Je t'adore

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Quando Laurent tornou a abrir os olhos, deparou-se com fadas.

O cortinado diáfano do baldaquim lembrou-lhe, imediata e prontamente, as asas furta-cores de uma pixie, cujas histórias ele costumava ler na Biblioteca Real por horas a fio, quando não passava de um pequeno varão usando saias, tímido enquanto caminhava com seus contos embaixo dos braços gordinhos.

Acamado em seu leito, com os cobertores de brocado cobrindo-o desde o peito – nos minutos cinzentos anteriores à alvorada – Laurent tocou, com certo assombro, o tecido de estampa ímpar, filigranada. Tratava-se da reminiscência de uma infância arruinada e que há muito ele havia deixado de lamentar.

Logo, foi com um sentimento de estranheza emergindo dos recônditos de sua mente que experimentou a textura de linhas salientes com a palma aberta, constatando o embotamento da sensação do tato, como se não estivesse tocando nada.

O pano prodigioso em torno de sua cama, ao que se lembrava – e se lembrava com perfeita exatidão – fora encomendado por um rei Aleron enlutado pela perda da mãe de seus dois filhos, a quem Laurent conhecera pouco, mas o pouco que conhecera envolvia a rainha de Vere lhe contando as histórias do folclore de sua terra natal, folclore esse cuja base eram as fadas, pequeníssimas e brilhantes mulheres aladas incumbidas de manter a graça da natureza livre das mãos humanas gananciosas e sempre prontas para encerrar o verde da vida em aço ou chamas.

Seu pai, Laurent recordava, a despeito de sua própria minguada disposição para com ele, ainda desejava que seu caçula mantivesse a amada rainha consigo de alguma forma. Hennike partira prematuramente para ele, e uma maneira que Aleron encontrou para compensar isso foi, além de lhe permitir acesso irrestrito à Biblioteca, instalar um novo cortinado para o baldaquim de sua cama, para que ele se sentisse sempre envolto no voo daqueles seres tão repletos de maravilha, tão estimados por sua mãe, creditados por ela, por um juveníssimo Laurent e até pelo próprio Aleron em alguma medida.

Aquilo fora antes de Marlas, obviamente. Antes de Laurent perder o restante de sua família mais próxima e ascender ao posto que, antes, pertencia ao irmão. Antes de ser movido do berçário para a suíte do príncipe herdeiro nas estruturas do castelo de Arles, e as fadas de Hennike sumirem para sempre.

Sim, mas o que é... O que está...

E antes ainda que pudesse se aprimorar no próprio raciocínio, antes que pudesse constatar o acúmulo de sentimento pela falta de Damianos ou a infantilidade de sua mão destra contra o cortinado, antes que pudesse constatar sobretudo a diluição, a falta de nitidez das arestas daquele mundo no qual despertara – um mundo extremamente familiar e passível de identificação, mas não certo em sua totalidade – alguém bateu alegremente à porta de seu quarto.

Um alguém que Laurent soube a identidade a priori, instintivamente, sem necessitar de nada para isso.

Não pode ser...

Mas a porta se escancarou à entrada dourada, sorridente e enérgica de Auguste, que entrou, como lhe era de praxe, sem esperar pela devida licença:

Bonjour, Laurie! — saudou seu irmão ao adentrar o cômodo com gestos expansivos e cheios de júbilo matinal, com Laurent vendo-o através da estampa exótica enquanto ele se aproximava, a mente tão inerte quanto um lago à meia-noite.

Auguste rapidamente alcançou e puxou a aba do baldaquim, rompendo, por um breve instante, a proteção preternatural das alas feéricas que o cercavam. Em seguida, também como lhe era de praxe, jogou-se com tudo no colchão aos pés de Laurent, de costas, tanto solavancando seu corpo infantil, mandando-o um tanto longe, quanto afundando no macio colchão de penas de ganso com o ato.

Antes do Palácio de VerãoWhere stories live. Discover now