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Uma questão de civilização

Obedecendo ao comando de uma força invisível, Anthony abriu caminho pelo interior do trem. Pensava que, pela primeira vez em mais de três anos, teria de ficar longe de Gloria mais de uma noite. Aquilo tinha uma aparência de fim que o deixava melancólico. Era sua adorável e pura mulher que ele estava deixando.

Parecia-lhe que haviam chegado a uma solução financeira bastante prática: ela ficaria com 375 dólares por mês – o que não era muito, pois metade seria consumida pelo aluguel – e ele com 50, para suplementar o soldo. Não precisava de mais: tinha roupa, cama e comida, e para um soldado raso não haveria obrigações sociais.

O vagão estava cheio e já tinha o ar pesado. Era do tipo conhecido como "turista", uma espécie de Pullman inferior, sem tapete e com cadeiras de palhinha que precisavam de limpeza. Não obstante, Anthony o viu com alívio. Esperara vagamente que a viagem fosse feita em vagões de carga, tendo de um lado oito cavalos e do outro quarenta homens. Ouvira tantas vezes a história do "hommes 40, chevaux 8", que ela se tornara confusa e agourenta.

Percorreu o carro com a mochila pendurada ao ombro, como uma monstruosa salsicha azul, e não encontrou lugares vazios, mas seus olhos acabaram identificando um espaço ocupado pelos pés de um siciliano baixo e trigueiro, que, com o boné puxado sobre os olhos, recostava-se, desafiadoramente, no canto. Quando Anthony se deteve ao lado dele, ele olhou para cima com arrogância, pretendendo, evidentemente, amedrontar. Devia ter adotado essa atitude como uma defesa naquela situação. Anthony indagou secamente se "o lugar estava ocupado" e ele retirou lentamente os pés, como um embrulho frágil, colocando-os cuidadosamente no chão. Seus olhos continuaram fixos em Anthony, que se sentara e desabotoara o dólmã do uniforme recebido no dia anterior em Camp Upton e que o apertava debaixo dos braços.

Antes que Anthony pudesse examinar os ocupantes do vagão, um jovem segundo-tenente surgiu numa das extremidades do carro e foi anunciando, numa voz de inesperada rispidez:

– Ninguém pode fumar neste vagão. Proibido fumar. Não fumem neste vagão, soldados!

Quando ele desapareceu na outra extremidade, surgiram exclamações de todos os lados.

– Ora essa!

– Que coisa!

– Por que não fumar?

– Ei, venha cá, companheiro!

– Que negócio é esse?

Dois ou três cigarros foram lançados pelas janelas abertas. Outros foram conservados, embora às escondidas. Daqui e dali, em tom de bravata, de zombaria, de humor submisso, ouviram-se alguns comentários que dentro em pouco se fundiram no silêncio generalizado.

Um dos ocupantes do banco fronteiro ao de Anthony falou de repente:

– Adeus, liberdade. Adeus tudo, agora vamos ser cachorro de oficial – disse, com tristeza.

Anthony olhou para ele. Era um irlandês alto, com uma expressão de indiferença e de completo desdém. Seus olhos pousaram em Anthony, como se esperasse resposta, e em seguida sobre os outros. Recebendo apenas um olhar desafiador do italiano, resmungou e escarrou ruidosamente no chão, numa transição dignificante de volta à sisudez.

Poucos minutos depois, a porta abriu-se novamente e o segundo-tenente voltou, mas dessa vez com uma ordem diferente:

– Podem fumar, se quiserem! Houve um erro na ordem. Podem fumar!

Anthony olhou-o detidamente. Era jovem, magro e tinha um ar apagado. Assemelhava-se ao bigode que tinha e que era como um enorme pedaço de palha brilhante. Seu queixo muito curto era compensado por uma carranca severa, que Anthony veria no rosto de muitos oficiais jovens durante a guerra.

Os Belos e Malditos (1922)Where stories live. Discover now