O que aconteceu?

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Aziraphale estava sentado organizando papéis em sua mesa quando ouviu uma batida na porta. Era o início da noite, a loja estava fechada e o anjo pronto para encerrar suas atividades assim que terminasse a organização. A batida desviou sua atenção dos papéis para a entrada da loja, intrigado com quem poderia ser aquela hora. Antes de ter tempo de se levantar por completo para checar do que se tratava, o homem já estava atravessando a soleira e indo em sua direção. Ele era alto, magro e tinha cabelos vermelhos. Entrou prontamente e não esperou qualquer boas vindas para começar a falar.

- A gente precisa fazer algo rápido, eu consigo sentir que eles estão vindo - disse o homem em um tom apressado enquanto caminhava na direção do anjo.

- Desculpa, mas nós nos conhecemos? - perguntou Aziraphale ficando totalmente de pé, confuso com a abordagem do outro. Notou que o homem franziu a testa ao ouvi-lo e também fez uma expressão de confusão.

- Para de brincadeira, anjo, isso não é hora - falou em tom sombrio. - Eu preciso da sua ajuda agora - disse o homem com crescente irritação na voz.

- Sinto muito, mas não sei do que você está falando - respondeu contraindo os ombros e a testa de forma a enfatizar seu alheamento.

O homem que havia parado com a primeira fala do anjo voltou a se aproximar, mais lentamente agora, chegando muito perto. Seus olhos espreitavam o rosto de Aziraphale com cuidado, à procura de algum sinal de reconhecimento por sua parte, mas sem sucesso. Então disse assustado:

- Aziraphale, o que aconteceu?

O anjo recuou ao ouvir seu nome na boca do outro. Como ele o conhecia? - Me desculpe, mas nós nos conhecemos? - disse enquanto dava um passo para trás que logo foi interrompido pela sensação da mesa encostando em suas pernas.

O ruivo piscou em descrença algumas vezes, como se a pergunta fosse a coisa mais estúpida que já ouvira.

- Sim, - disse quase aos berros - desde antes da criação desse mundo onde estamos! Eles estão vindo, já chega de graça.

Aziraphale achou irônico que o outro estivesse pedindo para um anjo não fazer graças, mas não era nisso que precisava se focar agora. Alguma coisa parecia estar perseguindo aquele homem e sua presença ali podia atrair seja lá o que fosse para a loja.

- Quem são eles? - falou enfatizando a última palavra. - Do que você está falando?

Crowley não podia acreditar na resposta do loiro. Ele estava de pé na frente do anjo que o olhava atentamente. Notou que o olhar do amigo continha curiosidade e espanto. Parecia uma brincadeira de mal gosto, ou uma maldição talvez, mas a verdade é que Aziraphale não demonstrava o menor sinal de reconhecê-lo. Respirou fundo e tentou outra abordagem.

- O que você sabe sobre o final do mundo?

Que coisa estranha de se perguntar, pensou o anjo. O Armagedom tinha sido interrompido, era o que ele sabia. E que estava pronto para não pensar mais sobre isso, só queria que esse assunto estivesse acabado. Por que algo que não aconteceu importaria agora? Estava desconfiado, mas ao mesmo tempo a ânsia no tom de voz do outro o causava simpatia, já que detestava ver o sofrimento dos outros.

- Que foi interrompido, ontem - respondeu com sinceridade, porém cautela. - Você tem envolvimento nisso de alguma forma?

- NÓS TEMOS! JUNTOS! - voltou a aumentar a voz. Será possível que o anjo não lembrava de nada? Precisava chegar ao fundo dessa história - nós passamos o dia juntos, só nos separamos quando chegamos de volta a Soho, o que aconteceu de ontem pra cá? O que aconteceu com você? - falou com urgência.

Nós? Az achou que se lembraria se tivesse companhia nos eventos dos últimos dias. Se bem que... agora que estava pensando sobre, percebeu que suas memórias estavam conturbadas, eram como borrões de imagens, sem contornos e detalhes definidos.

- Eu só lembro de voltar pra cá - disse dando de ombros. Estava ficando frustrado com a confusão mental que experimentava, não entendia porque as memórias pareciam tão embaralhadas - tenho que admitir que minha memória não está das melhores.

Não me diga, pensou o demônio sarcasticamente. Se sentiu culpado no segundo seguinte ao reparar que os olhos de Aziraphale assumiram uma expressão hesitante. O loiro se sentou de volta apoiando os cotovelos na mesa e segurando a própria cabeça nas mãos.

- Não lembra de nada que pode ter acontecido de diferente desde lá? - tentou Crowley mais uma vez, porém falando com calma agora.

- Não... - disse o anjo cansado.

Crowley se sentiu completamente perdido, não podia acreditar na má sorte que havia caído sobre ele naquele momento. Chegou na loja em busca de traçar um plano com Aziraphale que os livrasse das garras do céu e do inferno, eles não estavam nada felizes com o não apocalipse. Mas agora Aziraphale estava em um estado de alheamento, parecia não só não se lembrar dele como estar profundamente confuso e atordoado pela situação. A pressa que estava ao chegar foi substituída por preocupação e raiva. Tinha vontade de gritar, quebrar algo, mas precisava pensar, e logo. Olhou de novo para o amigo que parecia estar perdido nos próprios pensamentos. Foi então que se lembrou...

- Eu preciso da caixa - disse um pouco para si mesmo, um pouco para o anjo, e começou a passar os olhos pelo cômodo.

- Uma caixa? - disse Aziraphale saindo de seu transe e lembrando da presença do homem ali - do que você está falando?

O demônio o ignorou, estava focado em sua busca. Começou olhando ao redor, logo dando alguns passos pelo cômodo e vasculhando o espaço com os olhos. O anjo o observou em silêncio por alguns segundos, em alerta pelo novo estado de ânimo do outro. Depois de alguns segundos olhando sem sucesso, Crowley saiu apressado escada acima para continuar sua busca, atraindo a atenção do anjo que o seguiu em protestos.

- Ei, o que você está fazendo? - disse se levantando e seguindo o ruivo rapidamente. Lhe incomodava como o estranho simplesmente entrava e circulava em sua loja como se estivesse em casa.

- Procurando a caixa, preciso dela - gritou, já no segundo andar, enquanto começava a revirar as prateleiras e armários do novo cômodo.

Atitude nada bem-vinda pelo dono das coisas reviradas. Aziraphale chegou no cômodo irritado e desconfiado daquele homem mexendo em suas coisas. Decidiu que estava na hora de ser mais firme, afinal, o homem estava abusando de sua delicadeza.

- Chega! Para já com isso, você não tem direito de vir aqui e mexer assim nas minhas coisas - falou batendo um pé e apoiando as mãos na cintura.

Era quase adorável, pensou Crowley. Az não era exatamente o tipo de pessoa que impunha respeito dessa maneira, mas seguiu atento a sua busca, caminhando rapidamente ao redor das estantes e móveis e os olhando de cima a baixo.

Ignorado pelo outro que seguia procurando, o anjo prosseguiu - isso é absurdo, eu nem sei quem você é para estar vasculhando minhas coisas.

Foi então que Crowley sentiu o peso do que essas palavras significavam. Não sei quem você é. Sentiu medo de não ser lembrado por seu melhor amigo e parou a busca enquanto um misto de raiva e angústia lhe subiam o corpo. Caminhou até Aziraphale que encarou sua aproximação de olhos arregalados.

Abruptamente pegou o anjo pela gola, tão perto que seus narizes quase se tocaram, e bravejou:

- É POR ISSO QUE PRECISO DA CAIXA!!


Lost Memorie | Ineffable HusbandsNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