CAPÍTULO I

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As pétalas de cerejeira vermelha começavam a cobrir a neve branca no chão. O som de pequenas pegadas, passavam despercebidas aos ouvidos humanos, no entanto, o mesmo não ocorria com os pequenos animais que assustados, escondiam-se entre os buracos das grandes árvores antigas com seus galhos já secos.

Não havia dificuldade em seu caminhar, assim como também não havia resquícios sequer de sua respiração, que mesmo escondida por uma máscara de Oni¹, permanecia oculta aos olhos curiosos. Seu corpo magro, envolto por um hakui² branco e um par de hibakama³ vermelho, escondia, desses mesmos olhos, um lobo sob a pele de um cordeiro.

As mãos pálidas escondiam pequenas cicatrizes e calos nas palmas, enquanto que suas unhas bem cortadas um dia antes, agora se encontravam enfaixadas por terem sido arrancadas e oferecidas para pequenos Youkais famintos.

As barreiras em volta da cidade de Kyoto estavam sendo quebradas. A proteção entre o mundo Youkai e Humano pela primeira vez em centenas de anos, desde que fora criada, estava enfraquecendo. Asami sabia que algo estava para acontecer. Ela sentia sob sua pele. A formigação, os arrepios, os sussurros dos demônios em seus ouvidos. Ela sempre soube. Assim como ela sabia que estava sendo seguida desde que saiu da pequena aldeia ao qual visitou para refazer a proteção ao qual tinha sido destruída . O cheiro de podridão e malícia sempre à sua volta, mas nunca perto o suficiente.

Inteligente, mas não o suficiente, ela pensou.

Silêncio.

Tudo estava em completo silêncio. Os olhares curiosos haviam desaparecido, e até mesmo as pétalas das cerejeiras vermelhas pararam de cair.

Asami parou.

Levando a mão direita ao cabo de sua katana, ela aguardou.

Humana. Cheiro bom, sussurrou o Youkai faminto.

Em cima, ela pensou desviando da queda do demônio dez vezes maior do que ela.

Sozinha, solitária, perdida, o demônio disse enquanto salivava.

Um Ao Oni,Asami pensou. Não havia registros de sua aparição nos últimos vinte anos, o que significava que ele havia entrado no mundo humano quando a proteção havia caído.

Morra, morra..., a voz do Ao Oni mudou. Tornando-se uma voz melodiosa e cruel.

Seu corpo azul sustentava uma cabeça maior que o próprio corpo, deixando-o curvado para frente. Suas garras encontravam-se sujas e podres. Seus olhos imensos, estavam desfocados, escuros e vazios. O Oni inspirou profundamente, levando o cheiro da sacerdotisa para dentro de suas vias respiratórias.

Estranho. Estranho. Suas garras afundaram em sua cabeça lisa. Esse cheiro, disse a criatura confusa, esse cheiro... Sangue azul começou a escorrer por entre as garras.

Asami suspirou, apertando o cabo da katana. O cheiro que todos sentiam, menos ela, era uma das fontes de desespero dos seus oponentes. Ela não sentia nada, não sabia sequer de onde tinha vindo, mas todos aqueles youkais que se atreveram a se colocar em seu caminho, enlouqueceram. O demônio de pele azul gritou, soltando mioma de seu corpo fétido. Seus dentes afiados, estavam podres e com formas estranhas agarradas entre eles. O que quer que ele tenha comido antes de começar a persegui-la, não saciou sua fome interminável.

As árvores com galhos secos começaram a apodrecer e a neve sob seus pés tornou-se de tonalidade escura, como piche. Asami puxou a katana, preparando-se para atacar aquela criatura. Os pequenos sinos presos por um traçado fio vermelho soaram, liberando pequenas partículas de poder, enquanto purificavam o ar que rodeavam a sacerdotisa. Não que o miasma lhe fizesse mal, ela nem mesmo o sentia sob a pele, mas mantê-lo por perto, era mais fácil do que dar explicações à matriarca do clã. E ela estava cansada de dar explicações.

Viagem ao Mundo OcultoWhere stories live. Discover now