DEZOITO: O Grande Jogo

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— Entre na fila, amor.

— Eu irei cortá-la, isso sim.

Eles chegaram às maravilhas que levaram milênios para se transformar nas belezas naturais. Para Aziz, um amante da cultura saariana, elas decoravam a paisagem barrenta e quase sem vida de um deserto icônico e famoso.

Dezoito lagos serpenteavam pela árida região de Ennedi, formando um oásis de tirar o fôlego. Era triste, no entanto, que o maior sistema de lagos de água doce em um ambiente desértico servisse de base para grupos terroristas.

A princípio, o exército francês suspeitou do Boko Haram. Porém, após a captura de Youssouf e a morte de seu companheiro, a narrativa mudou da água para o vinho. Jacque suspeitava de manipulação política, mas sem provas, preferiu evitar que uma criança fosse vítima do jogo do poder.

O comboio parou e o casal desceu, seguido pelos oficiais da força tarefa. Os camelos das caravanas, um pouco assustados, acuaram-se atrás de seus donos. Eles tremiam e olhavam de forma arregalada, claramente espantados por ver mais de vinte veículos blindados chegando em um local quase inóspito.

Liderando-os, um homem robusto, envolto em panos, analisou minuciosamente a aproximação de uma mulher armada, de boné e óculos escuros, acompanhando um homem moreno-claro, tipicamente mestiço, com um riso simpático e um mustache.

Aziz abotoou a camisa de tecido fino e o cumprimentou.

As-salamu alaikum. — Colocou a mão direita no coração e curvou-se em um cumprimento.

Aalaikum as-aalaam. — O homem replicou.

Jacque observou a conversa em árabe. Podia não compreender a língua, mas era uma assídua estudiosa do comportamento humano e de linguagem corporal, o que funcionava muito bem em operações e, às vezes, em interrogatórios.

Não serviam como provas, contudo. Os melhores indicativos era o testemunho, ou descoberta de evidências concretas. Ainda assim, seria muito errado dizer, no mundo em que ela vivia, que linguagem corporal era inútil.

O exemplo do líder daquela comunidade nômade era claro. Outrora hostil, se abriu aos poucos pela naturalidade da língua e dos movimentos de Aziz. Isso fez os homens armados com as velhas e adoráveis AK-47 deixarem seus dedos fora do gatilho e relaxarem os músculos faciais.

De desconfiados para curiosos, atenuando a tensão após dezenas de pessoas trajadas em kevlar e armadas com os dispositivos mais modernos descerem de blindados. Ela ficou menos tensa e mais tranquila. Atenta, sim, mas espelhando as ações dos membros da tribo. Cansou de participar de operações fracassadas devido a agentes lendo erroneamente o humor do ambiente.

O chefe anuiu e indicou para que só ele e ela o seguissem. Aziz avisou a Dupont e este guiou o restante do séquito para levantar um acampamento improvisado ao redor das tendas dos nômades.

— Eu perguntei a ele se viu algo suspeito na região e ele disse que sim.

Aziz voltou a andar junto a Jacque, desconfortável em receber olhares por onde passavam. Não sabia se era reprovação, ódio ou até mesmo estranheza. Ela sem véu, o rabo de cavalo solto e o boné preso por baixo dele parecia uma alienígena para os nômades.

— E o que foi suspeito na visão dele? — Manteve o rosto duro, firme e sem emoções quando a vontade era de dar um riso meio envergonhado e perguntar "o que eles estão olhando?". Ainda que tivesse uma vaga ideia do quê.

— Quando vieram para cá, não tem quase uma semana, eles viram no horizonte um helicóptero sobrevoando a região. Cerca de cinco dias depois, eles encontraram uma mulher delirante à beira de um dos dezoito lagos.

O Grande JogoWhere stories live. Discover now