Part 1

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Merda, merda, merda...

Estava super atrasada. De todos os dias, este era aquele em que não poderia, de jeito nenhum, atrasar-me.

Mas como é que alguém em seu perfeito juízo tinha decidido casar-se no primeiro dia de Janeiro?

Aceitei esta encomenda por uma questão de orgulho mais do que por verdadeira necessidade, já que a quadra Natalícia tinha o benefício de acrescentar uns zeros a minha conta bancária, equilibrando as contas dos meses mais difíceis que se seguiam. Se as circunstanciais fossem diferentes até teria encarado este serviço como benéfico, já que poderia acrescentar um pouco à minha conta poupança  com a qual pretendia comprar um novo carro, ou contratar mais alguém. Mas sentia uma verdadeira aversão pela minha cliente e queria provar a essa senhora que a minha família merecia todo o seu respeito, embora no fundo soubesse que de pouco iria adiantar este meu esforço.

A D. Hortência, a minha cliente, nunca se tinha refreado quando se tratava de dizer mal da minha família. Não que esta fosse perfeita... longe disso, mas ainda assim...era a minha família. Um ano se tinha passado desde que nos tornamos o centro das más-línguas da nossa pequena aldeia e não parecia acalmar, talvez por falta de outra grande novidade. Recentemente tinha chegado a triste conclusão de que dificilmente os falatórios iriam desaparecer.

A vergonha tinha-se tornado a minha companheira constante desde que tudo tinha acontecido. A recordação e a dor tinham voltado em força com a chegada do Natal e teimavam em não desaparecer. E eu tinha este ultimo ano me desligado um pouco do mundo, não que eu algum dia tivesse tido grande ligação com ele. Eu tentava esquecer mas nada parecia me fazer esquecer ou perdoar. E não precisava que vizinhas maldosas o estivessem sempre a recordar, conseguia perfeitamente fazê-lo sozinha. A D. Hortência era a coscuvilheira mor e não perdia uma oportunidade de me lançar um comentário maldoso.

Infelizmente e para nossa grande tristeza, a minha mãe era o objeto de toda essa maldade, ela tinha fugido com um dos rapazes dos Smith. Não haveria um tão grande alarido se ele não fosse dezoito anos mais moço do que ela e meu namorado.

A situação toda foi horrível...Embora a historia fosse simples e nada de especial...

Na manhã de Natal minha mãe não quis nos acompanhar a missa para poder, segundo ela, fazer o almoço. Estranhamos essa atitude porque ela detestava cozinhar, geralmente era eu que preparava todas as refeições e nesse dia como em todos os outros já estava tudo adiantado, faltando muito pouco para terminar, mas ela insistiu tanto que a contra gosto a deixamos ficar para trás.

Ainda me lembro da paz que me acompanhou até entrarmos em casa. Não sei se era por ser natal mas naquele dia estava feliz, tinha o coração leve e cheio de esperança no futuro, a missa tinha corrido lindamente e vizinhos, amigos e família pareciam estar reunidos numa grande paz e harmonia. Mas tudo desabou a minha volta no momento em que atravessamos a porta de casa.

Esta estava virada do avesso. A sala era um amontoado de papéis e objetos espalhados pelo chão, a televisão, a aparelhagem e tudo o que pudesse ter algum valor tinham desaparecido. Encontramos a mesma devastação nas outras peças, mas da minha mãe nem sinal. As suas roupas não estavam mais,  nem qualquer um dos seus objetos pessoais e não tardamos em chegar a conclusão... com uma profunda tristeza e consternação... que ela tinha sido a responsável pelo estado da casa.

- Ela se foi. - O meu pai lamentou baixinho. - No dia de Natal...ela se foi.

Devagar, arrasado sentou-se no sofá e enterrou a cabeça nas mãos e deixou-se ficar consternado. Andrew, o meu irmão, com apenas dezasseis anos, depois de desferir um murro na parede saiu de casa a correr desaparecendo.

