No box da banheira, há cabelos no ralo, e eu encolho os dedos dos pés com nojo enquanto tomo um banho rápido, muito mais rápido do que teria gostado. É um alívio vestir a roupa extra que trouxe na mochila, limpa e sequinha, e sair do cubículo vaporizado.

Levi entra depois de mim carregando uma muda de roupa emprestada.

— Não acredito que vou usar as roupas de outro cara.

— Eu falei pra você trazer uma mochila.

Volto para a sala, onde penduro o vestido molhado num suporte de ferro colado na parede. Depois, removo as coisas de cima do sofá para um canto, a fim de liberar espaço, e fico esperando os meninos, que voltam cinco minutos depois. Levi está muito engraçado vestindo essas roupas do planeta Terra, parece um jovem de caráter duvidoso.

— Dá pra parar de rir?

— Não estou rindo — respondo com o resquício de um sorriso.

— Estão com fome? — Astra coloca uma panela no centro da mesa e começa a retirar a bagunça de cima do móvel. Ele joga tudo no espaço que eu havia liberado do sofá. — Podemos conversar enquanto comem.

— Está envenenada, por acaso? — Levi cheira a panela.

— Acho que começamos com o pé esquerdo. — Astra sorri como um vendedor. — Vamos tentar de novo. Eu posso começar.

Ele se senta na ponta da mesa. Decido que não vou questionar o método ou o lugar onde essa comida foi preparada, pelo bem do meu estômago, que arde de fome. Então apenas me sirvo e faço uma oração mental antes de comer, pedindo para os Fundadores abençoarem a refeição e para não haver nenhuma dor de barriga depois. Levi também se senta com um prato enorme de macarronada diante de si.

— É o seguinte: eu faço parte de uma célula que acredita que alguns contos de fadas e mitologias são mais do que meros mitos. Nós reunimos pistas, provas, qualquer informação que conseguimos achar. O grupo é secreto e trabalha em extremo sigilo, não queremos que o governo faça com essas pobres criaturas o mesmo que eles fizeram com os alienígenas que já visitaram a Terra.

Eu mastigo de cenho franzido, e não é porque a macarronada está ruim. O raciocínio desse cara é difícil de acompanhar. O que alienígenas e contos de fadas têm a ver com a gente? Levi também não deve estar demonstrando uma boa reação, porque Astra se levanta e começa a caminhar pela sala.

— O que eu quero dizer é que esse grupo, Defensores do Folclore, foi fundado por James Barrie. O dramaturgo que falei lá no carro.

Ahhhh — Levi e eu dizemos ao mesmo tempo, sem muita convicção.

— Não percebem? — Astra arregala os olhos, empolgado. — Eu disse que Barrie não conheceu Peter Pan, e é verdade, mas ele conheceu outra pessoa que veio da Terra do Nunca: o capitão Gancho.

Nego com a cabeça.

— Peter Pan e capitão Gancho vieram para a Terra juntos, não teria como conhecer um sem ver o outro. Na verdade, Michael nem era capitão Gancho naquela época. Esse título nem sequer existia.

— Mas isso aconteceu há pouco mais de cento e cinquenta anos — Astra insiste.

— Então você está mentindo. — Cruzo as mãos diante do rosto. — Peter Pan e Michael vieram pra Terra há mais de seiscentos anos, quando o nosso Império...

Paro no meio da frase porque lá está aquele sorriso maquiavélico de novo.

— O que tem a dizer sobre isso, capitão?

Levi engole a comida antes de responder.

— Você está dizendo que o dramaturgo conheceu um capitão Gancho, não o primeiro.

Se Pudesse Ver as EstrelasWhere stories live. Discover now