Prólogo

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Eu não sabia o que fazer.

Zenos estava me pressionando a tomar uma decisão rápida. Ontem à noite, um dos nossos contatos, me disse que os filhos da puta que traímos querem me pegar e a nossa única opção era sumir do mapa mais uma vez, pelo menos por um tempo. Só havia um problema: o que eu faria com Kendall?

Kendall White era a mercadoria mais cara que a Lustre poderia ter e eu era responsável por treiná-la. E não estou fazendo o trabalho. Era meu dever prepará-la para o seu dono, levo-a a submissão extrema aos desejos do seu senhor. Era uma grana fácil, agir como a melhor amiga por um tempo e sumir quando o trabalho estivesse feito.

— Eu já disse para você, eles querem a sua cabeça— Zenos me avisou, passando a mão pela cabeça. — Eles descobriram o nosso jogo duplo e querem a nossa cabeça mais rápido do que podemos contar. Não é algo que devemos brincar, Sophia.

— Eu já estou pensado o que fazer, só sei que vamos usar a grana que, supostamente, Kendall e eu expandiríamos nossa empresa — gemi, colocando as mãos no meu rosto. — Não é muito, precisamos de mais.

— Eles estão vindo — repetiu, como se quisesse prevenir a si mesmo. — Você não soube cobrir os seus rastros e, agora, eles descobriram quem você é — Zenos grunhiu. — Droga, Sophia, eu disse para você diminuir o ritmo, chamou muita atenção.

— Você queria que eu fizesse o quê? — Grunhi. — Eu não podia fingir que não estava gastando nada, eu tinha que mostrar tudo para essa maldita organização. Cada mínimo centavo. Caralho, Zenos, foi difícil falsificar cada merda de nota fiscal.

— A merda bateu no ventilador — suspirou. — Não podemos estar aqui enquanto ela fede.

Mordi a unha do dedo mindinho.

— Vamos ter que fazer de novo.

— O quê?

— Me matar — minha voz soou exasperada. — E temos que fazer de uma forma que Kendall testemunhe e que seja o mais real possível.

— Por que Kendall tem que ver? — Perguntou, arqueando a sobrancelha.

— Vamos estar do outro lado do mundo, sendo seguidos por uma organização internacional que trafica mulheres, drogas e crianças e uma máfia brutal que quer nossas cabeças. Onde você acha que vão procurar? — Perguntei retoricamente.

Estávamos pendurados em uma corda bamba. São anos vivendo fugindo e ganhando dinheiro clandestinamente. E, nesse novo trabalho, eu tinha que usar o rosto de uma linda e rica garota de olhos azuis. E, cada novo trabalho, era para conseguir algo que muitos almejam: mudança. Para eu, ela vinha adicionada com identidade.

Uma nova história.

Uma nova casa.

Uma nova cidade.

Um novo país.

Uma nova eu.

Loira, morena ou ruiva.

Eu era quem eu precisava ser para conseguir o que eu queria.

— Você guardou os documentos onde? — Indaguei.

— Onde mais? — Disse retoricamente.

— Na última vez que você fez essa pergunta idiota, acabei levando dois tiros e quase perdi a merda do pé — rosnei. — Não seja idiota e me diga logo onde você colocou os malditos arquivos.

— Mandei-os para Amsterdã.

Gemi. Por que ele mandou os arquivos mais importantes de nossas vidas para Amsterdã? A cidade é repleta de casas de prostituição e a Lustre tem a sua própria, em uma boate subterrânea para atender os mais exigentes paladares. Só de pensar no que acontece naquele lugar, meu estômago embrulha e eu não consigo respirar.

A primeira vez que vi uma das mulheres feitas para serem apenas o aperitivo para um homem, demorei cerca de oito meses para ter uma noite de sono completa. Meus treinamentos psicológicos não me prepararam para o que presenciado. Acredito que ela havia sido uma linda morena de olhos dourados, vivos e intensos, talvez até mergulhados em felicidade. Mas, agora, ela recebe em um corpo imóvel, aqueles olhos opacos olhando fixamente para um ponto na parede, gélidos e sem qualquer sinal de vida.

Ela sequer olhou na minha direção, fazendo-me estremecer ao notar que era simplesmente um corpo desprovido de qualquer sentimento. Uma boneca em carne e osso que seria descartada após servir o seu propósito e substituída por uma "nova". Quando eu fiquei frente a frente com ela, com seus olhos diretamente em mim, nada aconteceu. Eu juro, jamais imaginaria que isso poderia acontecer com uma pessoa, porém, eu tive uma visão de primeira classe que era possível.

Sacudo a cabeça, espantando as lembranças.

— Desta vez, tudo tem que ser bem planejado, precisaremos contratar diversas pessoas — Zenos começou a formular tudo. — E, claro, teremos que ter um assassino para que Kendall seja usada como testemunha principal. Droga, vai sair mais caro do que eu pensei.

— Eu sei — falei, cansada com sua preocupação com dinheiro. — Já fizemos isso antes, lembra?

— Só que das outras vezes, eu não precisava contratar ninguém para ajudar no serviço. Era apenas um acidente de carro, um corpo carbonizado, um afogamento.

Revirei os olhos, Zenos sempre se preocupando demais. Eu já morri mais vezes do que eu posso contar ao longo dos anos e sei como isso funciona. Poderia começar a ensinar as pessoas a como fingirem a sua morte sem levantar qualquer suspeita.

— Você não deveria ir para sua casa com Kendall? — indagou ele, não querendo levantar suspeitas de ninguém.

— Jantar com a família dela — revirei os olhos. — É aniversário da sua irmã, Vanessa. Desta vez, será apenas para a família. Até o seu pai vai estar lá.

— Eu não consigo entender como você os engana fingindo ser uma garota doce. Você é uma cadela, Valentina — era a primeira vez que ele usava meu nome real depois de muito tempo. Por um momento, eu esqueci que um dia me chamei assim e achei que ele estava falando com outra pessoa. — Você até esqueceu quem você é.

— Estou vivendo como uma sanguessuga a anos, extorquindo e matando pessoas, além de roubar e usar outras. Eu não me sinto mais como Valentina — sussurrei. — Tenho certeza que eu me perdi em algum momento, porque não me sinto mais como Valentina.

Zenos me entenderia, ele sempre entenderia. Dói senti que alguém roubou o nosso direito de sermos nós mesmos. Eu deixei a Valentina para trás quando eu aceitei essa vida. Aceitei que não posso mais ser ela.

— Tudo uma merda, eu sempre digo — gemeu ele.

— Vamos focar em minha morte e de resto, vamos fugir — eu não queria que a melancolia de tudo nublasse os nossos objetivos. — Vamos apenas focar em tudo o que está por vim. Podemos contratar um porteiro que mora em frente ao nosso prédio, ele sempre nota movimentações suspeitas e sempre as relata. Então, ele é o primeiro da lista.

— O que vamos dizer a ele?

— Nada, estamos pagando pelo seu silêncio e, para garantir que ele faça o trabalho direito, ameaçaremos a sua integridade física e de sua família — dei de ombros. Poderia soar frio, mas precisamos disse nesse ramo.

— Ok, vamos fazer isso.

Revirei os olhos novamente, como se se tivéssemos alguma escolha.

*****

Houve algumas alterações, entre elas o Prólogo. Se você quiser ler novamente, perceberá mudanças, mas que não tiram o foco principal da história.


DATA: 30 de Dezembro de 2017


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