Cap. 1: O Pererê

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A calada da noite foi invadida por um relincho.

E outros ressoaram em seguida. Todos acompanhados por um clarão que iluminou trechos da Mata do Assobio.

Dos bambuzais, saiu um animal com corpo de mula e uma labareda onde deveria estar a cabeça. Seu relincho intensificou-se ainda mais quando uma brisa se aproximou.

De repente, o vento virou redemoinho e a mula sem cabeça se viu perdida dentro dele. Quando conseguiu sair, notou que seu rabo estava todo trançado.

O animal fugiu em disparada e do redemoinho surgiu um ser de baixa estatura. O nanico ajeitou o gorro e a capa vermelha ao parar diante do tronco de uma guapuruvu. Depois olhou para os lados a fim de conferir se estava sendo seguido.

Após concluir que estava tudo ok, ele retirou das vestes um cachimbo cuja piteira era extremamente longa. Então a empunhou como uma varinha de condão.

Balança caixão, balança você. Dá um tapa nas costas e volte a aparecer. — conjurou apontando a sua piteira para a guapuruvu.

Em questão de segundos, uma portinhola brotou no tronco. Tratava-se da portinhola de uma toca, mas não era uma qualquer. Era a toca de um saci.

Também conhecidos como guardiões das matas, os sacis não passavam de meio metro de estatura. Tinham a pele cor de mogno, as orelhas pontudas e os olhos cor de mel. Geralmente usavam vestes e gorros tingidos com tinta vermelha extraída de uma árvore chamada pau-brasil. E ainda fumavam cachimbos.

O saci que acabara de entrar na toca é de uma espécie conhecida como pererê. Diferente dos outros sacis, os pererês não vivem em bandos e preferem uma vida solitária nas matas.

"Balança caixão, balança você. Dá um tapa nas costas e volte a desaparecer". — o pererê selou a portinhola atrás de si com a varinha em forma de cachimbo.

Ele foi logo pegando um lampião que chacoalhou com intensidade. Dentro do objeto não havia uma vela. Muito menos uma chama. Apenas dezenas de insetos com o traseiro avantajado e em formato de lâmpadas incandescentes.

— Acordem, seus pirilâmpados preguiçosos! Já descansaram bastante por hoje. Hora de trabalhar!

Graças à agitação dos pirilâmpados dentro do lampião, foi possível ver a toca iluminada. Ela era arredondada e toda talhada no tronco da guapuruvu. Em um dos lados, havia uma mesinha redonda com um tabuleiro e peças de xadrez. Em uma das paredes, estavam pendurados caldeirões, frigideiras, colheres de pau, baixelas e fuês. Na outra parede havia uma prateleira com dezenas de vasos com camomila, coentro, manjerona, calêndula, salsa e alecrim. E no fundo, havia uma pequena cama.

Foi lá que o pererê sentou-se e passou a fazer movimentos circulares com a varinha em forma de cachimbo sobre a abertura de seu gorro vermelho.

Ciranda, cirandinha. Vamos todos cirandar! Vamos dar a meia-volta, volta e meia, vamos dar! — ele conjurou e um redemoinho de névoa começou a aparecer no gorro. E de lá ele retirou um ovo alaranjado que era maior que sua cabeça.

— Que bitelo! Trinta centímetros de comprimento por vinte de largura! — exclamou usando a piteira como medida. — Um belo ovo de mafagafo! Sácio Perereira só espera que ele não esteja choco!

A constatação de que o ovo estava em perfeito estado veio assim que o pererê o colocou contra a luz do lampião de pirilâmpados.

— Oba, hora da janta! — comemorou pegando a maior frigideira da parede.

TOC. TOC.

A alegria do nanico se esvaiu com as batidas no tronco de sua árvore. Seu sangue gelou.

"Alguém descobriu a toca de Sácio Perereira! ", ele pensou. Sem delongas, tratou de guardar o ovo embaixo da cama e ficou quieto.

Os Fabulosos & O Enigma dos Signos - Livro 2Where stories live. Discover now