Único

17 0 0
                                    

Existem universos, centenas, milhares deles, todos paralelos uns aos outros, cheios de pessoas que permanecem alheias, ignorantes a existência de outros universos que não sejam os seus. Elas provavelmente estão melhores assim, sem saber de nada, essa maioria e provavelmente devem permanecer assim. Também há pessoas como eu nos universos, pessoas que não apenas sabem da existência de infinitas realidades e mundo, mas que podem transitar entre eles. Eu vi incontáveis mundos, alguns onde as pessoas tem o poder de dominar os elementos, outros onde podem falar com suas mentes, outros onde a alma das pessoas está do lado de fora de seu corpo na forma de uma representação animal, outros onde as almas estão presas dentro de seus corpo e ainda outros onde as almas de duas pessoas estão enlaçadas pela eternidade. Mundos dominados por ditadores e conquistadores cruéis, outros onde a magia é real, e mais outros onde tudo é utopia. Parece um lindo dom algo que permite ver tudo isso, não é verdade? Seria… se eu pudesse controlar.

— Maldição! Inferno!

Meu nome é Hamlet, eu sei, é um nome incomum, mas minha mãe gostava de Shakespeare e não posso culpá-la por escolher esse nome, no fim é melhor do que se eu me chamasse Romeu. Não tenho nada contra quem se chama Romeu, na verdade é até um nome bonito, mas não acho que seria um bom nome para um cara negro de um metro e oitenta com uma expressão mal humorada quase perpetuamente congelada no rosto.

Eu sempre tive uma vida comum, mas nasci em Gori, um mundo não muito pacífico para uma pessoa como eu negro e gay. Órfão de pai, criado por uma boa mãe e um padrasto que sempre quis que eu sumisse, e uma tarde quando eu tinha dezessete anos eu sumi.

Eu nunca soube que tinha esses poderes sabe, antes da tarde fatídica eu era apenas um garoto comum, vivendo uma vida comum, eu ia pra escola, cabulava aula de matemática, dormia nas de história, comparecia aos treinos de basquete só pra olhar um garoto bonito do terceiro ano que eu achava lindo, mas nunca chegaria perto dele, porque como todo mundo na droga do meu planeta ele também é um homofóbico de merda e tinha uma alma gêmea que com certeza não era eu, mas uma branca baixinha de cabelos ruivos perfeita para combinar com sua beleza plástica. Quer dizer, o meu eu de agora pensa assim, o daquela época só conseguia olhar para sua marca das almas gêmeas em seu pulso e pensar que tinha nascido no planeta errado ou talvez sua alma gêmea nunca encontrada e que o tivesse. Aquele Hamlet de dezesseis anos não fazia ideia de como estava certo.

No meu planeta de origem todos têm uma alma gêmea ligada a si no momento do nascimento, duas pessoas que carregam o mesmo relógio marcado profundamente em suas peles, carne e ossos. Você pode chamar o relógio de tatuagem se quiser, mas na verdade é uma marca de nascença que dura para a eternidade, mesmo depois da morte. Eu sempre disse para mim mesmo que nunca encontraria minha alma gêmea, apesar do cronômetro continuar contando e a quantidade de zeros estar aumentando, eu sempre dizia para mim mesmo que o relógio só pararia uma noite enquanto eu dormia, mas nunca aconteceu.

Naquela tarde eu estava voltando do colégio ouvindo música distraidamente, não vi o caminhão acelerado vindo em minha direção, não havia tempo para fazer nada, lembro de ter pensado em minha mãe e de pensar que eu ia morrer e então luzes fortes tomaram minha visão e quase pude sentir o caminhão colidir contra meu corpo, mas era mais como se ele estivesse passando através de mim, achei que era um delírio causado pela dor. Cai, mas não contra o asfalto como deveria, contra a areia fofa de uma praia deserta.

Por um instante fiquei aliviado por estar totalmente bem depois de um acidente como aquele, mas então o alívio se tornou medo quando percebi que não estava na rua, nem em nenhum lugar que conhecia. Conforme as horas passaram o medo se tornou  desespero por não voltar para casa quando a noite caiu. Eu nunca mais olhei para o relógio depois daquela tarde.

No dia seguinte acordei num deserto, no outro em uma floresta de árvores cor de rosa, no outro em uma vasta planície repleta de gêiseres. Conforme os dias passaram o desespero se tornou pânico, angústia, terror quando percebi que talvez eu nunca voltasse para casa. Vieram mundos escuros, mundos claros, a saudade apertava meu peito, mundos desertos, mundos habitados por seres as vezes pacíficos, as vezes sociáveis, as vezes cruéis, e houve vezes que eu só queria que tudo acabasse, estar de volta em minha casa e abraçar minha mãe, dizer que eu tinha voltado, que a amava. Mas cada novo universo nunca era o meu, minha mãe nunca estava lá. Foram cinco anos desse inferno até chegar ao presente momento, nesse planeta dolorosamente parecido com o meu, quando finalmente meu coração não aguentou e eu caí de joelhos gritando como se minha vida dependesse disso.

Depois do Universo Onde histórias criam vida. Descubra agora