c a p í t u l o ✿ 6 2

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E, envolto em um milhão de inseguranças, como todas as atitudes de Daniel, ela finalmente identificou um pedido de ajuda ali.

— Daniel, vamos conversar. — Zoe pegou uma cadeira da escrivaninha e a arrastou para frente dele. Sentou-se virada para o encosto, apoiando os braços cruzados ali. — Ultimamente você tá mais acabado do que o normal. Tudo isso é por causa da Bianca e do Bellini? Como tá com a sua família?

Daniel respirou fundo e fumou mais um pouco, então chutou os Vans para longe e se ajeitou na cama de VH. "Pelo menos levantou da cama dele" Zoe pensou consigo mesma, irônica.

— Ah, tá a mesma coisa de sempre, sei lá. O pai tá viajando e a mãe... não tá sendo uma escrota. Sempre que tem uma briga feia lá em casa é assim, ela tenta compensar e fica toda querida depois. Eu acho essa fase mil vezes pior, porque parece que tem uma bomba-relógio e qualquer merda que eu fizer, vai explodir. — Daniel falou, sem se importar em dar muitos detalhes. Absolutamente nada do que ele falaria sobre sua família era novo para Zoe. — Mas sim, eu tô mal com esse negócio do Bellini. Não achei que eu ia ficar, mas...

A amiga se esticou um pouco, apenas o suficiente para colocar a mão no joelho dele e dar um aperto de apoio. Depois, soltou a bomba:

— Dani, por que você faz isso consigo mesmo?

Por um segundo, ela viu um rastro de fúria passando pelo olhar dele, mas que não tardou em se transformar em um aparente ressentimento.

— Do que você tá falando? — Daniel tentou comprar tempo, mas sabia para onde aquela conversa ia.

— Você sabe do que eu tô falando. Toda essa questão com a Bianca, a forma como você leva a sua vida-

— Eu já te falei mil vezes sobre isso, e você falou que entendia.

— Eu entendo, Daniel. Só que eu nunca falei que concordo. — Zoe se levantou da cadeira e foi até onde ele estava, sentado na cama de VH com as costas apoiadas na parede. Ajeitou-se ao lado dele e os dois observaram a vista do internato pela janela do terceiro andar. — E eu não tô aqui pra mandar na sua vida. Eu sei que não interessa o quanto eu ache suas atitudes tóxicas para você mesmo, não seria isso que te faria mudar. Só que eu não sei se você entende que também merece ser feliz.

Zoe não ouviu nenhuma resposta, mas captou a forma como ele se remexeu na cama, como se estivesse desconfortável. Respirou fundo e continuou:

— Você está doente, Dani. — Sentiu-o se empertigando ao seu lado quando ouviu aquilo. — E tenta se punir por isso. Afasta os outros porque acha que não merece eles na sua vida. Acredita em mim, eu entendo muito bem. Eu sei que você internaliza as coisas que seus pais falam, acha que inevitavelmente vai estragar tudo, como "você sempre faz". — Fez aspas no ar. — E isso te dá medo e te faz viver antecedendo o momento em que vai voltar a se sentir mal. Só que é inevitável termos momentos ruins, ou dias, meses, até anos difíceis. Você não pode viver com medo de ser feliz por causa disso.

— Eu não tenho medo, Zoe, eu só sei que não vale a pena... Não pra mim. Eu nunca vou sair desse limbo porque eu não consigo. Sempre vai ter alguma coisa que vai me trazer de volta. Se não for a minha família, vai ser um relacionamento que eu vou estragar, ou perceber que eu fracassei em mais alguma coisa — desabafou.

— Não, Daniel, você tem medo sim. Você prefere viver nesse limbo, porque você está acostumado com ele. Por pior que seja, ainda é confortável pra você, porque você sabe exatamente o que esperar dele.

Daniel revirou os olhos:

— Você fala como se eu quisesse estar vivendo essa merda de vida.

— Eu não vou cobrir nada com açúcar, Dani. Eu acho que você não quer viver assim, mas também não quer mudar. Sabe que isso exigiria um esforço monumental, arranjaria problemas com a sua família e teria que enfrentar pela primeira vez todos os seus traumas — Zoe não recuou. — Eu não tô querendo cagar na sua cabeça, tá? De novo, eu sei como você se sente, eu já estive aí.

Camellia (AVISO DE RETIRADA 20/07)Where stories live. Discover now