A boy in the dark

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                                                                      15 anos antes

Está escuro. Já é hora de dormir, mas não consigo pegar no sono de novo depois que acordei com os latidos do cachorro da vizinha. Ele nunca late tão tarde, e mamãe já me deu o beijo de boa noite há muito tempo. Está quente aqui. Meu quarto nunca fica tão quente assim, nem mesmo no verão... Será que Jamie também está acordada? Acho que estou com febre. Estou suando muito e tem um cheiro estranho... 

Salto da cama e abro a porta, querendo ir até o quarto de minha irmã para ela poder me dar aquele remédio colorido de frutas que tomo quando estou quente. Jamie sempre sabe o que é melhor para mim, porque ela cuida de mim quando nossos pais não estão. 

Mas tem alguma coisa estranha aqui. Não consigo enxergar muita coisa depois do final do corredor, onde a sala começa. Meus olhos ardem e meus pulmões doem muito, preciso sair de perto daqui. Corro para as portas dos fundos e vejo que estão abertas, e começo a gritar por Jamie e meus pais, mas ninguém responde. Quando viro para trás, vejo minha casa soltando fumaça. Muita fumaça. 

A vizinha velhinha que não sei o nome começa a gritar por mim, me pedindo para sair de perto da casa, e logo muita gente aparece na calçada. Não entendo o que está acontecendo direito, só sei que Jamie não está aqui para me dizer o que fazer, nem mesmo vejo mamãe ou papai. Acho que ainda estão dormindo. Mas como conseguem, com aquele calor e cheiro horrível?

- Graham! Venha para cá! Saia de perto do fogo! - O sr. Elliot chama por mim.

Eu gosto dele, sempre me ensina a jogar futebol americano nos verões. Mas ele deve estar enganado. Não tem fogo, é minha casa...

- Jamie não está aqui! - Grito de volta. 

Decido procurar por papai. Ele sempre sabe o que fazer, então pode vir aqui e explicar para todas essas pessoas que não tem perigo, é só uma fumaça estranha. Talvez mamãe tenha usado aquele secador barulhento e quebrado de novo, por isso tem tanta fumaça. Antes que eu consiga me aproximar de casa, alguém puxa meu braço e me pega no colo. Vejo que é sr. Elliot de novo e agora ele corre comigo até a calçada do outro lado da rua, onde várias pessoas me perguntam se estou bem. 

- Onde eles estão, Elliot? - Pergunto, mas ele não me responde.

Ouço um caminhão barulhento de bombeiros chegar e fico animado. Gosto de bombeiros. Eles são como super-heróis, então podem me dizer onde meus pais e minha irmã se esconderam da fumaça. Talvez eles tenham pensado que era um jogo de esconder, mas só eu estava procurando. 

- Foi a fiação? 

- Acho que sim, a casa é muito velha.

- Pobres Walker...

- Ei, eu sou um Walker! - Digo, bravo. - Nós adoramos nossa casa. Não é velha, é estilosa. Espere só mamãe ouvir o que você disse.

Sr. Elliot se ajoelha diante de mim e percebo que ele também está de pijama, assim como eu. Mas o dele é sem graça, enquanto o meu tem vários dinossauros.

- Escute, Graham. - Ele parece muito sério, como um adulto de verdade. - Se lembra daqueles filmes de heróis que você gosta? 

Faço que sim.

- Você vê como eles são fortes? São corajosos, não é? 

- Claro que são.

- Então. Eu preciso que você também seja, tudo bem? 

- Eu já sou, Sr. Elliot! - Tento ver minha casa, para ver se Jamie e meus pais já cansaram de brincar. - Mas cadê eles?

- Olhe para mim, Graham. 

Não consigo mais olhar para minha casa, porque tem muita gente na frente e o caminhão dos bombeiros também. Acho que estavam jogando água na minha casa! Mamãe vai ficar muito brava com eles. 

Tento novamente me esgueirar, mas paro quando vejo os bombeiros saindo. Eles tem uma cama? Alguém quer dormir agora, no meio do meu quintal? 

- Graham. 

- Não, acho que eles estão saindo! - Sorrio. 

Não gostei muito dessa brincadeira, mas quero ver minha família logo. Sr. Elliot tenta me segurar de novo, mas eu preciso ver quem foi encontrado primeiro. Aposto que foi Jamie, ela nunca fica parada no esconderijo por muito tempo. E papai sempre ganha. 

Os bombeiros puxam a cama de volta, mas tem alguma coisa debaixo do saco preto que não consigo ver. Meu coração começa a bater mais forte. 

- Ali! - Digo e aponto.

Sr. Elliot me abraça, mas não entendo o motivo. Minha família estava ali, naquele saco feio? Quem colocou eles ali? Jamie não gosta de lugares apertados. Precisam tirar ela de lá.

- A Jamie precisa sair dali, Sr. Elliot! Ela não gosta de lugares apertados. 

- Graham, ela não está mais ali. 

- Está, sim. A mão dela está aparecendo, olhe! Aquela pulseira fui eu quem deu pra ela! Por que ela... por que ela não está acordada?

Sr. Elliot não tem uma resposta para mim. Ele apenas me olha, até que uma moça dos bombeiros vem até mim e me pede para subir nos fundos daquela ambulância, mas eu não quero. Jamie nunca me deixa sozinho quando tenho medo. Ela está com medo? Posso segurar a mão dela. A moça é boazinha comigo e me pega no colo. Ela coloca uma máscara engraçada no meu rosto e sinto um arzinho sair dali. Ela começa a mexer em mim, vendo se estou bem, acho. Sr. Elliot fica ao meu lado e conversa com os bombeiros. 

Vejo mais duas macas vindo e estico o pescoço. Meus pais também quiseram dormir aqui fora? Deve estar muito quente naqueles sacos, por que não saem dali? 

Não sei quanto tempo ficamos ali fora, mas ninguém se mexeu. Nem Jamie, nem meus pais. Estou começando a ficar preocupado, mas a moça boazinha disse que preciso ser forte e paciente. Mas por que? 

Sou levado para a casa de tia Nellie naquela noite, mas não sei porque vim sozinho. Não gosto dela. Ela é muito velha e mal-humorada, nunca gostou quando Jamie e eu a víamos. Não consegui dormir no sofá duro, mas assim que a manhã chegou, tia Nellie apareceu na sala com roupas pretas.

- Vamos, garoto. 

- Para onde? Não temos que esperar mamãe chegar? - Me sento no sofá. 

- Ela não vai voltar, Graham. Cresça. 





Levei anos para entender o que de fato aconteceu naquela noite. Passei noites em claro me perguntando como só eu pude acordar. Como eles podiam ter dormido tão pesado, naqueles quartos escuros e tão próximos de onde o fogo começou... 

Só eu tinha sobrado. Só eu consegui sair. 

Sozinho. Por anos. E assim é como tem que ser.

A hope like youWhere stories live. Discover now