Culpa

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O coração de Ao'nung batia acelerado, seus pulmões clamavam por ar. Tudo girava em seus pensamentos nublados, o que havia acabado de fazer?

Não pensava em nada com clareza, estava perdido. Foi quando resolveu apelar para seu melhor amigo, precisava desabafar e Rotxo era o único em todo o arquipélago que era capaz de entendê-lo.

Nadou na direção do marui do amigo, pediu em uma súplica silenciosa para que o rapaz estivesse acordado aquela hora da noite. Aparentemente Eywa atendeu ao pedido de Ao'nung, visto que uma tocha iluminava o quarto de Rotxo.

Ao'nung vocalizou um sinal interno que os amigos haviam criado quando eram crianças, não tardou para o rapaz de cabelos curtos aparecer.

"Cara, o que você tá fazendo aqui uma hora dessas?" questionou ajudando o amigo a subir no marui, sentaram-se juntos na varanda enquanto Rotxo ainda esperava sua resposta.

"Olha... eu fiz uma coisa, eu queria e ele também, mas não sei como me sentir a respeito disso." foi sincero, seguiu sua vontade e nunca se arrependeria do beijo, mas estava confuso.

"Você beijou o Neteyam, não foi?"

Ao'nung travou por um momento, não havia contado suas intenções para ninguém, nem ele mesmo sabia que beijaria o garoto aquela noite.

"Como você sabe disso, alguém viu e te contou?"

"Ao'nung faça um favor por nós dois, era óbvio que isso ia acontecer." deu uma ênfase, fazendo Ao'nung contorcer o rosto em negação.

"Como era óbvio Rotxo? Eu e ele quase não nos falamos depois... bem, depois daquilo." entristeceu ao lembrar do tempo em que achava que nunca mais veria Neteyam pela ilha ajudando os aldeões ou correndo atrás dos irmãos.

"Foi bom ter tocado no assunto, se lembra de como ficou durante esse tempo? Mal comia ou fazia suas atividades com seu pai, Ao'nung você adoeceu."

"Eu me sentia culpado pela situação, entendeu? Eu fui horrível com eles, todos eles." sua voz carregava arrependimento.

"Ao'nung você não teve culpa, foi um acidente. Ninguém além do povo do céu teve culpa." apertou o ombro do amigo, não gostava quando o rapaz depositava todo o peso do mundo sobre si mesmo.

"Rotxo, se eu não tivesse maltratado eles quando chegaram poderia ter sido diferente. Podia ter ouvido Lo'ak quando falou de Payakan, defendido ele do meu pai... Seria tudo diferente." seus olhos estavam marejados. Merda, por que foi tão idiota com os Omaticaya? Sua mente não esquecia de seus erros, seu coração também não.

"Cara, isso já aconteceu, não tem como mudar o passado... agora você tem a chance de um futuro e tá aqui chorando na minha varanda, por uma coisa que aconteceu há três anos. Isso tudo é por causa de um beijo?"

"Me senti culpado, como posso simplesmente ignorar tudo de ruim que eu já causei e entrar na vida dele desse jeito?"

"Bem, na vida dele você já tá, isso não tem como reverter. Já que se sente tão culpado, comece pedindo perdão com suas ações, palavras nunca vão adiantar nada sem atitudes equivalentes. Mostre que você não é mais o imbecil rude que vai atacar na primeira brecha que tiver, conquiste a confiança e o coração dele."

Ao'nung ouvia em silêncio, captava os ensinamentos do amigo e pensava em formas de colocá-los em ação. Rotxo não era bem um guru do amor, mas pelo menos estava em um relacionamento com Kiri, isso bastava para Ao'nung confiar em suas palavras, ele não tinha nada a perder de qualquer forma.

Pela primeira vez em muito tempo não tinha uma resposta na ponta da língua, decidiu por abraçar o amigo de lado carinhosamente em silêncio, como um agradecimento mudo. Lá estavam eles, a dupla imbatível e inseparável, um pelo outro como sempre, Rotxo estava lá para ouvir Ao'nung assim como o outro já havia feito por ele incontáveis vezes.

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