CAPÍTULO UM

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UM ANO DEPOIS

Tinha uma música tocando ao fundo no café, falava sobre a certeza de ser correspondido, e a dor de saber que havia se enganado, contando uma mentira a si mesmo

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Tinha uma música tocando ao fundo no café, falava sobre a certeza de ser correspondido, e a dor de saber que havia se enganado, contando uma mentira a si mesmo. Bem melancólica.

Aquela música não era lá tão ruim (era do tipo que Theo escutaria, eu apostava), o momento é que era péssimo.

— Onde está a sua prótese ocular? — perguntou minha chefe, fazendo uma careta para mim.

Contive um suspiro exasperado.

— O gato do meu irmão comeu — respondi, tão infeliz que poderia começar a chorar emoji de coração partido a qualquer momento.

A careta de Regina se intensificou.

— É o quê?

Davi me lançou um olhar compadecido de onde limpava uma mesa. Não eram nem oito e meia da manhã, mas o meu pesadelo começou às seis, quando, em vez de acordar com o alarme de um galo cantando, eu acordei com o ronronar de Luigi enquanto ele pacientemente roía a minha prótese ocular.

Aquele gato era racista e capacitista. Só isso explicava tamanha crueldade.

Eu nunca o perdoaria!

— O gato do meu irmão comeu. — Mordi o lábio, mexendo os dedos sem parar na altura da barriga. Vi Davi segurar o riso, correndo para a cozinha para não ser visto. Safado! — Eu juro que vou providenciar outra imediatamente!

Imediatamente significava dois meses. Mas ela não precisava de tanta informação, certo?

— É bom mesmo, Luiza! — Ela piscou, franzindo as sobrancelhas. Colocou uma mão em meu ombro, puxando-me bruscamente para perto. Sufoquei um resmungo. — Você é linda, deslumbrante, mas… — mas tem um olho branco. Ela engoliu em seco, evidentemente pisando em ovos. — Mas as pessoas podem se assustar, meu amor. As crianças, pense nas crianças!

— Eu sei. — Assenti obedientemente. O que não se faz por uma merreca no fim do mês? Bem, a minha merreca pagava metade de uma mensalidade (bolsa parcial), pagava outra mensalidade (o valor era um pouco menor por ser tecnólogo), transporte, alimentação no campus, produtos de limpeza e de conservação da prótese, sem falar no lubrificante. Se sobrasse dava para comprar uma blusinha básica no R$10,99. 

— Claro que sabe, nós conversamos sobre isso quando te contratei — falou piscando docemente, mais falsa que seus cílios gigantes. — Prótese sempre!

— Regina, eu preciso desse emprego, eu posso ficar na cozinha. — Eu podia me lamentar mais tarde por aquela humilhação. Eu precisava daquele emprego, só Deus sabia o quanto foi árduo consegui-lo. — Na cozinha ninguém vai ficar me olhando, não vou incomodar e ainda vou estar trabalhando.

Ela ponderou, colocando as mãos na cintura e estreitando o olhar. Foi vencida quando clientes entraram ocupando uma mesa próxima às janelas.

— Vá pra cozinha e manda o Davi vir atender! — Me deu um tapinha no braço. Não perdi tempo, dando passadas apressadas em direção às portas duplas. Ela gritou antes de eu entrar: — Dá um jeito nesse negócio logo, Luiza!

FICANTE (série Enlaçados, livro 1) DEGUSTAÇÃO Onde as histórias ganham vida. Descobre agora