DEZESSEIS: Desespero

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— O ritual precisa ser feito quando o sol estiver no seu ponto mais alto. — Obafemi olhou para as paredes da gruta. — Adinkras não significam escuridão, significam luz, poder do sol, não das trevas, Papai Noel.

— E ainda assim, estamos usando para fins nefastos. — Papai Noel contemplou em voz alta.

— Ainda te acho louco por tentar.

— Te pago para seguir minhas loucuras, não para questioná-las. Teremos que transferi-lo para fora?

— Sim. — Obafemi meneou a cabeça positivamente.

Zach poderia ficar calado, fingir desmaio, mas um dia sem água e quase dois sem comida afetou seu raciocínio lógico.

— ... é grande.

Tanto Papai Noel, quanto Obafemi silenciaram-se. Zach, com a cabeça baixa, voltou a murmurar.

— Deus é grande...

— Que diabos ele está murmurando, Obafemi? — Papai Noel pegou o queixo fino de Zach e o ergueu.

— Ele está entoando um mantra.

— Em nome de Alá, o beneficente, o piedoso. — Zach fez uma pausa leve. — Louvado o seja, senhor dos mundos. Ó misericordioso, mestre do dia do julgamento. Só a ti adoramos. — Mais uma pausa, balbuciante. — Só a ti pedimos ajuda. Mostre-nos o caminho correto...

— Que porra de mantra é esse?

Para a surpresa de Papai Noel, Obafemi pegou sua AK-47 e a engatilhou. Não em direção ao moribundo e torturado Zach, e sim ao poderoso homem capaz de enganar países inteiros.

— Essa porra é o Corão! — O homem de pele escura, levemente enrugada, empurrou o cano do rifle contra a testa mascarada de Papai Noel. — Ele está recitando o livro sagrado! Não vou aceitar que suje nossa religião em uma blasfêmia.

— Mas que inferno, Obafemi. — Por mais absorto que estivesse, Zach percebeu a flutuação suave da voz outrora mecanizada de Noel. — Matamos inúmeros muçulmanos, não estou entendendo os motivos para isso.

Papai Noel indicou o rifle.

— Você xingou o livro sagrado, seu infiel! — Empurrou mais uma vez. — Peça perdão, de joelhos, para Alá!

— Deixe de ser louco, seu desgraçado! — Papai Noel segurou o cano da arma. — Só não te mato agora por que você é importante para meus adinkras.

Adinkras serão inúteis. — Ele colocou perigosamente o dedo no gatilho. — Se você não se ajoelhar agora em reverência a Alá.

— Papai Noel não se ajoelha.

Zach cerrou os olhos, adormecendo pela fraqueza e evitando a escuridão da caverna. Ele não ouviria a confusão, a luta por espaço, muito menos os tiros de Obafemi. Ele queria a paz e sossego do mundo dos sonhos.

Ainda assim, um sorriso surgiu no rosto.

O eco de rajadas de um rifle ribombou nos ouvidos de Yael. Porém, por causa das profundezas das grutas, ela não discerniu de onde vinha. Até imaginou correr com a escalada, mas não poderia avançar de forma inconsequente.

Ela parava vez ou outra quando encontrava espaço para se empoleirar e descansar. Os braços ardiam, os bíceps imploravam por descanso e as pernas latejavam. Os alongamentos nas pausas ajudavam, mas era questão de tempo até panturrilhas terem câimbras ou os músculos do braço, um estiramento.

Não sabia há quantas horas estava pendurada naquele paredão. Sentia como se estivesse escalando por cinco longas horas, mas era difícil ter certeza com o corpo tão dolorido. Podia estar há muito mais tempo naquilo, ou há bem menos tempo. Ela não sabia.

Depois de alguns bons minutos de descanso, voltou a subir a escuridão.

Os tiros já haviam desaparecido quando atingiu o topo do abismo. Também reparou que estava do outro lado das profundezas. Sentada, diante do ar fresco, ela parou e sorriu diante do seu azar. Inicialmente culpou a pressa em sua busca, antes de perscrutar a penumbra e a escuridão.

Era impossível discernir o paredão de onde veio. Do fundo da caverna, identificar onde era a entrada, a saída ou os túneis era impossível. A única coisa que aparecia na penumbra era o fio do gancho tensionado e, ainda assim, isso não lhe dizia nada.

Só esperava que estivesse escalando o mesmo paredão por onde foi lançada para sua morte.

O homem mascarado ignorou os materiais em prol da captura de Zach? Outro pensamento veio imediatamente após avistar a corda. Será que Zach ainda estava vivo?

O surto de adrenalina a deixou acesa o suficiente para correr pelo parapeito, testar a tensão do fio antes de montar e atravessar o abismo. Ignorou os sons do arenito se desfazendo e dos pedregulhos caindo. Focada no outro lado, foi difícil para Yael manter a respiração e a ansiedade controladas.

O alívio ao pisar do outro lado se misturou com o alívio ao ver que Zach não estava morto, tampouco fora jogado. Na verdade, ele fora arrastado pela areia até a entrada de um túnel, onde as marcas mudaram. As pegadas de bota ficaram mais pesadas ao mesmo tempo que os indícios de Zach sumiram.

Alguém o havia carregado.

Perguntas na mente inquisitiva de Yael mudaram. Por que tentaram matá-la enquanto Zach fora sequestrado? Qual a diferença entre ele e ela? Seria mais um refém para a operação Noel ou havia algo mais por trás disso? Sua remoção se devia porque ela não era civil?

Perguntas sem respostas, a não ser que ela se embrenhasse no túnel. Na escuridão. De um lado, podia voltar para a civilização, mas não acreditava que Zach duraria muito nas mãos dos terroristas.

Taticamente, deveria voltar ao deserto, negociar com os nômades e esperar reforços. Era burrice atravessar a gruta e sumir nos túneis escuros e estreitos do planalto.

Zach...

Ele era apenas um conhecido, talvez virasse uma casualidade de guerra. Então por que diabos os pés a levaram para a maldita gruta?

 Então por que diabos os pés a levaram para a maldita gruta?

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O Grande JogoWhere stories live. Discover now