CAPÍTULO III

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"Machucar alguém é como jogar uma pedra no oceano, você nunca saberá o quão fundo a pedra foi

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"Machucar alguém é como jogar uma pedra no oceano, você nunca saberá o quão fundo a pedra foi."— D. Peregrine

Não me lembro da ultima vez que meu pai e eu ficamos sozinhos, sempre havia alguém por perto e que nunca ofereceu aquela liberdade que jamais tive e o sossego de ter um momento de Pai e Filha que sempre sonhei. Era lei, todo membro da realeza tinha um Cavaleiro de sangue e em breve eu teria o meu -e pensar nisso me apavorava.

Bem a frente Elara Thorn caminhava com a mão sob a espada, atenta a qualquer movimento e possivelmente a nossa conversa também. Elara tinha quase a mesma idade do meu pai, de rosto redondo, lábios largos, cabelos dourados e de olhos penetrantes. Usava o uniforme padrão dos cavaleiros, roupas de couro, com o brasão real nas costas, ela era alta e musculosa -porém feminina, apesar dos anos de treinamento na academia.

Ela usava uma longa espada amarrada na cintura, um presente dado por seu mestre e uma pedra de safira acima do coração do tamanho de uma moeda, para canalizar magia. Cavaleiros que usavam pedras mágicas eram poderosos e letais, as pedras forjadas com o poder bruto de seus mestres davam aos Cavaleiros a última peça para se tornarem armas vivas -o que transformava Elara em uma arma ambulante de poder e músculos.

No corredor a pintura de antigos monarcas decoravam as paredes até chegar na sala que dava no escritório pessoal do meu pai, mas por algum motivo não chegamos lá. Caminhávamos devagar e como sempre, fiquei dois passos atrás, de cabeça baixa e mãos cruzadas à frente da barriga, um sinal de respeito que aprendi desde pequena nas aulas de etiqueta. Era nossa cultura. No entanto, Carina enxergava isso como um típico sinal de submissão. Essas eram as regras e costumavam punir aqueles que as quebravam.

- De todos, porque ele? -Dominic perguntou de repente.

Hesitei em falar por alguns segundos esperando que alguém nos interrompesse, qualquer um, mas por algum motivo ninguém apareceu para me salvar daquela conversa. Não podia falar os motivos que me levaram a fazer essa escolha tão desesperada, não podia dizer a verdade. Simplesmente não podia. Mesmo se meu pai entendesse, ou se conseguisse um tempo para saber a razão que levei a isso, ele não conseguiria me compreender nem se tentasse. Ele me obrigou a fazer essa escolha e parte de mim o odiava por isso.

- Eu tenho meus motivos -foi tudo o que consegui dizer.

Dominic me olhou por cima do ombro sem virar o corpo. Um olhar frio e autoritário, o tipo de olhar que não gostava de ser desafiado - o mesmo olhar que costumava julgar as pessoas, especialmente as péssimas escolhas dos filhos e puni-los da maneira correta depois. O encarei de volta, sem abaixar o olhar, sem desviar apesar do desconforto e a tensão presente e finalmente ele se virou, obrigando meus pés a frear bruscamente antes que nossos corpos se chocassem.

Pisquei uma, duas vezes e trinquei o maxilar, Dominic suspirou pesadamente, fechando os olhos com força. Ele odiava aquela maldita semelhança, tudo em mim o fazia lembrar da mulher que perdeu. A aparência, a personalidade gentil, mesclada com determinação e migalhas de coragem estavam ali, ele podia ver uma parte de Diana que vivia em mim que jamais morreria, mas a audácia daqueles olhos gélidos vieram dele.

Dominic relaxou os ombros, como se algo dentro daquele coração frio milagrosamente se derretesse quando procurou o famoso traço da minha mãe quando disse:

- Como sei que é impossível fazê-la mudar de ideia, faça o que quiser, mas lembre-se que ele será sua responsabilidade.

Não consegui evitar e sorri com empolgação.

Audácia se transforma em ambição, isso foi a faísca que o levou ao poder quando jovem e quando notou essa pequena faísca ardente em mim, ele recuou um passo e endireitou a postura -algo dentro dele temia isso. Temia com o que Lucios Mickaelus pudesse fazer se aliasse a mim e aceitasse o acordo, seria apenas questão de tempo... Não, uma faísca de alívio brilhou nos olhos dele e finalmente ele se lembrou, bastardos jamais chegaram ao poder.

