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.Nicole.

Eu não suportava aquele garoto.

Tudo bem que eu estava no bar assistindo Travis King jogar dardos, mas a culpa não era minha. Ele tinha escolhido o alvo que estava bem na minha frente, eu não ia mudar de lugar. Ele que escolhesse outro alvo ou fosse para casa. Eu não ia me mover.

Fazia pouco tempo que Travis tinha sido transferido para o time de hóquei da nossa universidade, sendo a promessa do Blue Ravens para a próxima temporada. Travis jogava no ataque e desde que ele havia entrado para o time, o Blue Ravens tinha ganhado 90% dos jogos. Ele era um milagre e a faculdade inteira estava encantada com Travis King. Todo mundo acreditava que ele ia ser nossa arma secreta contra o Red Serpents, que era o atual campeão nacional há 3 temporadas. O pessoal da nossa faculdade estava confiante no talento de King e mal podia esperar para o início da temporada, que era dali a algumas semanas. De acordo com todo mundo naquele bar, o goleiro do Red Serpents, que era o melhor jogador do outro time, não ia conseguir parar o grande e poderoso Travis King.

O problema era que o goleiro do Red Serpents era ninguém mais, ninguém menos que meu irmão gêmeo, Vincent Martinez.

Vincent e Travis já tinham jogado juntos algumas vezes e em todas elas, os dois terminaram as partidas se batendo. Todas. As. Vezes. O desentendimento começava no gelo e terminava em briga no estacionamento do estádio. Eu evitava ver as brigas, porque sentia meu sangue ferver sempre que alguém tentava crescer em cima do meu irmão. Vincent era o meu herói e qualquer rival dele era meu rival também.

— Amiga, sei que não é hora de fazer um comentário desses — começou Francis, que era meu melhor amigo desde os tempos de escola e agora dividia um apartamento comigo —, mas por que Travis King tem que ser tão gato, hein? — questionou ele, que fingia odiar Travis comigo.

No entanto, era tudo teatro. Francis era membro do extenso fã clube de Travis e vivia stalkeando ele nas redes sociais, curtindo as fotos e me mostrando as que ele tirava sem camisa.

— O inimigo sempre vem lindo, Fran — falei, mexendo meu drinque verde. — Se ele viesse feio, a gente fugia dele — expliquei, tomando mais um gole e olhando para Travis —, mas não. Ele vem alto, tatuado e de olhos verdes.

— O inimigo exagerou dessa vez, então — retrucou Francis, que estava sentado ao meu lado no bar. — Ele podia pelo menos se vestir mal, né? Que merda, Nicky...

Francis não estava errado. Era uma merda ter que odiar um cara como Travis. Ele não era só bom jogador, mas era também um cara muito bonito, o que era uma covardia da vida. Eu não gostava dele, mas também não era cega. Sabia que ele tinha um rosto bem desenhado, com o maxilar definido e as bochechas altas. Sabia que ele tinha olhos verdes intensos, que só ficavam simpáticos quando ele sorria. E eu também sabia que ele tinha cabelos claros e ondulados que pareciam estar sempre bagunçados. Isso porque não vou mencionar o corpo atlético que dava para ele uma velocidade fenomenal no gelo, e os braços definidos que batiam no disco com força. Eu sabia disso tudo. Eu via isso tudo e entendia a histeria das pessoas.

Mas Travis não era um cara legal, e eu podia provar! Era só perguntar para o meu irmão...

Naquela noite, por exemplo, ele estava especialmente gato. Com uma calça jeans clara, Travis estava usando uma blusa azul tão justa que permitia qualquer pessoa naquele bar imaginar o V que se formava na cintura dele. Era patético e com certeza, ele fazia para chamar atenção.

A minha, pelo menos, ele chamava.

Após analisar os tênis claros dele, subi os olhos e vi que Travis também estava me olhando. Ele tinha parado de jogar os dardos, enquanto os amigos dele conversavam e estava com os olhos em mim, claramente percebendo que eu o observava.

