UM ANO DEPOIS
Tinha uma música tocando ao fundo no café, falava sobre a certeza de ser correspondido, e a dor de saber que havia se enganado, contando uma mentira a si mesmo. Bem melancólica.Aquela música não era lá tão ruim (era do tipo que Theo escutaria, eu apostava), o momento é que era péssimo.
— Onde está a sua prótese ocular? — perguntou minha chefe, fazendo uma careta para mim.
Contive um suspiro exasperado.
— O gato do meu irmão comeu — respondi, tão infeliz que poderia começar a chorar emoji de coração partido a qualquer momento.
A careta de Regina se intensificou.
— É o quê?
Davi me lançou um olhar compadecido de onde limpava uma mesa. Não eram nem oito e meia da manhã, mas o meu pesadelo começou às seis, quando, em vez de acordar com o alarme de um galo cantando, eu acordei com o ronronar de Luigi enquanto ele pacientemente roía a minha prótese ocular.
Aquele gato era racista e capacitista. Só isso explicava tamanha crueldade.
Eu nunca o perdoaria!
— O gato do meu irmão comeu. — Mordi o lábio, mexendo os dedos sem parar na altura da barriga. Vi Davi segurar o riso, correndo para a cozinha para não ser visto. Safado! — Eu juro que vou providenciar outra imediatamente!
Imediatamente significava dois meses. Mas ela não precisava de tanta informação, certo?
— É bom mesmo, Luiza! — Ela piscou, franzindo as sobrancelhas. Colocou uma mão em meu ombro, puxando-me bruscamente para perto. Sufoquei um resmungo. — Você é linda, deslumbrante, mas… — mas tem um olho branco. Ela engoliu em seco, evidentemente pisando em ovos. — Mas as pessoas podem se assustar, meu amor. As crianças, pense nas crianças!
— Eu sei. — Assenti obedientemente. O que não se faz por uma merreca no fim do mês? Bem, a minha merreca pagava metade de uma mensalidade (bolsa parcial), pagava outra mensalidade (o valor era um pouco menor por ser tecnólogo), transporte, alimentação no campus, produtos de limpeza e de conservação da prótese, sem falar no lubrificante. Se sobrasse dava para comprar uma blusinha básica no R$10,99.
— Claro que sabe, nós conversamos sobre isso quando te contratei — falou piscando docemente, mais falsa que seus cílios gigantes. — Prótese sempre!
— Regina, eu preciso desse emprego, eu posso ficar na cozinha. — Eu podia me lamentar mais tarde por aquela humilhação. Eu precisava daquele emprego, só Deus sabia o quanto foi árduo consegui-lo. — Na cozinha ninguém vai ficar me olhando, não vou incomodar e ainda vou estar trabalhando.
Ela ponderou, colocando as mãos na cintura e estreitando o olhar. Foi vencida quando clientes entraram ocupando uma mesa próxima às janelas.
— Vá pra cozinha e manda o Davi vir atender! — Me deu um tapinha no braço. Não perdi tempo, dando passadas apressadas em direção às portas duplas. Ela gritou antes de eu entrar: — Dá um jeito nesse negócio logo, Luiza!
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FICANTE (série Enlaçados, livro 1) DEGUSTAÇÃO
Romance"Quais as chances de seu ficante te pedir em namoro em um ambiente lotado de estudantes? Quais as chances de você dizer sim mesmo acreditando que gosta de outra pessoa? Quais as chances de você se apaixonar pelo seu ficante-barra-namorado? E quais a...