Tu És Mal, Gabriel

Capítulo 1

Na labuta de me ver livre de ti, simplesmente desisti, era impossível conseguir superar esse amor que me deixa completamente inerte, pensar em você era como se meu coração finalmente batesse por algum motivo, mas a realidade sempre corre em direção a superfície e escorre por dentro de nossas pálpebras mesmo se nossa mente não quer enxergar, ela sempre aparece e quando estapeia-me percebo que não é possível eu e você somos como pão com manteiga mas também como água e óleo.

Tentei correr o máximo que pude para longe de você, mas sua face para sempre estaria em minha lembrança, um homem atormentado pelo amor, existe história mais clichê do que essa? mas como desgraça pouca é besteira, um turbilhão de coisas aconteciam em minha volta e não havia nada que eu pudesse fazer para impedir, ou ao menos melhorar, meu cachorro morreu, fui demitido de meu emprego e meus familiares não estão falando comigo, então decidi, não adianta mais, essa não é uma carta de despedida, muito menos um pedido de ajuda, Eu não preciso de ajuda, só vou relatar para vocês a tragédia que me acometeu, é como se eu estivesse em um dos círculos do inferno, como cita Dantih.

mas vamos começar do começo.

"Não há, disse, tormenta mais dolorosa,

Que recordar o tempo venturoso

Na desgraça"

Tudo começou no raiar da vida, como toda alma perturbada, minha infância foi logicamente desfalcada, pelo saber sempre fui desejoso então logicamente afundei meus olhos em livros por isso cada obra da biblioteca de meus pais tiveram as páginas, parágrafos e versos dilacerados por meu intelecto juvenil e esperançoso.

Não consegui fazer tantos amigos durante a primeira infância, as crianças eram estranhas e a morte de meu querido pai durante a guerra de trincheiras me fez ficar mais isolado ainda, foram períodos difíceis, meu pai sempre foi meu herói, eu era muito novo e não entendia direito o que estava acontecendo, esperei por anos sua volta, ainda lembro de como ele me abraçava quando exausto da labuta chegava, acho que nunca consegui superar sua morte e desde então vivo tentando ser um homem, tentando te dar orgulho e ser 1% tão incrível quanto o senhor foi, mas infelizmente não consegui, infelizmente eu escolhi desistir, é hora de partir, retorna-me-ei para o solo em que pisei pela primeira vez e lá acabarei com meu ciclo.

Lembro de prometer para uma ursinha que nunca viajaria nas grandes asas de metal e peguei uma grande embarcação, entrando dentro de minha cabine percebi que seria uma longa viagem, tomei um forte suco de tangerina e deitei na minha cama, sentindo meu corpo balançar de um lado para outro naquela imensidão azul.

Passei todo domínio do sol preso em lençóis, eles pareciam tão pesados quanto um prédio, o mundo lá fora parecia um mistério e eu tão medroso não consegui desbravar ( acho que sempre fui medroso demais, nunca consegui arriscar, nunca nem me dei ao trabalho de tentar )

Com o nascer da lua que contrastava perfeitamente com o repouso do sol enchi-me de uma força exacerbada que nem eu mesmo conhecia e caminhei lentamente até o fim de meus aposentos abrindo aquela porta pude contemplar a imensidão negra... é engraçado, sinto como se toda aquela imagem estivesse dentro de mim, era como meu peito estava, uma grande imensidão preta dentro de minhas costelas, parei e observei por horas sem pensar absolutamente nada eu só estava parado ouvindo minha respiração, eu sabia que estava vivo, sabia que meu coração pulsava e que por minhas veias corriam sangue, mas eu simplesmente não estava vivo.... E eu sabia disso.

-Onde você está? Será que ainda pensas em mim?

Mas eu sabia que a devolutiva seria negativa, eu sabia que seus olhos nunca mais se encontrarão com os meus, meus dedos nunca sentirão a maciez de sua pele, meus ouvidos nunca mais escutarão a doce sinfonia que é sua voz, mas no fim isso realmente importa? é... acho que não, eu sempre fui uma simples e turva nuvem, inodora e insípida, quase invisível ou seja, completamente irrelevante em sua vida.