Carta 02.

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Nantucket Island, ESTADOS UNIDOS.
16 de junho de 2014, segunda-feira.


Querida Francesca,

em sua carta, você escreveu para mim: você superestima o amor, Harry. Não entre nessa luta, o amor não significa nada, realmente.

Mas talvez eu ainda seja muito jovem e muito imaturo e muito quebrado para deixar minha ingenuidade de lado e entender o que você quer dizer. E quando eu estiver crescido, já um adulto, talvez eu entenda, mas por enquanto... Por enquanto eu simplesmente não consigo cultivar um novo coração que entenda tudo isso.

E essa é a parte da história que ninguém quer ouvir.

[...]

Francesca, foi apenas na manhã de hoje, 16 de junho de 2014, que sua carta chegou.

Era apenas 7 horas quando escutei a voz rouca e grave do meu pai chamando-me do primeiro andar, ecoando por toda a casa: "Harry! Vem aqui, chegou uma correspondência para você!"

Eu desci as escadas meio afobado, preso em minha agonia enquanto corria apressadamente. Meus dois pés esquerdos nunca tropeçaram tanto nos degraus até o primeiro andar e meu corpo desengonçado esbarrou em todas as portas e paredes que estavam pelo caminho.

Meio ansioso para ler o que você tinha para me dizer, pulei os últimos dois degraus da escada, tropeçando na ponta dobrada do tapete. Estive receosamente esperando pelos últimos dias para ver se você iria corresponder-me ou não. Temendo a possibilidade de ocorrer alguma complicação no caminho que separa a minha carta das suas mãos, pensando se meus escritos haviam sido entregues para a pessoa certa.

Bom, pelo visto, felizmente as minhas palavras encontraram o caminho certo até você.

Finalmente encontrei meu pai sentado no sofá da sala de estar, com uma almofada descansando em seu colo. Ele estava tipicamente com suas pernas cruzadas uma sobre a outra, cobertas por uma bermuda preta de tactel, e sua postura desleixada sob o encosto do móvel. Seu óculos de grau apoiado no topo de sua cabeça e a pele do seu rosto meio cremosa e esbranquiçada pelo protetor solar passado recentemente. O envelope estava em suas mãos e seus olhos esverdeados estavam grudados no endereço escrito no papel com a sua caligrafia redonda e delicada, seus dedos pressionavam a ponta do envelope de uma forma que o amassava levemente nas extremidades.

Estranhamente, eu parecia acostumado com esta visão.

Como se todos os dias, pelos últimos 16 anos, eu tivesse acordado cedo para entrar na sala dessa casa, chamando-a de minha, e deparando-me com a cena de Desmond segurando um jornal e bebendo sonolentamente a sua primeira xícara de café do dia. Como se eu tropeçasse todos os dias na mesma dobradura do tapete e soltasse um gritinho, esguichando pelo susto e chamando a atenção de seus olhos todas às vezes – em um solavanco rápido, desviando-os agilmente das notícias para olhar em minha direção e averiguar se eu estava machucado.

No entanto, não é nada familiar.
(É o contrário disso, na verdade. É estranho.)
(Desconhecido.)

Estou convivendo com meu pai há apenas 14 dias.
Não há nada nessa casa e nessa pessoa que, tão rapidamente desta forma, poderá tornar-se um costume para mim.

Com esses pensamentos, peguei timidamente o papel de suas mãos, o acolhendo perto do meu peito quase em um abraço saudoso. E, ao tempo em que eu contornava o cômodo com minha célere corrida de volta para o quarto, consegui escutá-lo perguntar: "Quem é Francesca Berthold?"

Mas eu não me preocupei em responder-lhes.
E ele não se preocupou em repetir a pergunta.

Novamente subi as escadas tropeçando, pulando alguns degraus com pressa para ler as suas palavras. De alguma forma, quando retornei, o quarto parecia ainda mais sufocante que antes. Mais empoeirado e rodeado pelo aspecto de abandono e esquecimento – ainda que eu tivesse a plena consciência do quão limpo estava o ambiente. Por essa razão, decidi me dirigir até a sacada (onde o ar estava aberto, límpido e sossegado).

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