lobo mau subconsciente

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a mamãe estava certa quando disse que não queria meu mal, mas eu não a escutei, mesmo, no inconsciente, consciente de que estava certa. eu só estou recontando uma clássica tragédia, afinal, de acordo com o que o lobo mau acredita ser o melhor para mim: e eu vou escutá-lo, porque, se ele afirma com convicção que uma catástrofe me trará felicidade, então assim será e eu sinto muito por decepcioná-la, hanni, mas talvez ele esteja mais certo.

a mamãe estava certa quando disse para colocar um casaco, mas eu não a escutei. fui ignorante e apanhei apenas as frutas, porque é peso demais carregar meu destino e um casaco de lã nas costas ao mesmo tempo. agora estou batendo os dentes com o tremor infindável do meus músculos, denunciando carne fresca para predadores inquilinos dessas monstruosas árvores de carvalho. talvez eu nunca chegue a tempo na casa da vovó. eu sinto muito por decepcioná-la, hanni, mas o lobo mau disse que nada mais importa além do meu destino. eu preciso continuar caminhando, seguindo suas setas. isso importa muito mais que sua morte miserável.

mesmo tendo consciência que não é tarde demais. mesmo tendo consciência de que eu posso me virar e voltar todo o caminho até a casa quentinha da mamãe, onde eu sei que estarei segura de lobos malvados e hipotermia. porque aqui, entre esses troncos de formas esguias e engraçadas, é meu destino.

eu estou fadada a caminhar durante uma tempestade de neve eterna, rumo um amanhã sem esperança ㅡ mesmo, no inconsciente, consciente de que há. há esperança. essa caminhada não é um teatro dramático sem desfecho. não há destino. são palavras em vão que me obrigo a escutar. é só voltar.

é só voltar.

é só voltar.

é. só. voltar.

por que eu não te escuto, hanni?

essa floresta fria aparenta assumir uma dimensão de extensão fisicamente impossível; poderia reconhecer já ter caminhado todos os quase treze mil quilômetros de diâmetro terrestres. não sei quantas horas se passaram desde o início dessa jornada, tampouco consigo enxergar a cor do céu pelas frondes, e agora minha cesta está cheia de neve. mas eu não me importo se algumas maçãs terminarem congeladas; eu não levantarei um mísero dedo. por quê, hanni?

a neve, de algum modo, se tornou tão confortável e será tão trabalhoso voltar. por que eu deveria voltar e pegar um casaco? por que eu deveria me esforçar? quem é você, hanni?

mas eu sei que a mamãe estava certa. sei que a hanni irá morrer congelada se não voltar e buscar um casaco. nem é tão trabalhoso assim. na verdade, isso é para o seu bem. então por quê? por que eu não sinto vontade alguma de voltar?

por que o frio é tão confortável?

anoiteceu, amanheceu, anoiteceu e amanheceu de novo: é o que presumo, considerando o ciclo cicardiano das presas. e parece que finalmente cheguei ao meu destino. no entanto, compreendo: as setas que o lobo mau indicou não direcionavam à casa da vovó, mas à sua toca recheadas de meninas com capuzes vermelhos enterradas na neve densa. eu não me importo mais. cansei de andar, então sento às raízes de uma árvore, permitindo a neve cair e aglomerar-se no meu corpo exausto de trinta e cinco graus. uma hora, o lobo mau chegará e resgatará meu corpo enterrado, assim como o de todas essas garotas vivas e respirando, tenho certeza. ele me guiará até a casa da vovó, entregarei as frutas e voltarei para casa, eternamente feliz por cumprir meu destino.

anoiteceu e amanheceu de novo. a neve está no meu pescoço, mas ninguém veio me salvar. apesar de tudo, eu confio no lobo mau. por que eu deveria me levantar, tirar a neve de mim e voltar? se aqui é tão confortável. se eu não preciso fazer esforço algum. se eu não quero me salvar.

é uma pena, hanni, era tudo mentira. mas você sabe disso, não é? então por que você não voltou? por que você fez isso comigo?

trinta e três graus.

talvez ainda dê tempo de voltar. ainda há esperança, hanni. não escute o lobo mau. ele entrou na sua cabeça. você consegue levantar, eu acredito em você! anda, levanta! você consegue me ouvir?

trinta graus. a neve atinge as narinas.

hanni... por favor. eu sei que a neve é confortável... mas... é tão... confortável...

vinte e sete graus.

mas... a morte é tão confortável...

















































(uma porta de madeira range. passos, uma risada maligna. o lobo mau subconsciente, recheado de esperteza, contempla todos os corpos mortos que arrumou para o jantar. é fascinante a beleza que algumas palavras são capazes, mais do que qualquer garra. mais do que qualquer vontade. mais do que qualquer esforço. mais do que qualquer conforto. mais do que qualquer sabotagem)...

chapeuzinho vermelho | NEWJEANS +Where stories live. Discover now