Parte 6 - Colecionismo

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- Não tem um filho da puta que presta nessa pocilga? - o bar estava destruído, o rapaz segurava um infeliz desacordado pela camisa balancando-o para lá e para cá enquanto esbravejava. Mesas e cadeiras aos pedaços espalhados por todo lugar, o balcão tinha dois grandes buracos que revelavam uma dúzia de garrafas quebradas, algumas ainda vazando bebidas fortes.

A porta do bar abre e o sino de entrada toca.
- Sabia que irlandeses eram duroes, mas um Pecado irlandês parece um pouco de piada de mau gosto.
- É um bom país, boas mulheres, bebida, comida boa e babacas como você aos montes, prontos para morrer nas minhas mãos! - Ele jogou o corpo na direção do recém chegado.
- Eu também acho - o recém chegado, num movimento ágil, saca debaixo do sobretudo surrado e poeirento um baralho... - Jackpot Shield! (Escudo de Sorte Grande!) - as cartas foram arremessadas parando a menos de um metro dele numa parede de papel, contendo o moribundo voador. A porta se abre novamente. O sino mais uma vez.
- Nem fodendo! - instantes depois a vitrine se quebra quando uma cadeira é arremessada e o rapaz sai lá de dentro. Do lado de fora já era noite, a praça ainda tinha alguns transeuntes, que viram alguém sair do bar correndo e logo em seguida uma cadeira voando. O que já afastou os mais cautelosos.
- Ei, moleque! - era o recém chegado fujão. A alguns bons metros, próximo de uma fonte com algumas estátuas. - Me diz seu nome.
- Ludwig Prym. Ou pra você, o cara que vai moer você na porrada. - do bolso da calça jeans cinza sai uma longa corrente de elos grandes, no final dela, um molho de chaves.
- Dave McGowen, ou o cara que vai parar você. - um novo baralho, sendo embaralhado febrilmente.

De súbito, as chaves brilharam por um instante.
- Caminho do Peregrino! (Caminho do Peregrino!) - Ludwig avançou um passo para o nada, desaparecendo. Nenhuma presença, nenhum sinal.
- Unlucky Trap! (Armadilha do Azarado!) - Dave solta as cartas em pleno ar, que ao invés de caírem e obedecerem à gravidade, rodopiam pelo corpo dele em fileiras caóticas, indo dos pés à cabeça, aos braços, pernas, envolvendo-o numa espécie de redoma viva.

Ludwig via tudo aquilo do alto de um casarão antigo, a alguns metros acima da cabeça do agente na praça, de cócoras, ajeitou a camisa pólo cinza, a gravata preta que lhe haviam emprestado, ele deixou ali mesmo pendurada no parapeito, tirou os sapatos sociais um pouco apertados e colocou ali também. Coisas emprestadas são coisas emprestadas em qualquer lugar...O bolso direito incomodou e ele tirou de dentro três cartões plásticos, fotos que não eram dele, nomes que não eram dele. O pássaro branco apareceu, bicando animado a mão com os cartões.
- Já vamos embora, esse é o último de hoje, ok? - e jogou sobre os sapatos, em seguida subindo no parapeito, girando a corrente com o dedo, o olhar de diversão aflorando no rosto. - Fácil! - ele desceu do parapeito, andou algum tanto e voltou correndo, pulando do telhado na direção de seu inimigo. Claramente gritando o máximo de ofensas possíveis por segundo em qualquer língua.

Dave havia percebido a movimentação no telhado, mas não podia denunciar sua descoberta, aguardaria o instante do ataque para fazer algo, sacara seu penúltimo baralho do bolso interno, e não pretendia usar o último.

!

Mesmo sabendo, não pode deixar de se espantar com a quantidade de xingos que aquele pivete proferia a cada segundo, caindo de braços abertos, segurando a corrente,as chaves fatalmente eram seu Fetiche, o que facilitava as coisas. Dave começou a correr na direção dele, logo entraria no alcance da sua magia e estaria acabado.

Um tilintar distinto ressoou em seu ouvido , algo a sua frente, nem um metro de distância, mais um passo...
As cartas voaram na diagonal, indo de encontro a Ludwig no ar, seria trucidado em mais um instante, mas Dave percebeu.
O sorriso.
Tentou dar um passo para trás , a botina machucara o pé no movimento brusco, entre seus pés estava uma chave de bronze.
- Portão Oculto número Um! Abra! (Portão Oculto número Um! Abra!) - aquela sensação incrível da gravidade estar sendo mudada, o corpo sendo guiado por uma nova força, e principalmente a cara de espanto impagável dos oponentes deixava Ludwig em êxtase, fechou a mão com a corrente no instante que a imagem de Dave se formara a sua frente, um cruzado teria acertado em cheio se não fossem as cartas formando uma faixa que lhe bloqueava o golpe. - Número Dois! Abra!

"UMA SEGUNDA PORTA?!"

Ludwig viu claramente as costas abertas de Dave, nenhuma carta, nenhuma maldita carta para atrapalhar, fechou o punho e deu um golpe com vontade, depois outro e mais outro, fazendo o corpo de Dave ceder no terceiro golpe com força suficiente para jogá-lo por um par de metros a frente, cartas caindo como chuva pela noite. Sirenes ecoando longe.

Ludwig recolheu as chaves do chão, colocando no bolso, indo calmamente enquanto as sirenes ficam cada vez mais altas, ele ficou emburrado, havia prometido ao pássaro que seria o último e não poderia lutar mais, promessas são promessas. Seguiu até Dave, que começava a se levantar.

Colocou violentamente o pé na cabeça de Dave, fazendo um som estranho contra o chão:
- Quero seu número.
- Nunca...
- Qual é? Quer morrer por um pedaço de plástico?
- Se não for seu, eu morreria fe...
Uma chave azulada cai sobre o rosto de Dave.
- Portão da Fome! Abra... (Portão da Fome! Abra...) - Ludwig tirou o pé no momento que a chave caiu, um círculo avermelhado substituiu o que seria a cabeça de sua vítima e um som de ossos quebrando, seguido do grito de dor lancinante e do ruído incomodo de mastigação que durou não mais de alguns segundos, mas o suficiente para incomodar até mesmo ele.

Meia dúzia de carros cantaram pneus, parando a alguns metros dos dois, fechando duas das três entradas da praça circular. Um pedaço do crânio não havia sido devorado, expondo cérebro e outros fluidos viscosos. Ludwig suspirou, sinceramente não queria mais ver aquela cara de merda, nem um pedaço...
Ajoelhou ao lado do corpo, aproveitando para recolher a chave no que restava do crânio e vasculhou com a outra os bolsos do sobretudo, isso sob os gritos de intimidação dos policiais. Encontrou um baralho de taro envolto numa flanela vermelha de borda dourada. O Eremita... Outro suspiro enquanto via o pássaro branco sobrevoando o parapeito, as coisas emprestadas. Não sabia o porque mas aquele pássaro de papel tinha sido a coisa mais legal que lhe havia aparecido naqueles tempos.

Bateu as chaves restantes no chão. Começaria a cumprir promessas.

- Portões do Esquecimento, Abram! (Portões do Esquecimento, Abram!) - a escuridão surgiu em vários círculos, dentro de círculos, dentro de círculos, consumindo tudo que aconteceu...

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⏰ Last updated: May 28, 2015 ⏰

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Memórias da Magia e do CaosWhere stories live. Discover now