A casa

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 A casa no topo da colina já fora uma imponente construção de luxo, mas, devido às complicações do tempo, ela já estava velha. O incidente com o teto não havia impedido Edward de frequentar aquele lugar, na verdade, o homem havia gostado da nova perspectiva causada pela maior luz gerada pelo teto do atelier ter caído.

Parado ali, observando o rosto de sua esposa, se lembrou que fazia um tempo que não a via, costumavam sair todas as tardes, iam ao jardim e tomavam chá, mas a frequência desses encontros diminuiu à medida que ele começou a focar em seu trabalho. Mas estava tudo bem, sua esposa sabia que ele não gostava de ser incomodado durante o trabalho e, no findar dos casos, todo aquele esforço era para homenagear a ela e a sua filha, embora, talvez, devesse ir vê-la, ao menos para dizer que estava bem.

Balançou sua cabeça retirando os pensamentos intrusivos de sua cabeça, não poderia deixar seu trabalho ser atrapalhado. No entanto, seu foco pouco a pouco foi retirado dos quadros. Olhou para o buraco no teto as suas costas, uma chuva forte havia começado e molhava alguma parte de seu estúdio, mas como o artista e seus quadros estavam em um palanque afastado do buraco. Olhou novamente para a pintura e continuou, o rosto de sua esposa ainda não estava pronto, muito menos o de sua filha, ele já havia feito muitos daquele mesmos rostos, e, mesmo assim, não conseguia deixá-los perfeitos.

De repente, após um forte estrondo, o homem sentiu um calor ardente crescendo cada vez mais, até que, pelo canto do seu olho, observou uma chama descontrolada tomar conta de sua coleção de quadros. Virou-se, desesperado torcendo para que tudo aquilo fosse apenas uma ilusão causada pelo cansaço, mas não, a coleção de sua vida, ali, a sua frente, estava pegando fogo.

– AJUDA – O homem gritou correndo, desesperado, em direção a cozinha de sua casa.

Não houve resposta

Pegou um balde na despensa mas ao tentar tirar água da pia da cozinha, não houve nem resquício de qualquer gota de água, e assim foi na pia do banheiro, até mesmo o chuveiro parecia ter, repentinamente, parado de funcionar.

Ele já estava desesperado quando lembrou que poderia usar a água da chuva para parar o mini incêndio, mas, quando chegou ao seu atelier já era tarde, o fogo já havia se alastrado por todos os quadros e, mesmo com o homem apagando as chamas, não havia mais nada em seus quadros que pudesse lembrar as pinturas originais, talvez, se ele tivesse conseguido a água antes, tivesse dado tempo de salvar ao menos seu quadro mais recente, mas até mesmo ele havia sido consumido pelas chamas.

Ficou furioso, subiu as escadas e seguiu pelo corredor até o último quarto à direita, abrindo a porta com força.

– Eliza, o que diabos aconteceu com a água da casa? – Sabia que seu tom inquisidor assustaria a mulher, e, muito provavelmente geraria uma briga, mas ele não conseguiu se controlar. No entanto, também não obteve resposta.

Não havia ninguém no quarto. Na verdade, ao procurar bem, nem sequer havia alguém na casa. Talvez Eliza tivesse ido procurar um encanador na cidade? Ou talvez tivesse levado sua filha para o parque e ficado presa pela tempestade? Não importava, o que importava é que seu trabalho de dez anos havia sido completamente destruído em menos de dez minutos.

Sentou-se em uma cadeira da sala, finalmente, contemplando o lugar ao seu redor. Assim, percebeu que a casa estava um tanto estranha, tinha um aspecto abandonado, meio sujo, os móveis estavam com empoeirados, as janelas estavam fechadas, a geladeira estava vazia e, de algum modo, ele não havia percebido isso antes.

Ao procurar por algum sinal de vida, encontrou um pedaço de papel no chão, e, ao abaixar-se para ver do que se tratava, reconheceu um bilhete.

" Edward

Faz muito tempo que tenho pensado nisso. Na verdade já falei com você sobre, mas você não pareceu prestar atenção. Honestamente, você não presta atenção em mais nada que não se refira aos seus quadros, à ponto de que nem ao menos parece perceber o tempo passando. Nossa filha já tem oito anos e você nem se quer se dá ao trabalho de conviver com ela.

Não aguento mais conviver com o fantasma do homem que já foi meu marido. Espero que você supere essa obsessão pelos quadros, mesmo que seja ao perceber que não tem mais chegado comida em seu atelier.

Quando isso acontecer, se você se arrepender e voltar a ser você mesmo, talvez eu pense em voltar para casa, até lá, estarei em um lugar seguro.

Eliza"

A cabeça de Edward começou a doer, como se a realidade finalmente estivesse sendo mostrada para ele, ao pensar agora, fazia mesmo tempo que ele não comia. Mas, estranhamente, ele não sentiu fome em nenhum momento.

Agora, a casa estava ainda mais estranha, Edward percebeu uma quantidade exagerada de insetos perambulando pelo chão do local. A concentração deles aumentava mais e mais à medida que o homem subia novamente para o segundo andar da casa, até que, finalmente, se deparou com a porta fechada de seu atelier. A dor na sua cabeça aumentou, sentiu uma súbita sensação de mal estar, algo lhe dizia que, o que quer que estivesse atrás daquela porta, não deveria ser visto e, no fundo, ele sabia que não estava assim pela situação de seus quadros, pelo menos, não mais.

Hesitante, abriu a porta devagar. Um enxame de insetos voou em sua direção, fazendo o homem fechar os olhos e cair para trás. Quando finalmente pode abrir seus olhos, viu a cena que o apavorava para o resto da eternidade.

Havia um corpo nos escombros, já estava em decomposição e não daria para perceber quem era, se não fossem pelas roupas,  as mesmas roupas de Edward que finalmente percebeu que morrera quando o teto de sua casa caiu.

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⏰ Last updated: Feb 17 ⏰

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