-Não aprovo sua escolha, a tantos cavaleiros... -começou ele.

Não, não, não. Arqueei uma sobrancelha indignada com o que estava por ouvir, cruzei os braços e ergui o queixo.

- Elara era uma ladra antes de conseguir o cargo que tem agora - rebati o interrompendo- Você a transformou no que é, apenas quero ter uma oportunidade de fazer grandes mudanças, como você fez um dia, eu tenho que tentar, se não...

-Se não, nunca vai saber o quão longe foi -completou Dominic com um sorriso de lado, lembrando-se daquela que perturbava seus amados sonhos.

Pela primeira vez em anos, Dominic deixou escapar um sorriso e se sentiu estranho quando notou um velho sentimento retornando quando voltei a sorrir novamente. Uma memória velha e distorcida passou por sua mente agitada como um raio, o som melodioso de uma gargalhada, os cabelos alaranjados e longos cobertos por um véu azul quase transparente e uma barriga grande e arredondada iluminada por raios de sol, caminhando por aquele maldito corredor quando se lembrou da doce e esquecida voz:

"-Amo você -disse Diana, a muito tempo atrás."

....

Por um momento pensei que o pior já havia acontecido, mas acabei me enganando. Estava caminhando por um corredor próximo ao belo jardim do castelo quando avistei Atlas e Melissa conversando no pátio próximo ao jardim, meu plano atual era sair daquele lugar o mais rápido possível, mas o assunto da discussão chamou minha atenção e que era impossível de ignorar.

- Acha mesmo que ela é louca o suficiente para escolher Lucius e trazê-lo aqui? - disse Atlas, nervoso.

- Espero que não meu filho, porque se isso acontecer e ele colocar os pés no castelo teremos uma grande dor de cabeça, que pode facilmente, arruinar nossos planos - disse Melissa, frustada.

Arregalei os olhos atrás da pilastra atenta a cada palavra, era muita informação naquele momento que não consegui digerir, mas não foram aquelas palavras que fez meu sangue gelar - mas o ódio nos olhos de melissa quando disse:

- Gwendoline é obstinada como Diana, a escolha dela hoje mostra isso. Eu deveria ter acabado com ela quando tive a chance.

Engoli a seco e minhas pernas começaram a tremer.

- Te avisei que ela nos traria problemas, mas não se preocupe - Assegurou Atlas, tendo um plano em mente. - Vou me assegurar para que Gwen não retorne novamente para esse castelo se for atrás de Lucius Mickaelus ou de qualquer outro cavaleiro.

Melissa encarou o filho com um sorriso diabólico nos lábios.

- O que está tramando?

- Vou matar dois coelhos com uma cajadada só -respondeu Atlas decidido. - Lucius tem ódio de nobres com posição e minha tola irmã está prestes a dar um passo no covil dos lobos, ela está desesperada. Talvez Lucius suje as mãos por nós e facilite o trabalho ou, se por um milagre ele aceitar a proposta, vou garantir que nenhum dos dois retorne a Everose.

Por um momento meu coração errou uma batida, pior, eles estavam planejando minha morte. O que eu faria? Não estava preparada para isso e me odiei que minha única reação depois que eles se foram do pátio foi chorar.

Mas não foram lágrimas de tristeza, mas de raiva, Melissa sempre teve tudo o que queria e nunca descobri o motivo que ela me odiava tanto, nunca a desejei mal algum e agora estava batendo de frente com uma versão cruel dela que ninguém via.

Respirei fundo e abracei as pernas naquele corredor e observei o quadro de Augustos Gerard J. Maxmillian, primeiro rei das terras de Everose e criador da lendária lança de vidro, feito da magia bruta e congelante herdada de monarca para monarca e o tipo de relíquia que Atlas deseja ter desde pequeno, pois conseguiria se chegasse ao trono e era algo que, eu faria de tudo para que não conseguisse.

Me levantei e observei o quadro uma última vez e orei silenciosamente pelos corredores aos deuses, pedindo forças e coragem, pois se conseguisse isso... Meu irmão mais velho jamais usaria uma coroa.

Coração De Gelo ( Da Série: Nobreza)Where stories live. Discover now