menino que eu estava até ficando confusa. No livro da minha vida, Marina era a protagonista e eu era a melhor amiga atrapalhada. Suas histórias me fizeram rir, mas foi uma de suas últimas mensagens que ela mandou que me deixou sem chão.

Marina: Você não sabe da maior! Fui fazer matrícula atrasada no colégio hoje e tinha um aluno novo fazendo matrícula também!!!!

Marcela: Um aluno novo?!

Marina: E lindíssimo! Quase caí para trás quando ouvi ele falando que queria se matricular no terceiro ano do Ensino Médio.

Marcela: E como é que ele era?

Marina: Ah, miga, parecia saído de um desses romances que você lê.

Marina não lia muito, mas assistia todas as adaptações cinematográficas dos livros que eu lia comigo. Eu tentava convencê-la a dar uma chance para leitura, mas ela era realmente uma cinéfila roxa que não trocava seus filmes por nada. Dizia, inclusive, que ler o livro antes atrapalhava a "experiência cinematográfica". Dá para acreditar? Enfim, como boa fã de comédias românticas, Marina já tinha traçado toda uma história de amor com esse novo rapaz da matrícula. Sua criatividade para roteiros era tamanha. Com certeza assistiria os filmes que ela produziria no futuro, uma vez formada na faculdade de cinema.

Marina: Pensando bem, Marcela, acho que tá na sua hora de viver essa história de amor, viu? O menino novo fica para você.

Marcela: Tá louca, garota? Kkkkkk. Ele nem sabe que eu existo, vocês já trocaram olhares na matrícula!

Marina: Se por trocarem olhares na matrícula você quer dizer EU ficar encarando como uma louca e ele ficar encarando a secretária com cara de SOCORRO, sim, trocamos vários olhares.

Eu ri sozinha, sem acreditar na Marina. Ela tinha um jeito tão diferente do meu que, às vezes, só queria ser um pouco mais parecida com ela. Se não tivesse tanta vergonha de falar o que eu penso e de ser quem eu sou, com certeza já teria vivido minha cota de amores fora dos livros também. Mas era tão mais fácil e tão mais seguro só sonhar acordada com aquilo que eu não poderia ter de jeito nenhum: garotos como os da literatura.

Marina disse que precisava sair para comprar seu material escolar e eu dei graças a Deus por já ter comprado o meu desde o final de dezembro. Ela me convidou para ir junto, mas eu desconversei. Sair de casa não fazia parte dos meus planos, mesmo quando nós não nos víamos há meses. Teríamos o ano inteiro para conviver diariamente. Queria viver o máximo que podia na minha paz e nos meus livros, antes do caos chamado ano do vestibular começar. A perspectiva de ter um aluno novo na minha sala me animou tanto quanto a de ter um vizinho bonito, mesmo que temporariamente. Era improvável que Daniel fosse morar com os avós – provavelmente estava só passando um período das férias. Mesmo assim, finalmente minha vida parecia digna de um romance adolescente!

Rolei na minha cama, largando o celular de lado e pronta para voltar para minha maratona literária. Minha mãe, todavia, parecia disposta a não me deixar ler nenhuma linha. Ela invadiu meu quarto e já saiu falando, antes de eu conseguir me munir da paciência necessária. Se ela me pedisse para sair de casa, seria obrigada a dizer que estava indisposta. O novo livro que eu estava lendo também estava em um momento ápice e eu não queria deixar o casal nem por alguns segundos. O mocinho nerd tinha acabado de descobrir que a menina que ele salvou de bandidos no parque era da realeza.

― Ô, Marcela ― chamou ela. A única coisa que me fez olhar para ela foi uma série de envelopes brancos que sacudia na minha direção. ― Chegou carta para você.

― Carta para mim? ― Perguntei, me esticando para pegar os papeis. ― Nunca chega carta para mim.

― Sorte sua, minha filha ― riu minha mãe. ― Quando os boletos começam a chegar, eles não param mais.

Ela saiu do quarto rindo da própria desgraça e eu me sentei na cama, me ajeitando para olhar as cartas. Elas não tinham nada além do meu nome escrito na frente do envelope e tinham sido fechadas com cola. Eram quatro envelopes. Enfiei o dedo para abrir o primeiro deles e me deparei com uma folha recortada com duas únicas palavras escritas. Elas eram "Você quer". Apenas isso. Abri o segundo envelope, bastante intrigada. Nele, outra folha rasgada, onde estava escrito "Um Admirador". Eu coloquei os papeis espalhados na cama, sem entender nada. Abri os envelopes faltantes, rasgando de qualquer maneira. Um deles tinha um papel com a palavra "Secreto" e, no outro, o papel recortado dizia "Você é". Aquilo não formava uma frase, mas algo me levava a crer que aquela era a intenção. A assinatura já estava pronta: um admirador secreto. E, pelo jeito, ele gostaria de me falar alguma coisa.

E essa agora?! Um admirador secreto?! Meu coração acelerou quando eu olhei pela janela, ponderando se poderia ser Daniel. Mas era muito improvável. Quer dizer, só tínhamos nos visto uma vez. É claro que eu tinha ficado desconcertada, mas provavelmente isso era só porque eu era uma menininha afetada pelos romances que lia. Ele deve ter me achado engraçada e sem noção, quase caindo da escada daquela forma. Eu juntei os papeis em uma gaveta e joguei fora os envelopes, cogitando se já tinha visto aquela letra antes. Se meu admirador secreto não se apresentasse até segunda-feira, precisaria fazer uma vistoria nos cadernos dos meus colegas de sala.

― Ah, filha ― minha mãe passou na frente do meu quarto, carregando uma pilha de roupa para passar. ― Sabe quem eu vi na rua hoje?

― Não faço ideia.

― O Rodrigo, filho da Martinha ― disse minha mãe.

O que meu ouvido processou, no entanto, foi "O Rodrigo, menino do KinderOvo". Martinha e minha mãe eram amigas da época de colégio e, por isso, a mãe de Rodrigo fazia tanta questão que a gente namorasse desde novinhos. É claro que ele ficou traumatizado com a situação do Kinder Ovo e passou anos me ignorando, de tanta vergonha. Nós dois continuávamos estudando na mesma sala e, nos últimos anos, voltamos a nos falar mais normalmente. Estávamos longe de ser amigos, mas parecia que o trauma do Kinder-Ovo tinha finalmente ficado para trás.

― Engraçado ele estar por aqui ― comentou minha mãe. ― Eles tinham se mudado lá para rua de trás da escola...

Meu coração destrambelhou no peito de novo. Rodrigo sabia onde eu morava. Afinal, quando éramos crianças, antes do incidente do Dia dos Namorados, Marta sempre o trazia aqui para brincarmos juntos enquanto ela e minha mãe fofocavam. Se ele tinha se mudado para o outro lado da cidade, por que é que estava passeando por minhas redondezas? Só se ele fosse meu admirador secreto! Sinceramente! Não dava para acreditar. Depois de todos esses anos ele finalmente queria aceitar meu Kinder-Ovo? Ora essa, mas ele tinha perdido direito a sua surpresa especial.

O pânico de ter que lidar com essa situação na segunda-feira me fez desejar que a escola não voltasse nunca mais – mesmo que, supostamente, nesse ano, eu tivesse o incentivo de um aluno novo bonitão para me animar.

***

Nota da autora

De olho aqui neste boy magia, e vocês?

Então continua lendo pra saber o que vai rolar!

O Mocinho dos Meus LivrosWhere stories live. Discover now