Capítulo I - NOSTALGIA IRREVERSÍVEL

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Ainda penso porque você teve que partir tão cedo.

O inverno ocorreu há meses e o frio continuou. Eu novamente estou deitada em meu quarto contemplando o som dos pássaros que assobiam em minha janela. Como sempre, eu os confundo com minha avó que logo cedo costuma cantar enquanto cozinha. Ela consegue iluminar nosso velho sítio com sua beleza interior. Sempre sorridente, todos que a conhecem comparam seus olhos com as estrelas do céu. Esse conjunto de detalhes que compõe o nosso sítio sempre me faz sonhar com ele. Evito caminhar pela estrada de terra pela manhã quando todos resolvem sair de casa para comprar seus produtos diários pois, mesmo não me recordando totalmente de seu rosto, acabo por confundir com todos os que vejo.

Desde cedo eu ajudo a minha família. Tenho grandes pessoas nas quais eu possa confiar apesar de dificilmente acreditar em muitas frases ditas como eu te amo. Parece estranho para uma garota de quinze anos falar sobre amor dessa maneira, mas ver essas pessoas dizerem isso a todo instante umas para as outras soa como algo falso.

Levanto da minha cama e vou até a cozinha. Dou bom dia para minha avó e para minha mãe. Sento e bebo meu café com leite. Sem minha dose diária, não vivo. Posso ver pela janela meus amigos correndo e jogando bola de novo e de novo. Sempre a mesma coisa. Termino de beber e reparo que as bordas da janela estão sujas. Me aproximo para limpar com um velho pano.

— Vem jogar com a gente Lana! — grita um de meus amigos lá fora.

Faço sinal negativo com a cabeça. Particularmente, nunca consegui gostar de jogos, ou melhor, de jogar bola. Entretanto cedo após inúmeras vezes ouvindo meus amigos gritarem para eu ir até eles. Mesmo não gostando de futebol, ficar perto dessas pessoas me faz sorrir.

Nossa família era muito unida. Atualmente tenho por perto pessoas que são tão acolhedoras quanto às de sangue eram. Essas sim nunca me abandonaram. Como eu definiria o abandono? Não posso culpar pela distância de muitas pessoas com quem eu convivia nos meus sete, oito anos. O tempo passa, as coisas mudam e a nostalgia é algo que não deveria fazer parte do nosso pensamento. Ao menos que, quem pensar sobre o passado, for muito forte para não chorar.  Mesmo tendo meus amigos e minha mãe eu me considero uma pessoa triste. A felicidade é passageira e a tristeza também, mas sempre sinto que a segunda demora mais para partir.

Saio para o jardim e sento na escada que fica logo embaixo da porta. O quintal tem diversas flores: rosas azuis e brancas, aquilégias, hortênsias. Acho uma das partes mais bonitas da nossa casa. Eles continuam o jogo e eu os observo. André faz um gol. Ele mora duas casas da minha rua. Gosta de filmes, assistiu a todos de comédia possíveis. Ele vem em minha direção.

— Você pode ser a zagueira, mas não fica sentada sozinha Lana — diz ele ofegante.

Após jogarmos a tarde inteira, minha mãe vai até o lado de fora exatamente às dezoito horas como todos os dias. O jantar está quase pronto, mas ela sempre quer que tomemos banho antes de nos alimentar. Isso acabou se tornando automático para mim.

Nos adaptamos com os costumes que a família nos ensina e também com os que ela nos mostra. Por exemplo, quase todos estranham quando chamo minha avó ou minha mãe pelo nome. Isso é comum para mim. Simplesmente costume.

Dezenove horas. Santana, minha avó, é totalmente acolhedora e sempre faz muita comida para todos. Ela convida meus amigos para o jantar. Sento-me à mesa. André senta ao meu lado e todos nós conversamos a noite inteira.

Bruna é a última a sair. Subimos as escadas, ela pega seus sapatos e me despeço dela. Ela é uma das minhas melhores amigas e tem dezessete anos, sendo uma das mais velhas do nosso grupo. Nunca se interessou pelos estudos, mas sempre teve garotos ao seu lado. Apesar disso, acho que eles nunca gostaram verdadeiramente dela.

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