Capítulo 1

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"Amar é: ouvir a voz do coração."

Ouvi o sopro da trombeta soar, logo, obriguei-me a levantar da cama. O que aquele barulho chato poderia significar? Que o fim dos tempos estava próximo? Arg! Não mesmo! Aquele era apenas um pequeno lembrete, de que, um longo e exaustivo dia de treinamento estava só começando.

E aí, eu sou o Eros Valentine, mas pode me chamar Júnior e, pra você que ainda não sacou, eu sou um Cupido. Ta-da! É isso mesmo que você (ou) viu, sou uma divindade do amor, embora apenas pela metade, já que a outra metade é humana. Deixe-me contar mais detalhes: faço parte da Love Academy, uma instituição preparatória para cupidos que fica localizada na dimensão Love Zone, também conhecida como "o lugar onde a magia do amor acontece". Eu sei, eu sei, é uma frasezinha de efeito clichê, mas o que eu posso fazer, isso está escrito no nosso cartão de visitas. Bem, você deve estar se perguntando: o que um cara como eu faz num lugar como esse? Eu conto, mas antes, é melhor ir pegando um lencinho de papel, porque definitivamente esta não é uma história de amor.

Tudo começou há dezessete anos, quando um certo General Cupido que também se chama Eros, após ter regressado de uma longa e épica batalha que envolvia as forças do amor contra o ódio, resolveu tirar férias e, advinha só o lugar ele escolheu pra fazer isso? Se você mirou num planetinha azul, mais conhecido como Terra, você acertou em cheio.

Mal colocou suas alpacas sobre o solo terrestre, e ele já começou a arrastar suas asinhas para Meg, uma bela e inteligente estudante de medicina. Não sei quais foram os métodos que esse plumadão recorreu- na verdade eu até tenho minhas suspeitas, e não foram "os métodos" mas sim "o método", e nós aqui o conhecemos como Flecha do Amor -, mas antes que Meg pudesse sequer pensar no assunto, Eros já estava morando em seu apartamento. Se você achou isso absurdo, espere só até descobrir que a ideia de ter um filho partiu d e l e.

E foi assim que, numa romântica e ensolarada manhã, mais conhecida como Valentine's Day, que euzinho aqui nasci. E, com a minha chegada, muita coisa mudou.
Depois de se formar em medicina, mamãe passou a exercer carreira na área da cardiologia. Quanto ao General Eros, bem, como não tinha nada melhor pra fazer, ele ficava em casa assistindo televisão enquanto fingia cuidar de mim. E essa rotina repercutiu por cinco anos até que, por alguma razão na qual eu só consigo interpretar como abandono do lar, o General precisou retornar ao seu mundo. Fazer o que, né? Acontece nas melhores famílias. Mas, continuando, após um longo período de "desintoxicação amorosa", como ela mesma gosta de chamar - o que basicamente insiste em maratonar doramas, comer quilos de sorvete e cantar baladas tristes no chuveiro - mamãe finalmente conheceu o Ryan. Os dois se casaram e eu ganhei uma linda irmãzinha chamada Mey. Considerado um verdadeiro prodígio, aos treze anos, entrei para Universidade de Dreamspace, onde passei a cursar Engenharia Mecânica, área na qual meu coração sempre sofreu uma espécie de curto circuito, se é que me entende. No entanto, assim que completei 16 anos (porque é incrível como esse tipo de coisa só acontece nessa faixa etária), meu corpo passou a sofrer uma série de transformações, e, quando eu digo transformações, não estou me referindo a fatores relacionados ha alta produção de hormônios não, e sim de habilidades que ultrapassam os limites impostos pela natureza humana, tais como: visão infra vermelha, invisibilidade, e uma péssima mania de ficar shippando as pessoas por aí. E tem mais, como se o fato de eu ter me tornado uma aberração não fosse o suficiente, de repente, ele, o sujeito no qual até então, eu não fazia ideia de seu paradeiro, resolveu dar as caras lá na universidade e, como se nada tivesse acontecido, veio com um papinho de que precisávamos passar um tempo juntos. É óbvio que eu não aceitei, fui falar com a dona Meg primeiro, para saber sua opinião, só que, ao fazer isso, ela simplesmente me disse que eu deveria dar uma chance a ele, afinal, querendo ou não, ele era meu pai. E foi exatamente isso que eu fiz, dei uma chance ao desconhecido, e olha só aonde eu vim parar, na porcaria do lugar onde a magia do amor acontece. Fim da história!

