6. REMINISCÊNCIAS

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Mas não vai parar aí. Atravessaremos a praça Saint Augustin e sua igreja e andaremos ainda quatro ou cinco quarteirões até a primeira entrada do parque Monceau, situada na pequena avenida Vélasquez. Lá, vamos conhecer o lago do Parque Monceau. É um dos mais agradáveis de Paris. Faz parte do sonho de cada parisiense ser proprietário de apartamento com acesso direto a seus jardins.

Monceau possui falsas ruínas romanas, detalhe bizarro que aumenta o seu charme.

Após uma volta completa, retornaremos pelo mesmo caminho e entraremos no Museu Cernuschi, situado na mesma Avenida Velasquez, ou no Museu Nissin de Camondo, pertinho também. Esses dois museus nos revelam o interior das mansões das grandes famílias francesas da época da construção do parque.

O Museu Cernuschi foi a mansão do italiano, residente em Paris, Henri Cernuschi. Após sua morte, a prefeitura de Paris herdou o imóvel e sua coleção de arte asiática. Esse museu, inaugurado em 1898, é um dos mais antigos museus parisienses, o segundo de arte asiática da França e o quinto de arte chinesa da Europa.

Ah! Não podemos nos esquecer da Avenida Malesherbes. Depois de virar no boulevard Haussmann à direita, daremos uma passadinha nas Caves Augé.

Aproveitaremos essa cave, uma das melhores de Paris. O proprietário, Marc Sibard, ex-sommelier do Fouquet's, se tornou o defensor de pequenos produtores que trabalham em viticultura, fazendo vinhos deliciosos e longe dos sabores vigentes no mercado internacional.

Vou levá-lo, Gerald. Você se encantará com Paris, minha terra natal.

Os olhos ficavam sonhadores e perdidos num tempo em que o garoto não conseguia entender. Mas ela não o levou.

***

Seguia os amigos. Sempre se perguntava como o pai encantara tanto sua mãe, a ponto de fazê-la morar num barraco no alto do morro. Nas duas únicas fotos que roubou do pai, ele se apresentava bem vestido, bonito. Não podia negar que era um homem justo, correto, honesto, não o pai dos sonhos. Sempre o pai lhe explicava ser mentira o que diziam a respeito dele. A história de que saíra de casa para comprar drogas e levara uma surra de traficantes, porque lhes devia dinheiro, era mentirosa. Fofoca nojenta. Viciado em drogas, as surras, as amantes, calúnias e mais calúnias. Os encontros com o pai não ocorriam apenas quando estava em casa em frente à televisão, mas também durante as noites insones, em que chamava pela mãe.

Não gostava de encontrar o pai daquela forma, parecendo molambo. Melhor era quando o pai o esperava na porta de casa. Fizera bicos como marceneiro, pedreiro ou ajudado alguma vizinha a trocar o chuveiro escangalhado. Aí o velho o convidava para ir ao McDonald's, ou curtir um cinema, comendo pipoca. Isso sim era programa de pai e filho.

Mas Dinho, como o chamavam na favela, diminutivo de Geraldo, porque Gerald era coisa de boiola, não estava ali nos píncaros do morro Dois Irmãos, zona da favela do Vidigal, para brincadeiras. Era um observador profissional.

Via lá do alto o conjunto, toda a favela, os barracos, a multidão. Precisava dos detalhes.

Observava as pessoas. As mulheres. Os homens. As crianças. E seu trabalho era este, olhar. Os maconheiros eram suas presas, aliás, fáceis de serem reconhecidos, sempre tranquilos e displicentes. Os cocainômanos eram tensos, apressados, irritados, não mais do que os usuários de crack e drogas mais pesadas. Os "Zé" viciados têm vida curta, explicara-lhe Zé Grandão, o líder do tráfico no morro Dois Irmãos. É preciso aproveitar enquanto eles andam por aí. A grana entra por causa deles. Neguinho rouba, vende qualquer traste que encontra em casa e corre para cá, para aliviar. É verdadeira dor a vida do viciado.

Mas a pipa era para avisar que os ratos estavam na área, ou chegando. Os ratos eram os policiais. Muitas vezes carregava binóculo, pendurado no short velho de jeans, presente de Zé Grandão.

PARIS VERMELHAOnde histórias criam vida. Descubra agora