Bem-vindos à Wentworth

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O único que parecia não se importar, que fazia questão de quebrar todas as regras existentes e inexistentes, estava naquele momento sentado no parapeito da janela do terceiro andar, o rosto levemente encostado no vidro. O rapaz franzino de cabelos coloridos mantinha o olhar fixo na cadeia de montanhas ao longe. Dois anos. Esse era o exato tempo em que ele estava ali encarcerado. Vindo de família de classe média, nem em seus piores pesadelos ele se imaginaria naquela situação algum dia. Fresco em sua memória estava aquela fatídica tarde em que seus pais vieram alegremente anunciar o fim de sua liberdade.

De maneira enfática, ele ouviu como a diretora do instituto havia entrado em contato com seus genitores e oferecido uma vaga no estimado Instituto Wentworth. Sim, uma oportunidade imperdível. Restava a pergunta: imperdível para quem? Era sabido pelo mancebo que seus pais já andavam fartos de sua atitude e das inúmeras encrencas nas quais ele havia se metido nos últimos meses. Até na delegacia ele fora parar. Por que? Somente porque fez uma extensa pintura em uma das muretas do parque mais frequentado de Kellerman. Não esquecendo de mencionar que tal arte retratava, de forma hiperrealista, dois homens durante uma felação. Ora, ele estava apenas exercendo sua veia artística, afinal não era importante fomentar a criatividade e a cultura? Entretanto, o pior naquele dia infernal, não fora ter sido pego pela polícia, tampouco ser detido na delegacia. Oh não. O pior fora ser obrigado a segurar as gargalhadas que ameaçavam irromper de seu peito ao ver a expressão de choque e vergonha no rosto de seus pais diante das fotos de sua pequena aventura. Nem mesmo o sermão que escutou durante o trajeto para casa tirou-lhe aquele sorrisinho de escárnio dos lábios.

O pai, cansado, passou as mãos pelos cabelos loiros. O menino tinha 14 anos. Não podia permanecer irresponsável para sempre. Eles já haviam aguentado demais! Foram quatro escolas em quatro anos! Expulso uma e outra vez. Na primeira por encher a sala de aula de sapos e cobras. À época o menino tinha apenas 10 anos. Na segunda ele inundara o banheiro masculino, causando um enorme prejuízo para a escola. Na terceira, ele havia invadido a escola no meio da noite e decorado a parede da entrada principal com papel higiênico molhado em tinta das mais variadas cores. Ele não teria sido pego, não fosse sua assinatura ao pé da "obra de arte". Por fim, ele havia jogado sabão no chão dos corredores. Vários alunos e professores foram parar no hospital com fraturas. Para coroar a sequência de mal feitos, havia a pintura no parque.

O senhor e a senhora Kratz, de limitados recursos financeiros e não oriundos de Kellerman, faziam sempre o possível para que sua família fosse aceita e incluída nas atividades da cidade. Só que ter um filho como aquele menino, que locupletava-se de mal feitos e rebeldia tinha exatamente o efeito contrário. Na visão de seus genitores, ele era a epítome do que um filho jamais deveria ser. Desde os treze anos, vestia-se de maneira estranha e desleixada, tinha modos afeminados, pintava os cabelos, jamais permitindo que alguém lhes visse a cor natural, pintava as unhas, usava maquiagem, fumava. Recusava-se veementemente a ir à igreja. A última vez em que fora obrigado a ir, o pastor o expulsara por estar usando mini-saia e batom vermelho nos lábios.

Ninguém na escola se atrevia a se aproximar. E era assim que ele gostava. Sozinho. Sempre sozinho. Ele não precisava se preocupar em ser gentil ou nenhuma outra droga amistosa que a sociedade queria impor. Ele estava muito melhor só. Até que fora obrigado a ir para o Instituto Wentworth. Ali, havia três pessoas que nunca o deixavam em paz. A mudança de escola fora obra do senhor McCallum, diretor de seu último colégio que, após o incidente no parque entrara em contato com a diretora Moody. Que desserviço para o pequeno arrivista! Ter que se mudar para uma escola onde ele mal podia usar seu gloss labial sem que a diretora lhe chamasse a atenção. Sem contar o horrendo uniforme que precisava usar todos os dias: calça cinza, camisa branca, paletó azul-marinho e gravata vermelha. Pelo menos pôde manter seus cabelos coloridos, já que alguns jovens tinham tatuagens e piercings (tudo feito sem permissão parental, importante frisar).

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