Faz um ano que estou aprisionado nessa dimensão maluca. E sabe o que isso significa? São 365 dias distante do meu lar, separado daquilo que mais amo, enquanto sou submetido a um treinamento árduo diário digno de um verdadeiro herói. E tudo isso para quê? Ah, para espalhar amor em uma era em que as pessoas preferem swipes em aplicativos de namoro. Ora, francamente!

Após vestir meu uniforme, um lindo macacão camuflado com as cores de um romântico entardecer ( Arg! Eu mereço) deixei meu alojamento e me dirigi até o Coraxágono, pois, nesta manhã, o general tinha um pronunciamento importante a fazer. Lá, me reuni a meus outros colegas cupidos que de colegas mesmo só tinha o nome. Já perdi a conta das vezes em que fui zoado por esses imbecis, principalmente pelo fato de que, por partilhar de metade do DNA humano, ao invés de asas, eu possuo apenas de dois tufos insignificantes de penugem nas costas, o que, para ser bem honesto, é uma coisa de dar pena - e eu não vou nem mencionar meu modo invisibilidade que devido ao erro de fabricação, vive dando defeito- mas, e daí, eu estou pouco me lixando pra isso, afinal, para quê asas quando se é um verdadeiro gênio da mecânica?

Autoconfiança? Não! Está mais pra amor próprio mesmo.

- Olha só o que temos aqui, um Cupide sem penas- debochou Lordin Mc'Lovely, o cupido que eu mais odeio nessa dimensão, e, ironicamente, meu parceiro no amor.
E, antes que você queira dar uma de cupido e comece a mirar suas flechas em nossa direção, definitivamente, isso não vai rolar!

Deixa eu explicar uma coisinha sobre esse lance de Parceiro do amor: Para que o fruto do amor possa em dois corações brotar, dois cupidos são necessários para as flechas atirar.

Embora eu deteste ter que admitir, essa teoria tem lá seu embasamento lógico. Vamos pensar nisso como um código de programação romântico. Cada coração é como uma variável que precisa ser atualizada com o mesmo valor de amor ao mesmo tempo. Se houver uma discrepância no tempo de execução das flechas do amor, os resultados serão inconsistentes e podem levar a um loop infinito de problemas emocionais. E, sinceramente, quem quer estar preso em um relacionamento assimétrico, com uma função de amor desproporcional?

Em resposta ao comentário de Lordin, o Coraxágono inteiro caiu na risada. Bando de mal armados. Que vontade que eu tinha de arrancar suas penas. Mas, como eu não era páreo para todos eles, apenas ignorei-os. Quanto ao Lordin, ah, esse sim, não perdia por esperar.

- Rá-rá, muito engraçado- o encarei com todo meu cinismo - Vem cá, é impressão minha ou um dos seus cachinhos artificiais derreteu?

Tão rápido quanto a minha resposta, Lordin tateou sua cabeça, a fim de conferir se a sua cabeleira estava em seu devido lugar, o que me fez revirar os olhos de tanto tédio.

- Não há nada de errado com eles, seu invejoso- sibilou ele de um jeito tão enjoativo que juro que fiquei com vontade de vomitar, de preferência, em cima da cabeça dele.

- Talvez não com eles - dei de ombros- Já com essa sua cara de mulherzinha- murmurei para mim mesmo, mas, não é que esse almofadinhas também ouviu?

- Seu depenadinho de uma figa! Vou mostrar pra você quem é mulherzinha - berrou ele ao arquear suas asas e partir pra cima de mim com tudo, como se eu fosse o último item em estoque de uma edição limitada de quadrinhos, e isso, em pleno evento de lançamento da Comic Con. E o que eu fiz? Bom, eu fiquei ali parado, o esperando, pronto para nocauteá-lo com um belo gancho de direita. Que foi? Não é porque eu sou uma divindade do amor que agora vou ficar dando minha cara pra bater não, eu tenho minha reputação a zelar. E mais, se tem uma lição que aprendi nas aulas sobre Os fundamentos do Amor (toda segunda e quarta) é que, amar é ouvir a voz do coração. E, embora, nesse caso, o Amor não estivesse nenhum pouco em questão- porque isso não tinha a MENOR possibilidade de acontecer-, sabe o que o meu coração estava me dizendo naquele exato momento? Acaba com ele, Júnior!

Assim que Lordin se aproximou o bastante, me preparei para golpeá-lo bem no meio da fuça, quando fui surpreendido por aquilo que só consigo descrever como um ataque fulminante.

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