Sob os olhos vigilantes da águia dourada, tento torcer um pouco do vestido, enquanto Levi verifica a garrafinha com o Jolly Roger no bolso de sua capa e depois tira água dos ouvidos. Quando percebo que não vou conseguir me secar, guardo o portal dentro da mochila, desfaço o nó da corda e me abraço para conter algum calor. Levi afasta os cachos molhados do rosto e coloca a mão e o gancho na cintura.

— E agora?

— Eu não faço ideia. — Suspiro uma risada nervosa.

Só queria uma roupa seca e quentinha, estou tremendo mais do que bandeira em dia de vendaval.

— Vamos tentar a rua? — Levi espia atrás da coluna de pedra.

— Pode ser.

Ajusto a mochila nas costas e sigo atrás dele. Porém, a gente mal consegue pular a grade que nos separa da calçada, e uma pontada de dor me atinge na têmpora. Eu me encolho, gemendo, e preciso ficar com a mão na cabeça e os olhos fechados por um instante, até a dor diminuir um pouco. Abro um único olho e vejo que Levi também está grunhindo com a mão na cabeça.

— O que foi isso? — pergunto.

— Você também sentiu? — Ele passa um braço ao redor da barriga. — Acho que vou vomitar.

Levi se debruça sobre a amurada enquanto eu cambaleio até um banco próximo. Meu ouvido está zumbindo, o estômago arde, e a cabeça dói como se estivesse recebendo agulhadas. Deixo meu corpo cair sentado no banco e fico com as mãos pressionadas sobre o crânio. Em algum momento, Levi se senta ao meu lado, mas tudo o que eu consigo fazer é me concentrar para não vomitar também.

Aos poucos, o enjoo, o zumbido e a dor de cabeça diminuem até restar apenas um mosquitinho na minha orelha direita e um latejar na nuca. Olho para o lado, onde Levi está com a cabeça afundada entre os joelhos.

— Melhorou? — Passo uma mão nas costas dele.

— Um pouco, sim — resmunga com a voz abafada.

— Isso foi estranho.

Levi ergue a cabeça e arruma o cabelo molhado com a mão.

— Espero sinceramente que seja só um sintoma passageiro. Como se, não sei, os nossos corpos estivessem se adaptando ao novo planeta.

Anuo sem falar nada, observando melhor a roda-gigante do outro lado do rio, a forma como a luz azul se projeta na água e os prédios a nos cercar. Fecho os punhos com força, uma tentativa de não permitir que o medo cresça dentro de mim.

— Temos um problema — digo com a voz sombria. — Essa não é a cidade da minha mãe.

Levi demora um segundo a mais para responder.

— É, eu percebi.

— Pensei que o portal me levaria direto para ela.

— Talvez, por estar quebrado, ele tenha errado a cidade? — Meus músculos se tensionam com o comentário, e Levi acrescenta: — Ou talvez tenha sido porque eu atravessei junto.

— Talvez.

Não quero fazer a próxima pergunta porque sei muito bem que nenhum de nós tem a resposta, então viro a cabeça para o lado oposto ao dele. Ao abaixar a vista, noto um cartaz jogado no chão, próximo ao nosso banco. A luz do poste recai sobre o papel, e meus braços se arrepiam quando me dou conta do que se trata. Me inclino para alcançá-lo.

— O que é isso? — Levi pergunta atrás de mim.

Peter Pan, uma comemoração aos 124 anos da estreia!, diz o slogan. A imagem é de crianças voando diante de um relógio no céu noturno, muito semelhante àquela que vi no livro proibido alguns anos atrás.

— C-como? D-digo... — Tento formular uma pergunta.

Viro para trás e meus olhos encontram os dele. Levi está sério e parece tão assustado quanto eu. A gente se encara em silêncio por um segundo.

— Booooa noite, senhoras e senhores! — Uma voz trôpega nos faz virar a cabeça.

O homem segura uma garrafa e aponta para o cartaz em minha mão.

— Piratas turistas em busca de Peter Pan?

— Você o conhece? — Levi pergunta.

O homem soluça.

— Claro! Quem não?

— O que você sabe sobre ele? — Franzo as sobrancelhas.

— Vocês querem... hã, eu posso levá-los até ele.

Levi e eu nos entreolhamos.

— Sim — respondo. — Por favor, nos leve até Peter Pan.

Não sei aonde esse cara pensa que vai nos levar, mas talvez a gente encontre alguma pista sobre o que as pessoas daqui conhecem a respeito da Terra do Nunca; com sorte, talvez eu até descubra por que viemos parar nessa cidade, e não onde mamãe mora. Porém, a gente mal se levanta do banco, e o moço já está lá na frente.

— O metrô vai fechar! — ele grita sem olhar para trás.

O homem ésurpreendentemente veloz para uma pessoa que parece ter engolido um barril derum. Levi segura minha mão, e nós começamos a correr.

Se Pudesse Ver as EstrelasWhere stories live. Discover now