I

30 4 0
                                    


Olhei atentamente para as duas cartas dispostas na minha frente. Ao meu redor, conseguia ouvir os sussurros mal contidos pelas duas criadas que me olhavam atentamente do outro lado do quarto. Esse cenário me era imposto a duas semanas, quando acordei desnorteada e "ataquei" a todos em um surto que gentilmente chamaram de "estresse pós-debute". Desde então, tenho sido seguida e vigiada por todos em todos os lugares, com as pessoas temendo que um novo incidente ocorra. E eles não poderiam estar mais longe da verdade.

Após ter aceitado o beijo da morte, acordei novamente na minha cama. Na minha casa no condado. Três anos antes de tudo acontecer. Estar respirando, sem sinais dos machucados, e encontrar com as pessoas que eu havia assistido morrer, me deixou em choque. Em um estado de alerta e confusão tão grande que sai correndo pela mansão completamente desarrumada e com apenas as roupas de dormir e se não bastasse isso, agarrei qualquer pessoa com quem me deparasse apenas para ter a certeza de que ela era real. Quando a notícia chegou aos meus pais e irmãos, eu já havia alcançado as escadarias da entrada e estava correndo em direção aos estábulos, mas antes mesmo que eu pudesse entender o porque estava indo para lá, meu segundo irmão, Elliot, conseguiu me conter. E foi então que tudo piorou. Assim que meus olhos encontraram os dele, perdi completamente as forças e cai desacordada em seus braços.

Minhas sobrancelhas se uniram grosseiramente quando a lembrança do momento em que acordei passou rapidamente pela minha mente, balancei a cabeça agressivamente para expulsar o pensamento, pois a vergonha era grande demais para ser vivenciada mesmo nas memórias. Enquanto ignorava as criadas que se assustavam com qualquer movimento meu, voltei a me concentrar nas duas cartas posicionadas no centro da mesa. Elas eram um desafio, representavam um poder maior que apenas algumas palavras desenhadas no papel, elas possuíam o poder de mudar a minha vida drasticamente. É claro que eu já sabia qual o conteúdo de ambas, já as havia lido na primeira vez, e feito minha escolha também, por isso, sem me importar em quebrar o selo, joguei a carta com o brasão real no lixo.

As duas criadas arfaram audivelmente com espanto, mas assim que desviei meus olhos para elas, voltaram para suas posturas contidas. Demoraria menos de um dia para que tal feito chegasse aos ouvidos de meu pai.

Suspirei internamente enquanto abria o selo com o brasão pouco familiar. O fato de o nome da família não ser reconhecido pelo seu brasão, mostrava qual era o status que ela possuía. Nenhum. E devo confessar que apesar de ter lido essa carta uma vez no passado, seu conteúdo me pareceu tão ultrajante que limitei-me apenas a jogá-la no lixo, sem escrever uma resposta. Mas dessa vez, li cuidadosamente cada palavra, absorvendo em minha alma, seu significado e gravando-a como se fosse uma carta de amor e não um pedido de casamento inconvencional. A etiqueta ditava que o pretendente deveria demonstrar seu interesse de casar com a noiva diretamente para o chefe da família, que se achasse o pedido — e o noivo — apropriado, comunicaria a jovem dama da sua decisão. Mas o remetente dessa carta, contrariou o bom senso e dirigiu uma carta semelhante a essa para todas as jovens solteiras da nobreza. Tal feito, de acordo com minha memória, fez com que esse jovem barão fosse motivo de faz-me rir durante toda a temporada de casamentos.

O suspiro dessa vez escapou pelos meus lábios.

Parecia estranho olhar para essa carta como se ela fosse a solução para todos os meus problemas, na verdade, para os meus futuros problemas, mas durante as duas semanas desde o meu retorno, não havia conseguido pensar em nada que me mantivesse longe e segura do circo que se formaria nos próximos anos. O inegável era que eu estava com medo. A raiva e o arrependimento ficaram para os meus minutos finais, quando a morte estava perto demais para ser ignorada, agora, sabendo do tempo que me restava e de como não era suficiente, o pavor gelava a minha pele e pretificava os meus ossos. Então, por mais que uma vez eu tenha feito chacota desse homem por ousar calçar além do seu número, hoje eu o aceitaria como meu noivo.

— Henrietta — chamei uma das criadas que estavam em meu quarto, a jovem se assustou quando ouviu o próprio nome, estranhando o fato de eu lembrar. — Prepare papel e tinta, tenho urgência em responder.

— Sim, minha dama.

Tamborilei suavemente meus dedos na mesa enquanto observava Henrietta trabalhar. Ela se movia com a habilidade de quem fazia o serviço com frequência e dirigia o corpo para os móveis certos para encontrar o que precisava. Apesar de o quarto me pertencer, eu apenas conhecia o anexo onde ficavam minhas roupas e joias.

As vezes é preciso viver uma vida inteira para reconhecer os seus defeitos e mais outra para consertá-los.

— Obrigada, pode descansar agora — disse quando ela colocou cuidadosamente todo o material a minha frente. Quando ouviu minhas palavras, me olhou com mais desconfiança do que quando apertei as suas bochechas dias atrás.

A confiança é mesmo algo que se conquista.

Focada nas páginas em branco, tentei imaginar o que soaria encantador para o jovem barão, mas desisti ao lembrar que esse homem tentou cortejar todas as jovens do reino por um motivo: necessidade. Então, com menos de quinze minutos, havia escrito uma resposta descente e selado a carta como se era devido. Quando coloquei a carta na bandeja para ser enviada pelo mordomo, minhas mãos tremiam. Aquele era o primeiro passo para a mudança, eu estava traçando uma linha completamente torta, onde negava toda a minha educação e minha criação. Eu nasci e cresci para ser a flor da sociedade, para dominar e influenciar, mas falhei miseravelmente e levei todos e a mim em direção a ruína. Mas dessa vez eu viveria sem altas expectativas, seria uma esposa decente e cuidaria do meu futuro lar, e acima de tudo, me manteria o mais longe possível da capital, da família real e dele.

Principalmente dele. 

NOTAS FINAIS: 

BOA NOITE, QUERIDOS!

Espero que tenham gostado do capítulo de hoje! Retornarei na próxima semana!


Era uma vez a segunda vezWhere stories live. Discover now