Quanto a mim, fiquei ali, parada pelo que me pareceu uma eternidade de tempo, para depois começar a arrumar tudo. Precisava colocar tudo em ordem ...era esse o meu papel, devia cuidar de tudo...sempre. Grossas lágrimas me caiam pela cara, mas só quando estava a tentar tira-las do papel que tinha acabado de apanhar é que percebi que chorava. Limpei-as da minha cara, engoli o nó que se tinha formado na minha garganta e continuei sem descanso.

Meia hora depois chegaram os pais de Michael, o meu namorado. Estávamos juntos desde sempre, de melhor amigo tinha passado a namorado. Na hora não percebi o que eles faziam ali, só depois de me mostrarem o bilhete que tinha deixado, é que ficou tudo explicado. Ele tinha ido embora para Londres com o grande amor de sua vida...minha mãe.

Nesse momento colapsei,  segundo me disseram caí redonda no chão e só acordei no dia seguinte.

****

O mês de janeiro desse ano, tinha sido o pior, os dias tinham  passado devagar, arrastando-se. No meu emprego, na pastelaria da vila, tia Letícia, irmã de meu pai e minha patroa, tinha tido o cuidado de me retirar do atendimento ao balcão para me colocar somente no fabrico dos bolos e pasteis. Ficava escondida o dia todo, longe das línguas e olhares maldosos. Para ela também não foi fácil, todos os dias era inquirida pelas clientes se sabia de mais alguma coisa sobre o sucedido, mas todos os dias ela respondia "Só Deus sabe!" e continuava "O que vai querer hoje"

Acho que esta situação toda não ajudou a saúde dela, que rapidamente se deteriorou e em Março, tomava conta sozinha da loja, orientando as suas duas funcionárias enquanto ela tentava recuperar, mas o cancro desta vez não lhe deu tréguas e levou-a em início de Abril, e de um momento para o outro perdi a outra mulher da minha vida e herdei um negócio.

Tia Letícia não tinha família e deixou tudo ao meu pai que rapidamente o passou para o meu nome, alegando que não percebia nada daquilo e que Andrew já tinha a sua herança assegurada. Para além do negócio também fiquei com o imóvel onde estava instalado e o primeiro andar tornou-se no meu lar... um lugar só meu.

Continuava a fazer algumas das refeições com o meu pai e o meu irmão, não podia abrir mão deles, precisávamos desesperadamente uns dos outros. Andrew era o que mais sofria, ele era a cópia viva do meu progenitor, sensível mas calado, tentava não deixar transparecer o sofrimento que lhe ia na alma, mas não estava a ser fácil, sabia-o, mas ele estava a aguentar firma.

O verão passou e trouxe novos vizinhos, um casal com uma menina linda. Ela tinha a idade de meu irmão e estes acabaram por  se tornarem inseparáveis. Pela primeira vez em meses vi de novo alegria no seu rosto.

O meu pai por outro lado sobrevivia....acho que apenas vivia por nós. O nome da minha mãe nunca mais foi pronunciado e o que aconteceu nunca foi comentado. Acho que isso acontecia porque não tínhamos respostas para dar, nenhum de nós tinha a noção de como tudo tinha acontecido, e acima de tudo ainda nos doía profundamente.

Da minha mãe nunca mais ouvimos falar.

Mas eu recriminava-me todos os dias, como poderia ter sido tão cega. Era o meu namorado, a pessoa com quem eu me queria casar. O homem que eu amava e ele preferiu a minha mãe.


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Por favor, se estiverem a gostar da minha historia....votem ....dezenas de pessoas já a leram, e só recebi o feedback de algumas ....será que não gostaram??

Por isso volto a pedir ...votem ...e desde já deixo o meu muito obrigado a todos que perderam algum tempo da sua vida a ler o que vai na cabeça desta romantica incuravel ( votantes ou não).

Obrigadas princesas



Eternamente  (completo)Where stories live. Discover now