Fechei a cara, vendo-o perguntar "o quê?" de longe, com uma expressão irritada, me pegando no pulo enquanto eu o admirava. Mas eu não ia deixar barato. Nada disso! Nossa guerra era fria, cheia de olhares feios pela faculdade e, de vez em quando, eu me dava ao trabalho de esbarrar nele sem pedir desculpa. Travis era meu inimigo por tabela e sabia disso. Eu e Vincent éramos idênticos, com os mesmos cabelos ondulados e olhos castanhos, apesar de agora mantê-los curtos, quase raspados. Travis sabia quem eu era e, apesar de nunca ter falado comigo, eu sabia que ele não gostava de mim também.

Assim que ele me pegou admirando-o, fiz questão de dar o dedo para ele e revirar os olhos, virando meu corpo para Francis e fingindo conversar. Vi meu amigo segurar a risada, fixando os olhos dele em mim e fingindo junto comigo.

— Que saco, hein? Antes de você olhar, era ele que estava olhando — falou Francis, bebendo o resto do drinque. — Sem sacanagem, posso abrir meu coração? Acho que toda essa raiva sem sentido um dia vai virar uma noite de sexo muito louca, com puxão de cabelo e tapa na bunda.

— Porra, Francis! — repreendi-o, engasgando com a saliva. — Tá maluco? — perguntei, virando meu celular para ele. — Meu coração tá aqui — garanti, acendendo a tela para que ele visse minha foto com Vincent.

Aquela era uma das poucas fotos que tínhamos da nossa infância, que havia sido uma merda. Eu e Vince crescemos só com o nosso pai, já que nossa mãe morreu alguns dias após o parto, e contamos os dias até termos idade (e dinheiro) suficiente para sair de casa. Vincent sempre disse que jogava por nós dois, e eu amava meu irmão com todo o meu coração.

Saber que Travis King gostava de bater nele, me deixava furiosa.

Cruzei as pernas e pedi mais um drinque para o garçom, pegando minha bolsa e reforçando meu batom vermelho. Eu gostava de parecer segura e confiante, mas minha cara de criança não me ajudava. Por isso, eu sempre recorria ao meu batom vermelho e a um coque alto para me fazer parecer mais velha.

Repassei meu batom com a ajuda de um espelho e esfreguei meus lábios, logo vendo que Travis olhava para mim.

Por que ele não me deixava em paz também? Por que tinha que ficar me olhando? Por que não focava nos amiguinhos dele?

— O quê, caralho? — Fiz com a boca, guardando meu batom e olhando-o com raiva.

Travis deu um leve sorriso, mas os olhos dele continuavam intensos e revoltados. Antes que eu pudesse desviar o olhar, ele deu o dedo para mim e virou de costas, pegando mais alguns dardos e voltando a arremessá-los perfeitamente.

Filho da puta.

Francis começou a conversar com o garoto que estava ao lado dele, e peguei meu telefone, desviando totalmente o meu olhar de Travis. Eu não ia ficar olhando para aquele idiota. Não mesmo. Eu tinha mais o que fazer.

Vi quando uma garota perto de mim o aplaudiu, gritando o nome dele e se empolgando com o jogo de dardos. Olhei para o alvo e vi que ele tinha acertado bem no centro, ganhando o jogo.

— Joga muito! — falou a garota ao meu lado, puxando o decote mais para baixo. Ela olhou para mim e deu um sorriso sem graça, mexendo nos cabelos ruivos. — Sem querer te ofender, mas aposto que ele pensou no seu irmão quando jogou esse último dardo — disse ela, voltando a olhar pra ele. — Aposto que imaginou que era a cabeça dele.

— Cala a boca, sua escrota — devolvi, me levantando e pegando minha bolsa. — Fran, tô indo pra casa.

Eu não queria estragar a noite do meu amigo, então resolvi ir embora sozinha. Já tinha sido o suficiente para mim. De drinques, de bar, de Travis.

Eu não ia ficar ali, me irritando de graça.

Travis King ia ser meu inimigo para sempre.

Não tinha conserto.

Eu estava no time de Vincent.

Nem Tão Inimigos Assim (DEGUSTAÇÃO)Tahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon