Ato IV - A Verdade

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Ane não conseguia se mover. Ela sabia que estava ali e que aquilo não era um sonho. Ela estava de pé, estava consciente e respirando normalmente. Podia sentir o ar úmido do local enquanto gotículas microscópicas de agua se quebravam ao se chocar contra sua pele, era como estar em um barco no mar novamente, mas sem o sabor do sal. Ane também sentia claramente a presença daquele homem de pé ao seu lado, e sua imponencia removia dela qualquer espírito de luta que um dia pudesse ter possuido. Ela podia sentir até mesmo o calor que vinha do dragão dormindo calmamente a sua frente cada vez que ele respirava. Mas ainda assim, poucos metros a sua frente, ela via seu próprio corpo flutuando sem vida dentro de um túmulo feito de água.

- Ficar ai parada não vai trazer as respostas que está buscando Ane - A voz dele era calma e reconfortante, lembrando a ela de Rohan, mas tinha uma autoridade que ela jamais sentiu antes. Ane se virou, ficando de frente ao homem que a trouxe ali e o encarou pela primeira vez. Seus cabelos eram brancos, e reluziam como se fossem prata em estado liquido, irradiando um aura tranquila e elegante. Eles caíam pelos ombros e costas como se fossem nuvens tecidas  em fios de luz  um a um, e Ane teve que conter o ímpeto de tocá-los para ver se eram tão suaves e sedosos como aparentavam ser. Seu semblante era duro, embora o rosto fosse delicado e fino, e seus olhos eram profundos e penetrantes, brilhando como se mil estrelas estivessem ali. Ela não pôde deixar de encará-los por um tempo, enxergando neles uma sabedoria ancestral que parecia ultrapassar os limites do tempo. Era um homem alto e forte, e vestia roupas pretas, com um sobretudo em vários tons de azul.

- E vai me dizer quais são as respostas que estou buscando? - Ane quebrou o silêncio. Ela tinha perguntas é claro,  mas não sabia quem ele era ou o que estava acontecendo. Era como acordar na floresta novamente, só que agora com memórias claras do seu último ano, de quem era e do que havia acontecido. 

Sua última lembrança era de cair praticamente sem vida na arena após a brutal luta com Aisha, e depois acordar ali, seja lá onde ali pudesse ser. O homem a frente dela sorriu com a sinceridade de sua resposta, e ela sentiu que era o sorriso mais sincero que alguém já havia lhe dado na vida - Onde estamos? Quem sou eu? - ele falava de forma tranquila e despretensiosa - O que houve após a luta com Aisha ou porque seu corpo está dentro de um esquife de água? E não menos importante, porque há um dragão vigiando ele?

Ane desviou os olhos dos dele e caminhou na direção do esquife de água, parando apreensiva quando se aproximava, visto que o dragão se moveu levemente, incomodado com a presença dela. Ele abriou os olhos e a encarou, por um momento, mas ela não exitou, prosseguindo em direção ao esquife e seu corpo, e após fungar em protesto, o Dragão voltou a dormir tranquilo como se ela não estivesse ali. Ela caminhou em volta do seu próprio corpo por um tempo, enquanto o homem que a trouxe até ali se aproximou calmamente.

- Meus amigos? Minha filha? Essas são as únicas respostas que me importam - Ane tocou o esquife que reagiu ao toque dela, irradiando uma leve luz onde sua mão encostou - E o que isso quer dizer? - ela indicou o próprio corpo com os olhos.

O esquife parecia vivo e cheio de energia, porém o corpo lá dentro não. Agora que estava próxima ela podia ver claramente todas as feridas provocadas pelas batalhas que lutou dentro da Fortaleza e os cortes que Aisha fez em seu corpo, porém ao procurar os mesmos cortes em si mesma ela não encontrou nada.

- Faça a pergunta que quer fazer Ane - mais uma vez ela pôde sentir a imponencia daquele homem parado a sua frente. Ela nunca havia ficado frente a frente com alguém que mesmo sem mover um músculo sequer parecia ter um poder incomparável e absoluto, como se a simples presença dele a lembrace da grandeza e da fragilidade da vida. Sua voz era apenas calma e reconfortante, mas também profunda e cheia de autoridade, e a impressão que ela tinha a cada palavra que o homem dizia, era a de estar ouvindo os ecos de um trovão ressonando em uma montanha, porém soavam como os sussurros do vento nas árvores.

As Crônicas de Luz e Sombras - A Ascensão dos DeusesWhere stories live. Discover now