Capítulo 1 - A Vingança do milk shake

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Você já se perguntou por que você veio ao mundo? Qual a razão da sua existência? A sua missão de vida na terra?

Eu já.

Todos os dias, desde que completei vinte e dois anos, esse questionamento ronda a minha cabeça, e quanto mais eu penso nisso, mais eu chego a conclusão de que a minha única missão de vida aqui na terra é pagar mico.

Sério, acho que toda a semana eu pago um mico diferente.

— Julia, você está bem? — Driquinha está me encarando com aquele olhar característico dela de quem quer muito dar uma risada. Ela só não riu ainda porque tem medo de que meus pais a demitam.

— Eu estou ótima. — Levanto-me com raiva, enquanto recolho a bandeja e os copos do chão. Eu havia escorregado como uma banana podre, e a bandeja com os copos de milk shake que eu levava foram comigo, sujando-me toda.

Nem o calor de 40 graus do Rio de Janeiro ajudou a aplacar o nervoso que eu senti quando o líquido extremamente gelado do milk shake atingiu a minha barriga.

— Deixa que eu te ajudo. — Driquinha pega o outro copo que havia caído enquanto eu ouço a risada dos clientes da lanchonete atrás de mim. Para o meu azar, a lanchonete está bem cheia. Me viro de volta para o balcão, sabendo que vou levar bronca por ter jogado fora aqueles milk shakes. — Ela vai trazer outro para vocês! — avisa aos clientes que haviam sido prejudicados pela minha queda.

— Você tem um grande desentendimento com a gravidade, Juzinha. — A voz de Henrique se faz presente atrás de mim. Paro na mesma hora e fecho os olhos, pedindo aos céus por paciência. Me viro com a irritação já correndo pelas minhas veias.

— E você tem um desentendimento com essas espinhas. — Henrique diminui o sorriso vitorioso com a minha alfinetada. — Acho melhor correr para a dermatologista.

— Para a sua informação, é uma espinha só. Estou estressado com o trabalho, mas isso não é da sua conta.

Henrique e eu somos inimigos desde o nono ano, mais especificamente quando fui fazer uma audição para entrar em uma escola de dança. Eu sempre amei dançar, mas meus pais não queriam pagar pelas aulas, então eu os convenci de que iria conseguir uma bolsa para aprender ballet.

Henrique fazia alguns bicos como fotógrafo para juntar dinheiro para montar um computador gamer naquela época. Ele é um ano mais velho do que eu, e apesar de despreza-lo, sempre o achei um cara muito esforçado. Nós sempre estudamos juntos, o que quer dizer que nos conhecemos praticamente a vida inteira.

No dia da audição, Henrique fora chamado para fazer fotos desse evento. Na hora da minha apresentação, eu levei um tombo feio e rasguei a calça. Ele tirou uma foto minha de bunda e pernas para o ar e mandou para a escola inteira.

Desde então, eu o desprezo.

— O que você quer? — pergunto com impaciência.

— O milk shake que você derrubou. — reviro os olhos, irritada.

— Já vou trazer, só um minuto.

O deixo falando sozinho e vou para a cozinha da lanchonete pedir para o pessoal refazer o pedido da mesa de Henrique, torcendo para que meus pais não tenham visto meu tombo e o prejuízo que causei. Tento limpar a blusa suja, praguejando todas as gerações de Henrique.

— Deixa que eu limpo o salão, vai pegar o milk shake do seu namorado. — Olho feio para Driquinha, que já segura uma vassoura e um balde na mão.

— Ele não é meu namorado!

— Correção, ele ainda não é seu namorado. Vocês estão nesse pé de guerra desde o nono ano, tenho certeza de que esse ódio todo aí tem outro nome.

Meu EnganoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora