Prólogo - Katarina

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Eu estava escondida em minha pequena cabana feita de galhos secos e cobertores velhos, juntados por mim durante várias semanas.

Dentro do meu forte improvisado, havia biscoitos, uma garrafa de suco de maçã e minha boneca Hildegard, que papai me ajudara a fazer com a lã que sobrara da tosquia das ovelhas.

— Katarina? — a voz conhecida de um dos empregados do meu pai chamou. — Katarina? — repetiu.

Eu não respondi, embora tivesse ouvido desde a primeira vez. Queria acampar, como via na televisão, mesmo contra a vontade do meu pai, e fora por isso que escolhi a dedo o dia em que ele iria até a cidade comprar suprimentos, para fugir.

— Katarina! Katarina! — o tom parecia diferente, como se perdesse a calma costumeira a cada vez que meu nome era dito.

A noite caía rápido no interior da Suécia, naquela época do ano, e o vento soprava cada vez mais forte.

— É só a noite, Kat! Só a noite... — Controlei a respiração, conversando comigo mesma.

Meus olhos miravam o buraco no teto do forte, de onde uma lua incrivelmente grande, redonda e luminosa brilhava entre as copas dos pinheiros altos.

— Katarina! — o homem chamou um pouco mais longe, perdido na direção de onde eu estava.

De repente, o farfalhar de folhas secas me fez dar um pulo de susto, meu corpo pequeno tremendo instantaneamente.

— Katarina! — o som da voz sumindo.

Engoli em seco e olhei ao redor. Tudo parecia estranhamente assustador. Os sons da floresta não eram mais como eu me lembrava. O ar parecia denso.

Levantei a mão e abri a boca para pedir socorro, queria ser resgatada, mas não tive tempo.

Dentes afiados me abocanharam pelas costas, tão longos que ultrapassaram o casaco e rasparam em minha pele, fazendo-me gritar.

Meu corpo foi arrastado floresta adentro com tanta violência que fechei os olhos e me segurei em mim mesma.

Perdi o fôlego de tanto gritar, minha voz parecia cada vez mais abafada pelo interior da mata fechada. Os uivos eram altos, estridentes, sequenciais, como se uma alcateia conversasse ao meu redor.

Quando chegamos a uma clareira, fui arremessada em frente, deslizando pela terra úmida e fria. O breu havia tomado conta de tudo ao meu redor e eu só conseguia ouvir os rosnados, uma confusão de dentes e patas, o hálito de sangue e carne crua sobre mim.

Segurei os joelhos, enfiando o nariz nas coxas, meu consciente quase inconsciente clamava por ajuda, mas minhas esperanças se esvaíam a cada uivo.

Foi quando desisti que ele apareceu. Mãos conhecidas, içando-me, apertando meu corpo contra o seu na tentativa de proteção.

Abracei-o como se fosse uma tábua de salvação, esquecendo que quem viera em meu socorro era quase tão pequeno quanto eu.

— Afastem-se — grunhiu com uma ferocidade que eu nunca tinha visto em nossas brincadeiras. — Agora!

A faca de caça empunhada deixava claro que o garoto que crescera comigo não estava brincando.

Levantei o rosto. Seu maxilar estava duro, contrito, apertando os dentes como se tentasse segurar ou controlar algo dentro de si mesmo. Seu corpo tremia, mas não parecia ser medo o que tomava suas veias.

O lobo maior, o que havia me arrastado até a clareira, deu alguns passos à frente, os dentes à mostra. Parou tão perto que eu podia novamente sentir o calor do seu hálito, um pedaço do meu casaco ainda enroscado em sua boca.

"Vai ser um traidor novamente?" — ouvi no fundo dos meus pensamentos e podia jurar que as palavras haviam saído do lobo, ainda que o animal não pudesse falar.

— Vá embora! — o garoto repetiu. — Agora!

As palavras tropeçavam em sua boca, o som dos seus dentes batendo um contra o outro.

"Ou o quê?" — o lobo provocou.

— Ou terá que me matar! — grunhiu. — Eu não vou permitir que a machuque!

Os braços do garoto me colocaram para trás, assumindo meu lugar diante do terrível animal. Seu peito estufou como se ele fosse mesmo um guerreiro. Respiração entrecortada, um lamento escapando por entre seus dentes como se algo lhe esmagasse de dentro para fora.

"Não seja tolo! É muito cedo!" — o lobo advertiu, mas o garoto não parou.

Foi então que luzes clarearam a noite, redondas como faróis, dispersando os lobos que formavam um semicírculo em volta de nós.

— Katarina! — a voz do meu pai soou como um bálsamo.

— Ture, vem! — Agarrei a mão do garoto que eu amava, tentando arrastá-lo comigo para longe do animal, mas seus pés pareciam cravados no chão. — Ture! — insisti fungando as lágrimas de desespero.

Tudo que aconteceu a seguir foi como um borrão. Por mais que tente me lembrar, nada além de grunhidos, gritos, sons assustadores e uivos se organizam em meus pensamentos.

Acordei em minha cama no dia seguinte e, quando perguntei o que havia acontecido, meu pai me disse que escorreguei na encosta e me desequilibrei, rolando pela floresta até perder a consciência. Na versão dele dos fatos, Ture havia me encontrado e me resgatara para a clareira.

Por mais que eu quisesse discordar, não era capaz de juntar os fragmentos do que tinha vivido, mesmo depois de anos.

Ture não voltou para casa por longos meses. Meu pai me contou que ele havia sido aceito em uma escola longe de Uppsala e só voltaria para as férias.

Perdi meu companheiro de aventuras, a pessoa que mais amei na vida além do meu pai, e nunca entendi a razão.

Papai também mudou, afastando-me dele a cada dia, até finalmente me mandar para longe, para estudar sozinha em outro país.

Daquela noite em diante, nada mais foi o mesmo em minha vida. Nem em minha casa. O que quer que tenha realmente acontecido na floresta naquela noite, tomou a vida que eu conhecia e, quando a devolveu, não havia mais nada. Somente a solidão.

Até que Minha Alma se Quebre - A Prometida da Fera (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now